sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Quarto Domingo do Advento

Cultivemos uma Justiça que ultrapasse o legalismo!

Questionado sobre a justeza da luta pelos direitos civis dos negros, o pastor e depois mártir Martin Luther King sentenciou: “A covardia pergunta se é seguro. A conveniência pergunta se é oportuno. A vaidade pergunta se é popular. Mas a consciência pergunta se é justo.”  Creio que esta sábia e provocativa resposta pode iluminar nossas decisões na maioria das situações difíceis e controversas que enfrentamos. E pode também ajudar a entender a situação e a decisão de José, noivo de Maria, no episódio propostas à nossa reflexão neste quarto domingo do Advento.
José se vê diante de um fato inesperado: a mulher com quem se comprometera publicamente está grávida, e o filho não é seu. A lei e os costumes eram taxativos: a mulher infiel deveria ser desonrada publicamente, sua memória deveria ser maldita e seu crime não deveria ser esquecido (cf. Eclo 23,31-36). José chega a pensar em abandoná-la discretamente, não levá-la à pública execração, mantendo assim intocada a tradição, imaculado seu próprio nome e incólume a vida da sua amada. Mas também deixaria intocada a ordem social que pune os mais fracos e conservaria uma tradição segundo a qual agradam a Deus somente aqueles que cumpre a lei.
Despedir Maria em segredo significaria, outrossim, abandonar o sonho de novos céus e nova terra e sair da história pela porta dos fundos. Seria não entender o que a gravidez da sua amada estava escondendo. Agindo como cumpridor da lei e como homem e patriarca ferido, José salvaria sua honra mas estaria dando as costas aos sempre inusitados caminhos de Deus. Então, ele decide não dar ouvidos às aparentemente belas insinuações da covardia, da conveniência e da vaidade: decide menosprezar a segurança, o oportunismo e a popularidade para dar vida à verdadeira justiça.
Aqui não estamos simplesmente diante da narração do nascimento de Jesus de Nazaré, mas da origem ou gênesis de uma nova realidade humana, social, cósmica. Quem se deixa inquietar pelo olhar suplicante e pelo clamor mudo das vítimas descobre a fecundidade dos sonhos e abre caminhos de vida, e não se preocupa com a honra, com a vida longa e com o faturamento político ou econômico. E quem se contenta em perguntar se algo é seguro, oportuno, popular ou legal fecha os olhos aos sinais que Deus está realizando e às interpelações que eles lançam à nossa consciência.
O episódio narrado por Mateus nos mostra claramente onde e como se dá a gênese dos novos céu se da nova terra: no ventre de uma mulher, dispensando a pretensamente necessária e infalível contribuição do poder patriarcal; na atitude de um homem que, para radicalizar a justiça, ousa ir além das tradições e da lei que sempre seduzem com sua oferta de segurança, sucesso e popularidade; no vulto frágil de uma criança que experimenta os riscos de entrar no mundo pela porta dos fundos e remar contra a corrente.
Estando já às portas do Natal e preocupados em prepará-lo, descobrimos que preparar o Natal do Senhor de forma madura e consequente significa agir como José: arriscar a própria honra, mudar projetos demasiadamente definidos, superar a estreiteza dos aparatos legais e doutrinais, prescrutar os sonhos, reconhecer nas criaturas que nos são confiadas o enviado de Deus que levanta a condenação imposta ao povo, sinal de um amor que faz dele um Deus-Conosco e por nós.
Paulo diz que Jesus de Nazaré é boa notícia de Deus para todos os seres humanos porque ele nada deve às leis e poderes, porque ele vive e age pela força de Deus, que é a força dos fracos. Jesus é filho de Maria, jovem humilhada que se reconheceu cheia de graça e agraciada pelo olhar benevolente e pelo convite urgente de Deus. É dele que recebemos a vocação e a missão: missão que brota do chamado que Deus dirige a nós mediante a vida de Jesus de Nazaré, vida que vai muito além de uma prática nnãoprática estritamente religiosa ou a uma ética individualista.
Obrigado, Deus Pai e Mãe, pelo testemunho do carpinteiro José, esposo de Maria. Com ele aprendemos que preparar o Natal significa trocar a segurança, o medo e a tradição pelo sonho e pela abertura à tua novidade. Ajuda-nos a seguir tua voz, que ressoa na consciência ética, e fechar os ouvidos aos apelos da covardia, da conveniência e da vaidade. E então poderemos acolher teu filho, que quer assumir nossa carne, e não descuidaremos do chamado que nos fazes nele e por ele. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

(Isaías 7,10-14; Salmo 23 (24); Carta aos Romanos 1,1-7;  Mateus 1,18-24)

Nenhum comentário: