As pedras gritarão
Com ramos, flores e
cânticos, no próximo domingo, o povo cristão se reúne nas ruas e templos para
aclamar seu líder manso e humilde, nem mito, nem capitão. Ele vem ao nosso
encontro manso e pobre, montado num jumento. Só alguém infinitamente grande é
capaz de fazer-se tão pequeno e tão próximo! Deus se recusa a dar algo à
humanidade: ele se dá inteiramente e sem reservas em Jesus de Nazaré.
Para entender o relato da
entrada de Jesus em Jerusalém precisamos abandonar as fantasias de poder e
sucesso que nos seduzem e cegam. Não há nada de triunfal na cena descrita por
Lucas (19,28-40). Nada de cortejos de honra, nem de generais e cavalos, nem
gestos de cortesia protocolar. Jesus de Nazaré chega a Jerusalém depois de uma decisão
firme e de uma longa caminhada. E não chega impondo taxas e ameaçando meio
mundo, como se fosse senhor de tudo e de todos.
Jesus faz questão de
entrar na cidade montado num jumento. O povo do campo e da zona periférica da
capital o aclama como filho e herdeiro de Davi. “Bendito o Rei que vem em nome
do Senhor!” É um coro de pessoas que reconhece num profeta e sonhador incômodo,
rejeitado e considerado subversivo e perigoso, o Enviado de Deus. Àqueles que
reagiam com medo e indignação a esta aclamação popular, Jesus mesmo responde:
“Se eles se calarem, as pedras gritarão!”
Olhando a cidade ainda de
longe, Jesus chora. Lamenta o seu fechamento à profecia e seu apego às rígidas
tradições. Denuncia a violência dos podres poderes de ontem e de hoje, sejam
eles Pilatos, Cesar, Trump, Putin, Zelensky ou Netanyahu... Ele é o servo
paciente e discípulo da Palavra do qual fala Isaías (50,4-7). E é dessa escuta
que brota uma palavra que desperta e encoraja as pessoas acorrentadas pelo
medo.
Jesus, porém, não realiza
as ações poderosas que muitos esperavam. Entrando em Jerusalém montado num
jumento, ele se faz uma sátira aos libertadores militares, conhecidos no
passado e temidos no presente. O entusiasmo suscitado num pequeno grupo não
dura muito tempo. Os gritos de ‘hosana’ logo serão substituídos pelo insolente
‘crucifica-o’. Sereno e forte, Jesus faz questão de demonstrar que é um Messias
radicalmente diferente: pobre e pacífico.
Depois da acolhida festiva
pelo povo da periferia e da ceia de despedida com seus discípulos, Jesus enfrenta
um discernimento difícil e pede aos discípulos que fiquem com ele e
vigiem. Sua oração é um exercício de confronto profundo com a
vontade do Pai, com a missão escrita em caracteres obscuros e exigentes. Jesus
se sentirá abatido, e chegará a se perguntar qual direção deve tomar. Mas nem a
divisão entre os discípulos e os sinais anunciadores de traição o fazem mudar o
rumo.
Neste Domingo de Ramos, aclamemos
com serena alegria o mestre e profeta Jesus de Nazaré. Como peregrinos de
Esperança, acompanhemos de perto seus passos, acolhamos seus gestos, escutemos
suas lições. Não caiamos na tentação de segui-lo apenas de longe ou quando for
conveniente. Não deixemos às pedras a missão de aclamar e profetizar. E não
esqueçamos que tantos outros discípulos permaneceram com ele, comungaram seu
destino e se tornaram semente.
Dom Itacir Brassiani msf
Bispo diocesano de Santa Cruz do Sul
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