quarta-feira, 30 de abril de 2025

O Pai ama o filho e lhe entrega tudo

Quem acredita os passos de Jesus acessa a vida eterna | 699 | 01.05.2025 | João 3,31-36

Estamos ainda no capítulo três do evangelho de João, mas Nicodemos desapareceu da cena. Jesus está, com seus discípulos, na região onde João Batista cumpriu sua missão profética. Ali, o profeta do deserto havia falado de Jesus como o cordeiro de Deus e o noivo da nova aliança de Deus com seu povo novo. Diante dele, elevado ou rebaixado na cruz, todos precisamos rever a imagem que temos de nós mesmos.

João Batista diz que aceita o testemunho que Jesus deu do seu e nosso Pai, pois ele vem de Deus, e, por isso, fala daquilo que conhece, daquilo que viu e ouviu. E esse testemunho, dado em tudo o que Jesus faz e diz, se condensa na cruz, na qual ele diz tudo o que se pode dizer sobre Deus: ele está sempre de braços abertos, e seu amor compassivo acolhe a todos.

Nisso Jesus se revela superior a Moisés, e não é um profeta a mais entre os profetas. Vindo do céu, ou melhor, elevado na cruz, seu conhecimento das coisas de Deus não vem da terra, não é provisório, limitado nem interesseiro. Quem se põe a segui-lo não pode se agarrar à Lei, pois ela divide o mundo em “pessoas de bem” e pessoas culpáveis ou descartáveis. Isso significaria rejeitar o testemunho que ele dá de Deus!

Deus entregou nas mãos de Jesus todos os seus projetos. Ele “fala as palavras de Deus e dá o Espírito sem medida”. Aceitar seu testemunho significa aderir a ele, acreditar nele, renascer dele, prosseguir sua missão. E é aqui que está o segredo de uma vida que não conhece ocaso, que tem beleza e plenitude que a morte não rouba. Para tanto, precisamos abandonar a postura de mestres e assumir a atitude de discípulos.

Aprendamos dos apóstolos, e vivamos como eles. Diante das ameaças e restrições impostas pelo sumo-sacerdote e por todo o Sinédrio, eles reagem intrépidos, acusando as elites religiosas de terem assassinado Jesus e afirmando que “é preciso obedecer a Deus antes que aos homens” (cf. At 5,27-33). Ou seja: temer mais a Deus que a perda dos privilégios.

 

Sugestões para meditar

§ Leia atentamente, sem pressa, palavra por palavra, este episódio ambientado na região onde João Batista cumpriu sua missão

§ O que significa reconhecer que Jesus está acima de todos? Seria isso que entendem as pessoas que repetem o mote do Bolsonaro?

§ Entre tudo o que Jesus fez e ensinou, qual é a palavra/ação de Jesus que revela Deus de modo mais claro e significativo?

§ O que Jesus faz com tudo o que ele diz que o Pai colocou nas suas mãos?

§ Como é que as pessoas podem perceber que você, sua família e sua comunidade aceitaram o testemunho de Jesus?

terça-feira, 29 de abril de 2025

Deus enviou seu Filho amado

Deus não enviou seu Filho para condenar o mundo! | 698 | 30.04.2025 | João 3,16-21

Estamos ainda com a cena e a catequese que começamos a meditar na segunda-feira e prosseguimos no dia de ontem. Tendo procurado Jesus à noite, momento preferido pelos judeus para estudar e acolher a Palavra, Nicodemos ouviu dos lábios de Jesus que seu saber não servia para nada, que, para ver o Reino de Deus, ele precisaria desaprender, nascer de novo.

Para um doutor da Lei, como é o caso de Nicodemos, a palavra de Deus é substancialmente uma Lei que classifica e separa, condenando uns e absolvendo outros. Por isso, eles esperavam a vinda de um Messias que, com a Lei na mão, punisse aqueles que não conseguissem cumpri-la, ou que a própria Lei excluía de toda e qualquer chance de dignidade e de vida.

Continuando sua catequese a Nicodemos, Jesus afirma, sem rodeios ou meias-palavras, que a relação de Deus com o mundo é uma relação de amor, e não de julgamento ou classificação. Deus envia seu Filho, Jesus de Nazaré, para que as pessoas que o aceitam e aderem ao seu caminho vivam mais plenamente. Ele não veio em vestes de juiz que julga e condena, mas em vestes de servo e companheiro cuida da vida.

