Conversão,
cuidado e relações igualitárias
Há
dois dias, as comunidades cristãs católicas iniciaram a 61ª Campanha da Fraternidade. Trata-se de um período de intensa
reflexão e mobilização em torno de questões específicas que chamam os cristãos à
conversão, a uma relação mais atenciosa, fraterna e solidária. Em 2025, a
questão central é a ecologia integral, o
cuidado da Casa Comum.
Etimologicamente,
“ecologia” significa discurso ou reflexão sobre a casa, pensamento sobre ‘nossa
casa’ como um todo. Portanto, não se refere apenas de uma abordagem ambientalista.
O ambiente é o quintal, não a casa! E o que a Igreja coloca em pauta é mais que
isso: são todas as nossas relações, a sociedade que queremos construir e habitar.
Seria
muito contraditório preocupar-nos com a natureza enquanto “casa comum” e fechar
nossos olhos à “casa-grande” dos países ricos, das elites privilegiadas e das
corporações financeiras que vivem à custa do povo, explorado e condenado a
viver na ‘senzala”. Cuidar da “casa comum” vai de mãos dadas com a humanização
da economia.
Hoje
muitos setores preferem usar a expressão “globalização” em lugar de “casa
comum”. Ela é o espaço domesticado pela economia neoliberal, no qual os sistemas
financeiro, industrial e comercial sentem-se em casa e pode agir sem barreiras.
E “não está nem aí” para os setores e povos que “sobram” e com o oceano de
dejetos que vai gerando.
Obviamente,
a dinâmica do cuidado da “casa comum” deve alcançar também as nossas casas e
transformá-las em lar. A “casa” nunca foi sinônimo de igualdade dos que nela
habitam: pai e mãe, filhos e filhas, avós e netos, patrões e empregados. Uma
ecologia integral deve olhar criticamente também para as relações entre estes
diversos sujeitos. São relações de igualdade, gratuidade e reciprocidade, ou dominadoras
e violentas?
É por
essa porta que introduzo a questão da mulher, trazido à nossa memória pelo Dia Internacional da Mulher. A mesma
lógica que corta as veias da natureza e a faz sangrar até à morte sustenta a
dominação dos ricos sobre os pobres, sejam eles pessoas ou países, e
potencializa a violência do homem sobre a mulher. Em 2024, foram mortas no
Brasil 1463 mulheres. Uma a cada seis horas. E isso sem contabilizar outras formas
de violência.
Do
ponto de vista doutrinal, a Igreja católica deixa claro que “o homem e a mulher têm a mesma dignidade e são de igual nível e valor, não só porque ambos, na sua diversidade, são
imagem de Deus, mas ainda mais profundamente porque o dinamismo de
reciprocidade que anima o “nós” do casal humano” é imagem de Deus. “A
mulher é o complemento do homem, como o homem é o complemento da mulher”,
diz a Igreja.
Entretanto, devemos admitir, com
humildade e tremor, que ainda custa muito à Igreja católica reconhecer a plena
dignidade e cidadania da mulher no seu interior. Não obstante serem elas a maioria
dos fiéis e dos agentes de base, são ainda muitas as barreiras que limitam ou
interditam a presença e atuação da mulher nas instâncias onde se reflete,
decide e julga as questões de fé e de moral. Também nisso precisamos acolher o
imperativo do Mestre: “Convertei-vos, e crede no Evangelho!”
Dom Itacir Brassiani msf
Bispo de Santa Cruz do Sul
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