“Mestre,
estamos morrendo!”
O ronco
dos motores anuncia a chegada dos coirmãos. Recolhido no meu quarto, abri a
Bíblia Sagrada deparando-me ao acaso com a passagem em que Lucas relata o
episódio da tempestade que pôs em sério perigo a vida dos discípulos, enquanto
Jesus repousava (cf. Lc 8,22-25). Sensibilizou-me a frase “Mestre, estamos
morrendo!” Senti um ligeiro calafrio, porque a frase me transportou à cena do
acidente automobilístico ocorrido a menos de um mês.
Na manhã
do dia 28 de agosto de 1997 viajávamos a Caibi a ex-funcionária do Lar de
Nazaré, Ana Pandini, e eu, para a consulta mensal com a Equipe da Pastoral da Saúde. Ao sair de uma leve curva da rodovia
vi uma Kombi parada no acostamento, à minha direita. Mantive a velecidade em 115
km horários, pensando que o motorista iria aguardar a minha passagem. Mas eis
que, já a 15 metros de distância, a Kombi invadiu a minha pista com o intuito
de atravessá-la. “Meu Deus!...” Firmei a direção do Gol. Sentei o pé no freio.
O único pensamento que tive foi: “É hoje! Desta sairemos vivos ou mortos?”
Revivido
o episódio, pus-me a relacioná-lo com o relato de Lucas, aplicando-o à minha
vida e à vida da Província. Primeiro: Ao ver a Kombi parada, eu não tivera a
mínima previsão de perigo de vida. Por que os discípulos somente se aperceberam
do risco de vida quando a barca já se enchia de água? Eles não eram marinheiros
de primeira viagem; tinham larga experiência com o marulhar das ondas
encapeladas... Segundo: Eles em desespero, e Jesus a dormir, refestelado num
travesseiro!... Esta experiência desoladora amargará mais tarde as comunidades
cristãs, quando os fortes ventos da perseguição ameaçavam-nas de extermínio.
Terceiro: Jesus pode salvar-nos! Uma vez mais Deus manifesta seu poder na
história daqueles que nele depositam fé e esperança. Parece-nos que dorme. Ele
quer ser acordado. Só intervém quando solicitado. Salva os que ardentemente
querem ser salvos. Como ajudar a quem não quer, não pede ajuda?...
Durante a
viagem a Caibi, oramos diversas vezes, pedindo proteção. Hoje, apoiado no
parecer de dois médicos, concluo: o Senhor ouviu e atendeu as nossas preces!
Graças a eles é que estamos vivos. Levo para o resto da vida esta certeza:
quando minha fé diminuir, quando meu ardor apotólico eclipsar, quando minha
vocação e meu celibato começarem a ruir, ainda é tempo, está mais que na hora
de gritar: “Mestre, estou morrendo! Acorda! Salva-me!”
Enfim,
como diz o ditado, é melhor prevenir do que remediar. Quem se expõe ao perigo,
nele perece. Com certeza, tivesse eu mantido o veículo na velocidade abaixo de
100 km por hora, teria evitado o acidente. Somente agora tomo consciência
disso... Em minha vida de consagrado, em que momentos e de que modo posso expor
a vocação, o celibato, os votos, minha salvação, em grave risco de naufragarem?
Que cuidados venho tendo para evitar meu naufrágio?
Por
exemplo, se eu vier a desleixar a vida de oração, deixar de ir aos encontros de
Comunidade e de Província, se for engordando mais e mais minha caderneta de
poupança, se abandonar os retiros anuais, se me entregar a certos tipos de
relacionamentos afetivos, se me acostumar a sair de casa fazendo misterinhos...
estaria me expondo a um sério naufrágio, a um acidente de enorme repercussão em
minha vida e na vida de muitos?!
Por isso,
rezo suplicante e confiante: “Senhor, bem
sabes que sem ti eu não sou ninguém! Conheces minhas fraquezas! Peço-te a graça
e a virtude da prudência, para que jamais me exponha à mercê dos ventos e das
ondas neste mar revolto da vida! Ouve-me quando eu gritar por socorro. Faz com
que eu grite e não me cale ao ver-me em perigo. Abre-me os olhos a fim de que
dele me aperceba em tempo. Obrigado pela graça da vida, que protegeste uma vez
mais. Obrigado, Senhor, agora e sempre!”
Pe.
Rodolpho Ceolin msf
(Conforme nota do próprio Pe. Ceolin, esta reflexão ficou engavetada por
muitos meses. Foi escrita durante o XXV
Encontro dos Irmãos (setembro de 1997). Ele decidiu torná-la pública “para
partilhar com os coirmãos a experiência vivida,para a maior glória de Cristo”.
O texto foi publicado em O Bertheriano, Ano XXVII, N° 61,
Março/1999, p. 16-17)
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