Jesus é como Luz que ilumina, e não como Lei que discrimina. Ele nos ensina que a vontade de Deus é boa, e é boa para toda a humanidade e para as demais criaturas, sem discriminação. É no seu amor sem medida que brilha o ser e o agir de Deus, e não na Lei, que coloca as pessoas umas acima das outras, todas distantes, indiferentes ou competidoras entre si.

Mas há gente que prefere outra luz e outro saber, que não passam de idiotice violenta. Há quem chegue a afirmar que a pandemia e as enchentes, que feriram e mataram tanta gente, foram vingança de Deus. Como seu Deus não amasse o mundo a ponto de dar seu próprio Filho... O amor incondicional de Deus, manifestado em Jesus, é a verdade. E a prática fiel desse amor é que nos liberta e nos mantém no caminho que leva à Luz. E nós alcançamos essa luz nós amando-nos uns aos outros, e não armando-nos, como querem alguns violentos e assassinos.

 

Sugestões para meditar

§ Leia atentamente, sem pressa, palavra por palavra, este episódio e este diálogo tenso entre Nicodemos e Jesus

§ Recite de memória as palavras de Jesus: Deus amou tanto o mundo; para que o mundo seja salvo; os homens preferiram as trevas à luz...

§ O que significa concretamente esta afirmação: “Deus amou o mundo” (e não apenas as pessoas, as almas)?

§ E o que entendemos quando falamos “amor”: é substantivo (coisa) ou é verbo (ação, relação)? Sentimento ou decisão?

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Nascer de novo é preciso

No Batismo, somos regenerados no amor que brota da cruz | 697 | 29.04.2025 | João 3,7-15

No diálogo com o fariseu Nicodemos, Jesus insiste que, para nascer de novo, para ver e participar do Reino de Deus, é preciso nascer do alto, o que significa nascer da cruz, do crucificado, do “levantado”, no amor que esvazia para servir. Para Jesus, a vida não está na volta ao passado, mas no novo começo. Nicodemos, porém, se apega ao passado, a um determinismo que exclui a possibilidade de mudança.

“Nascer do alto” significa renascer no Espírito. “Carne” representa o ser humano inacabado, a condição humana frágil, sem plenitude, incapaz de amar: a raça, o povo, a estrutura, a instituição. Os fariseus e o aparato da Lei que eles defendem, fazem parte da carne, mas eles imaginam que ela seja acabada e perfeita. Espírito representa o reino de Deus, a universalidade, a esfera divina, excelente e invisível, não manipulável.

Na perspectiva do “diálogo formativo” de Jesus com Nicodemos, percebemos que Jesus crucificado, Verbo encarnado, ocupa o lugar da Lei. Se entramos no dinamismo do Reino de Deus, somos guiados e julgados pelo amor, e é por esse critério que são aferidas a bondade ou a maldade das ações e instituições humanas. Em Jesus, seu Filho amado, Deus não age como juiz, mas como amante e doador da vida.

O conhecimento suscitado pelo Espírito não se opõe à reflexão e ao estudo, mas atesta a insuficiência destes. Para acessar o coração do mistério de Deus a fé é necessária, mas a fé é mais que simples confiança na palavra de uma pessoa considerada superior. Fé é a elevação e universalização do nosso pensar e do nosso agir, ordenando-os à busca de soluções humanas para os problemas humanos.

Podemos falar então de iluminação interior. Mas esse dom da iluminação supõe uma disponibilidade de coração e uma verdadeira liberdade interior que nos capacita a abandonar saberes aparentemente seguros. Esta sabedoria é fruto da Palavra de Deus. E nós somos chamados a descobrir na sua leitura e meditação. Aproveitemos a noite, o tempo da Palavra.

