sábado, 8 de março de 2025

8 de março

Conversão, cuidado e relações igualitárias

Há dois dias, as comunidades cristãs católicas iniciaram a 61ª Campanha da Fraternidade. Trata-se de um período de intensa reflexão e mobilização em torno de questões específicas que chamam os cristãos à conversão, a uma relação mais atenciosa, fraterna e solidária. Em 2025, a questão central é a ecologia integral, o cuidado da Casa Comum.

Etimologicamente, “ecologia” significa discurso ou reflexão sobre a casa, pensamento sobre ‘nossa casa’ como um todo. Portanto, não se refere apenas de uma abordagem ambientalista. O ambiente é o quintal, não a casa! E o que a Igreja coloca em pauta é mais que isso: são todas as nossas relações, a sociedade que queremos construir e habitar.

Seria muito contraditório preocupar-nos com a natureza enquanto “casa comum” e fechar nossos olhos à “casa-grande” dos países ricos, das elites privilegiadas e das corporações financeiras que vivem à custa do povo, explorado e condenado a viver na ‘senzala”. Cuidar da “casa comum” vai de mãos dadas com a humanização da economia.

Hoje muitos setores preferem usar a expressão “globalização” em lugar de “casa comum”. Ela é o espaço domesticado pela economia neoliberal, no qual os sistemas financeiro, industrial e comercial sentem-se em casa e pode agir sem barreiras. E “não está nem aí” para os setores e povos que “sobram” e com o oceano de dejetos que vai gerando.

Obviamente, a dinâmica do cuidado da “casa comum” deve alcançar também as nossas casas e transformá-las em lar. A “casa” nunca foi sinônimo de igualdade dos que nela habitam: pai e mãe, filhos e filhas, avós e netos, patrões e empregados. Uma ecologia integral deve olhar criticamente também para as relações entre estes diversos sujeitos. São relações de igualdade, gratuidade e reciprocidade, ou dominadoras e violentas?

É por essa porta que introduzo a questão da mulher, trazido à nossa memória pelo Dia Internacional da Mulher. A mesma lógica que corta as veias da natureza e a faz sangrar até à morte sustenta a dominação dos ricos sobre os pobres, sejam eles pessoas ou países, e potencializa a violência do homem sobre a mulher. Em 2024, foram mortas no Brasil 1463 mulheres. Uma a cada seis horas. E isso sem contabilizar outras formas de violência.

Do ponto de vista doutrinal, a Igreja católica deixa claro que “o homem e a mulher têm a mesma dignidade e são de igual nível e valornão só porque ambos, na sua diversidade, são imagem de Deus, mas ainda mais profundamente porque o dinamismo de reciprocidade que anima o “nós” do casal humanoé imagem de Deus. “A mulher é o complemento do homem, como o homem é o complemento da mulher”, diz a Igreja.

Entretanto, devemos admitir, com humildade e tremor, que ainda custa muito à Igreja católica reconhecer a plena dignidade e cidadania da mulher no seu interior. Não obstante serem elas a maioria dos fiéis e dos agentes de base, são ainda muitas as barreiras que limitam ou interditam a presença e atuação da mulher nas instâncias onde se reflete, decide e julga as questões de fé e de moral. Também nisso precisamos acolher o imperativo do Mestre: “Convertei-vos, e crede no Evangelho!”

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo de Santa Cruz do Sul

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