 

Sugestões para meditar

§ Retome o texto de ontem, pois ambos estão interligados, e a compreensão de um depende do entendimento do outro

§ Para ser conduzido pelo Espírito não basta rezar e cantar com emoção, falar em línguas: é preciso renascer no amor solidário

§ Todos corremos o risco de imaginar-nos “mestres” nos assuntos de religião, esquecendo que, sobre Deus, estamos sempre no “bê-á-bá”

§ Tenhamos bem presente que o Jesus glorificado e exaltado o é, especialmente, enquanto crucificado por amor

domingo, 27 de abril de 2025

Nascer de novo

Concede-nos anunciar corajosamente a tua Palavra! | 696 | 28.04.2025 | João 3,1-8

Depois de ler e rezar, por uma semana, os diversos relatos evangélicos da ressurreição de Jesus, agora somos convidados a voltar nossa atenção a algumas cenas e palavras anteriores à sua paixão e morte, mas que precisam ser lidas à luz da sua ressurreição. Nas próximas duas semanas, meditaremos os capítulos 3 e 6 de São João.

Depois de transformou água em vinho bom, sinal da novidade alvissareira do Reino de Deus, Jesus se dirige às margens do mar da Galileia, lugar de encontro dos judeus que se põem a caminho para a festa da pascoa, em Jerusalém. Jesus também quis festejar a páscoa no templo, mas lá acabou enfrentando e expulsando os comerciantes do templo. Isso ocorreu logo no início da sua missão, e complicou todos os seus dias posteriores.

Por causa daquilo que fazia e ensinava, Jesus vai sendo progressivamente contestado. A principal oposição vem dos fariseus e dos saduceus. Na cena de hoje, Jesus se encontra com Nicodemos, que é um fariseu importante, chefe dos fariseus, membro do Conselho chamado Sinédrio. É um diálogo muito relevante, pois é com uma pessoa que entende da Lei.

Nicodemos procura Jesus de noite. A noite é o espaço da dissimulação, possibilita que alguém passe despercebido. Mas é também o tempo do estudo da Lei, o espaço do encontro com a Palavra de Deus. Mesmo agarrado às tradições que conhece e ensina, parece que Nicodemos deseja ouvir uma Palavra nova e significativa para o seu contexto. Mas, para ele, Jesus não passa de um reformador, um mestre igual a ele e seu grupo.

Nas palavras de Nicodemos, transparece seu sentimento de superioridade e segurança, próprio dos fariseus. Ele começa dizendo “nós sabemos...” Jesus questiona e contesta este saber que incha, eleva e domina. O conhecimento que nos dá acesso ao Reino de Deus é outro, e supõe nascer de novo, aprender da cruz, ser regenerado pelo Espírito, colocar-se no caminho de Jesus, mesmo sem saber onde vai terminar. Escutemos sua Palavra e deixemo-nos guiar por ela.

 

Sugestões para meditar

§ Como você teria reagido diante da resposta de Jesus?

§ Você sente a tentação de criar imagem de Jesus a seu gosto?

§ O que significa, na situação de você vive hoje, regenerar-se (nascer de novo), nascer de Jesus crucificado por amor?

§ Quais são as ideias sobre Deus e a religião que você precisa superar para acolher Jesus Cristo e seu Evangelho?

§ Como comportar-se de modo maduro e responsável em tempos de pandemia e distanciamento social?

sábado, 26 de abril de 2025

Recebam o Espírito Santo

Jesus nos confia a mesma missão que ele recebeu do Pai | 695 | 27.04.2025 | João 20,19-31

Era noite, e as portas estavam muito bem fechadas. Os discípulos estavam desanimados, envergonhados, amedrontados, sem perspectivas. Ao medo da possível perseguição por parte das autoridades judaicas se juntava a frustração pela imagem terrível e pesada de um Messias crucificado, sem poder, abandonado por todos, e até, aparentemente, por Deus.

Mas os muros do remorso e do medo não impedem a manifestação de Jesus, e ele se faz presente no meio daquele grupo desarticulado. E a sua primeira palavra é de misericórdia, acolhida e pacificação: “A paz esteja com vocês!” E lhes mostra as feridas nas mãos e no lado esquerdo, assegurando com isso que sua história concreta é importante, que sua presença não é mera fantasia e que seu amor fiel e solidário continua na história.

A alegria pascal não brota apenas da certeza na nossa ressurreição futura, mas também da experiência atual e cotidiana de não sermos condenados, de sermos aceitos como amigos e amigas de Jesus de Nazaré. Mas a fé na ressurreição esconde um risco: podemos ficar de tal modo extasiados com as imagens de anjos, pelas palavras de paz, pela visão de um Cristo exaltado, que esquecemos que nossa missão está apenas começando.

Por isso, depois de entregar sua paz, Jesus confere aos discípulos uma missão: “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês”. Trata-se de continuar seu próprio trabalho de carregar nas costas pecado estruturado e institucionalizado no mundo. E essa missão urge, não pode ser adiada para quando tivermos tempo. O pecado que não eliminarmos permanecerá aqui, diminuindo e ferindo a vida de muita gente.

O pecado é a cumplicidade com a injustiça, e perdoar os pecados significa dissolver os laços que vinculam as pessoas a essa cumplicidade. Abraçar a fé em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado vincula os discípulos e discípulas aos irmãos e irmãs, à partilha dos bens “conforme a necessidade de cada um”, à alegria radiante, à simplicidade profunda e cordial. Faz de nós uma Igreja sinodal, solidária e em saída às periferias.

 

Sugestões para meditar

§ As portas e janelas fechadas não impedem a presença do Senhor ressuscitado; será que ocorre o mesmo com o fechamento mental?

§ Qual é o maior obstáculo para reconhecer a presença de Jesus ressuscitado e prosseguir sua missão de tirar o pecado do mundo?

§ Segundo sua experiência, somente quem vê pode crer, ou será que somente quem crê consegue ver corretamente o que é essencial?

§ Você se sente incluído nessa bem-aventurança de Jesus: Felizes aqueles que creram sem terem visto?

sexta-feira, 25 de abril de 2025

O Papa, nosso vizinho

O enorme e precioso legado do Papa Francisco

Eu estava em Roma naquela tarde fria e chuvosa de outono. Era o dia 13 de março de 2013. No fim da tarde, saindo de uma palestra, atravessei a Praça de São Pedro lotada de fiéis e curiosos, deixei algumas cartas no correio do Vaticano e voltei para casa. O Padre Edmund, já abrindo a porta para sair, anunciou que o Conclave havia eleito um novo Papa. Todos os outros quatro colegas já haviam saído para receber o anúncio ao vivo...

Eu não tinha muitas expectativas, e permaneci em casa sozinho. Foram quase duas horas de espera até o anúncio se tornar público e o novo Papa aparecer na sacada da Basílica. Fiquei surpreso quando foi anunciado que Dom Jorge Mário Cardeal Bergóglio era o nome escolhido. A surpresa foi ainda maior, agora recheada de esperança e expectativa, quando ouvi que escolhera o nome de Francisco.

Os breves minutos que se seguiram me levaram às lágrimas. Um Papa que se apresenta como Bispo de Roma, “pescado” pelos “irmãos cardeais” no “fim do mundo”, que se inclina e pede ao povo cristão oração e bênção, que termina suas alocuções desejando “boa noite” e “bom almoço” e que deseja se inspirar no “Pobre de Assis” não é algo trivial, nem costuma ocorrer amiúde. Perguntava-me se isso tudo era verdade ou era um sonho.

Passados doze anos – um tempo curto para uma instituição bimilenar como a Igreja católica – posso testemunhar que foi um sonho, sim. Mas foi um sonho que começou a se realizar, uma semente que germinou e lançou tenras e frágeis raízes que precisam ser cuidadas. Sonho de uma Igreja simples e radicalmente cristã, em dia com os tempos, parceira dos pobres e das vítimas, alegre no testemunho e ousada nos compromissos.

O que se insinuou e eu vislumbrei naquela noite romana de outono não foi um “sonho de verão”. A imagem de um líder religioso mundial no corpo de um idoso fragilizado, em vestes civis e cadeira de rodas que o mundo viu a alguns dias não nos acordou de um sonho, mas nos permitiu tocar o seu realismo. Ali estava um irmão da humanidade, próximo e vizinho, pequeno e grande, como todos desejamos ser.

O sonho não acabou, ele se tornou semente e legado entregue aos homens e mulheres de boa vontade, sem diferença de nação, de idade, de credo ou de condição social. Que nossas instituições, agregações e organizações sejam enfermarias de campanha, largas e frágeis tendas capazes de acolher e cuidar de todas as vítimas. E que não sejam empreendimentos que lucram com as catástrofes, com a indiferença e com a violência.

Que este sonho continue em projetos e empreendimentos que fascinam e engajam na construção de pontes e não de muros. Que nossa vida não seja tempo que passa, mas tempo de encontro. Que os homens e mulheres não sejam lobos uns dos outros, mas todos irmãos e irmãs. Que o planeta seja uma casa comum que cuidamos como à nossa mãe, e não um quintal entulhado de dejetos de uma vida feia e de lutas fratricidas.

E, ainda mais: que nossas relações familiares sejam expressão da alegria do amor, e não de vínculos superficiais, cinzentos e dominadores; que nossas Igrejas não se afoguem em narcisismos doentios, caminhem em saída às periferias, peregrinem na esperança e não no medo, “sujem as mãos” nas causas humanitárias mais urgentes. E que ninguém tema atravessar as noites escuras do nosso tempo com os olhos fixos em Jesus de Nazaré.

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul

Homens e mulheres de cabeça dura

Eles estavam de luto e chorando, e não acreditaram | 694 | 26.04.2025 | Marcos 16,9-15

Entre o primeiro relato de Marcos sobre a ressurreição de Jesus (16,1-7) e o relato que meditamos hoje (16,9-15), há um versículo problemático, omitido pela liturgia pascal: “Saindo, elas (as Marias) fugiram do túmulo, pois estavam tomadas de tremor e espanto. E não contaram nada a ninguém, pois tinham medo”. Como entender este medo e este silêncio?

O evangelista faz questão de não romancear o papel dos primeiros apóstolos. A aventura de Jesus não tem um final feliz, como as narrativas imperiais e de Hollywood. A narrativa de Marcos termina com uma pergunta não expressa, mas envolvente, dirigida aos leitores e discípulos: vocês e aquelas mulheres superaram o medo e recomeçaram o seguimento de Jesus na Galileia, para onde ele foi, à nossa frente?

Isso ressoa como uma advertência para não cairmos em leituras facilitadoras, como reabilitar a primazia do papel masculino; imaginar Jesus como um profeta poderoso; tirar Jesus da terra e instalá-lo “no alto dos céus”. No evangelho segundo Marcos, Jesus oferece poucas respostas, mais ainda se fazemos as perguntas erradas. Mas, questionando-nos, ele nos chama a tomar uma posição. E Marcos nos apresenta apenas Jesus “no alto” da cruz e caminhando à nossa frente, esperando-nos nas “periferias”.

O epílogo de hoje (v. 9-15) faz parte de uma releitura do texto original de Marcos. De qualquer modo, as mulheres vão testemunhar o que viram aos apóstolos, mas, como sempre, eles não dão crédito às mulheres, e nem a dois outros discípulos que diziam ter encontrado Jesus no caminho. Mais uma vez, eles merecerão uma advertência de Jesus, “por causa da falta de fé e da dureza de coração”, por não acreditarem nas testemunhas.

O texto, o último de Marcos, termina com um novo mandato missionário. A experiência que brota da fé na ressurreição de Jesus nos leva a recomeçar o caminho do discipulado na periferia das “galileias”, e nos envia a percorrer o mundo e viver anunciando o Evangelho do Deus compassivo e crucificado pela humanidade a todos os povos e criaturas.

 

Sugestões para meditar

§ Como entender que as pessoas mais “confiáveis” e próximas de Jesus resistam tanto em aceitar sua ressurreição?

§ Será que nós também corremos o risco de desviar a atenção e tomar distância de Jesus crucificado e do chamado a voltar à Galileia?

§ Temos consciência de que a afirmação da ressurreição de Jesus não nos livra da morte e confirma num caminho pleno de riscos?

§ Preferimos um Jesus que “sobe aos céus” ou um Jesus que é “elevado na cruz”, “desce aos infernos” e nos precede nas “periferias”?

A paz esteja com vocês!

ABRIR AS PORTAS

(Oitava da Páscoa | 27.04.2025)

 

O Evangelho de João descreve com traços sombrios a situação da comunidade cristã quando Cristo ressuscitado está ausente do seu centro. Sem a presença viva de Jesus Cristo, a Igreja torna-se um grupo de homens e mulheres que vivem numa casa de portas fechadas, por medo dos judeus de tudo e de todos.

Com as «portas fechadas» não é possível ouvir o que se passa lá fora. Não é possível captar a ação do Espírito no mundo. Não se abrem espaços de encontro e diálogo com ninguém. A confiança no ser humano extingue-se, e crescem os receios e preconceitos. Uma Igreja sem capacidade de dialogar é uma tragédia, porque nós, seguidores de Jesus, estamos chamados a atualizar hoje o diálogo eterno de Deus com o ser humano.

O medo pode paralisar a evangelização e bloquear as nossas melhores energias. O medo leva-nos a rejeitar e a condenar. Com medo não é possível amar o mundo. Mas, se não o amamos, não o estamos olhando o mundo como Deus o olha. E se não o olharmos com os olhos de Deus, como comunicaremos a sua Boa Nova?

Se vivemos de portas fechadas, quem sairá do redil para procurar as ovelhas perdidas? Quem se atreverá a tocar em algum leproso excluído? Quem se sentará à mesa com pecadores ou prostitutas? Quem se aproximará daqueles esquecidos pela religião? Aqueles que querem procurar o Deus de Jesus nos encontrarão de portas fechadas.

A nossa primeira tarefa é deixar Jesus Cristo, Crucificado e Ressuscitado, entrar através de tantas barreiras que erguemos para defender-nos do medo. Que Jesus ocupe o centro das nossas igrejas, grupos e comunidades. Que só Ele seja fonte de vida, de alegria e de paz. Que ninguém ocupe o seu lugar. Que ninguém se aproprie da sua mensagem. Que ninguém imponha um estilo de vida e organização diferente do seu.

Como Igreja, já não temos o poder de outros tempos. Sentimos a hostilidade e a rejeição à nossa volta. Somos frágeis. Mais do que nunca, precisamos abrir-nos ao sopro do Ressuscitado para acolher o seu Espírito Santo.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Uma pesca pouco animadora

Saíram com o barco, mas não pescaram nada naquela noite | 693 | 25.04.2025 | João 21,1-14

Os relatos dos evangelhos nos levam a compreender que a ressurreição de Jesus está ligada ao testemunho da tumba vazia, mas necessariamente passa pela experiência pessoal da presença do crucificado e ressuscitado, e desemboca ao testemunho vivo, corajoso e público de que ele vive, e seu projeto de vida continua válido. É para isso que recebemos seu Espírito.

No evangelho de hoje, João relata como Jesus aparece uma terceira vez, a sete apóstolos, às margens do lago de Tiberíades. É difícil entender por quê, mesmo depois da manifestação a portas fechadas na noite da páscoa, do sopro do Espírito Santo sobre eles, e da nova manifestação com a presença de Tomé, os discípulos continuam desanimados e incrédulos.

Envolvidos por uma noite existencial e ideológica, sete membros do grupo dos Doze, liderados por Pedro, decidem retomar o ofício que haviam abandonado para seguir Jesus. É como se o sonho tivesse acabado em pesadelo, e como se o único desejo deles fosse voltar aos voos rasteiros de antes. Mas acabam amargando uma frustração ainda mais forte e profunda que aquela provocada pela crucifixão de Jesus.

Além de estarem sem rumo, os discípulos sentem também a falta de algo que os alimente. Eles haviam esquecido que o alimento do discípulo é fazer a vontade do Pai e completar sua obra (cf. Jo 4,34), e que só em Jesus eles encontram palavras de vida eterna (cf. Jo 6,68). Na fuga para trás, vivem a noite escura da fé, tateiam sem rumo. Para reencontrar a vida, precisam confiar de novo na Palavra de Jesus. E é isso que fazem.

Mesmo sem saberem de quem partia a ordem, eles lançam de novo a rede. E, além de um surpreendente êxito na pesca, recuperam a coragem de se jogar no mar bravio do testemunho e da profecia. Diante da pesca abundante, mas ainda dolorido pelas suas repetidas negações durante a paixão de Jesus, Pedro se joga no mar e vai ao encontro dele, que espera e recebe os discípulos com peixe assado e pão. Mas a impressão é que a reação deles é uma mistura de vergonha e desconfiança, sem sinais de alegria...

 

Sugestões para meditar

§ Leia atentamente, palavra por palavra, gesto por gesto, esta cena depois da manifestação de Jesus a Tomé e aos demais apóstolos

§ Preste atenção nos gestos e palavras: pergunta se eles têm pão; manda lançar as redes de novo; oferece peixe e pão

§ O que significa a decisão de voltar à pesca, o insucesso que experimentam, e uma nova tentativa à ordem de Jesus?

§ O que esse terceiro encontro de Jesus crucificado e ressuscitado com seus discípulos significa para nós hoje?