Ocorreu há 101 anos atrás. Dois dias depois de aportarem no Brasil e já hospedados no Convento dos Franciscanos em Olinda (Pernambuco) os primeiros Missionários da Sagrada Família a deixar a Europa davam notícias e partilhavam com seus confrades além-mar as primeiras impressões sobre o novo continente. Trata-se de uma carta escrita pelo Pe. João Henrique Paulssen no dia 10 de janeiro de 1911. O Messager de la Sainte Famille (abril/1911, p. 121-124), que desde suas primeiras edições mantinha um noticiário sobre as missões em geral, divulgou com orgulho e entusiasmo os passos da primeira missão dos Missionários da Sagrada Família.
Assim começava o Pe. Paulssen sua carta: “Enfim chegamos! Graças às orações de vocês e de todas as pessoas que se interessam por nós, Jesus, Maria e José nos proporcionaram a boa viagem que vocês nos desejaram na partida. Queremos agradecer a todos de todo coração.”
Depois de contar detalhes da travessia do Oceano Atlântico, da entrada no porto de Recife e da recepção fraterna oferecida pelos Franciscanos, Pe. Paulssen passa a descrever alguns aspectos do clima. “Aqui o calor tem sido grande durante estes dias – 31 a 33 graus à sombra – e a gente transpira continuamente. Isso provoca um grande cansaço, torna difícil o trabalho e nos obriga a fazer uma pequena sesta brasileira: uma simples rede estendida e fixada pelas pontas é tudo o que se precisa.”
Em seguida, Pe. Paulssen não esconde seu esntusiasmo ao falar da fartura de frutas e legumes: “Apesar do choque provocado pelo súbito calor, todos estamos bem. A alimentação é boa, mas muito diferente daquele que estávamos habituados. Todos os alimentos são doces. As batatinhas são uma delícia e chegam a mais de 10 centímetros de tamanho! Pode-se cultivá-las nessa região. E temos outro tipo de batatas, mas também elas doces. E pode-se substituir as batatinhas por uma farinha extraída das raízes de mandioca. As frutas são abundantes, todas muito doces. E a maior parte delas, com excessão da banana e de algumas pequenas frutas, são perigosas para quem não está aclimatado. A colheita pode ser feita durante o ano todo. A mesma árvore produz ininterruptamente. Pode-se ver, ao mesmo tempo, frutas maduras, frutas verdes, flores e brotos. Assim, a primavera, o verão e o outono são a mesma coisa, e não existe inverno.”
Os missionários demonstram que reuniram muitas informações em pouco tempo e se arriscam a falar de abastecimento e economia. “O principal produto do estado de Pernambuco é a cana-de-açúcar. As plantações são de perder de vista. Cultiva-se também o fumo. O café e o chá brasileiros são, segundo dizem, muito nutritivos. A cerveja é pouco conhecida, é doce e custa muito caro. O leite de vaca custa igualmente caro.”
Pe. Paulssen oferece também algumas informações sobre o lugar onde estão hospedados. “Nós não permanecemos em Recife porque o clima não é tão bom quanto em Olinda, que está a apenas 7 km de distância. Olinda tem hoje em torno de 10.000 habitantes e, no verão, por causa dos banhos de mar, chega a 12.000. O mar está a 300 metros da casa que nos hospeda. Nós temos uma vista magnífica do porto e da cidade do Recife. Logo atrás do nosso Convento está o Seminário Maior (antigo colégio dos Jesuítas). Estamos também muito próximos da Catedral de Olinda, mas o bispo reside atualmente em Recife. É um venerável ancião de 73 anos. Fizemos-lhe uma visita. Ele fala bem o francês e nos acolheu com grande bondade. Ele nos pediu orações, e nós lhe asseguramos as nossas e as de vocês.”
Os missionários recém-chegados não ficam trancados em casa. Mesmo cansados pelos 20 dias de viagem, já nos primeiros dias eles não dispensam o contato com o povo e observam coisas curiosas: “O povo é em geral bom e religioso (os homens, um pouco menos), mas pobre. Eles respeitam os padres e adoram cantar. As mulheres daqui não se vestem de forma imodesta como as da Europa. Vestem-se muito modestamente. A vida na família é muito triste, nos disseram os padres. Nós celebramos várias missas nos arredores de Recife e percebemos que faltam padres, que as igrejas são muito pobres e que nelas os cães latem como na rua...”
As primeiras lições de uma nova língua sempre são engraçadas e cheias de curiosidades. “Acabamos de participar da primeira aula de português. Para nos consolar, o padre nos disse que em 10 dias aprenderemos como usar a língua. Meu Deus, que caretas é preciso fazer com a boca e com o nariz para pronunciar os ‘ãos’ e ‘ães’ dessa língua! O ‘r’ é pronunciado quase como um ‘l’. Assim o povo responde às ladainhas dizendo ‘ola plo nobis’ e ‘miselele nobis’”.
A carta termina com um tom muito íntimo e carregado de afeto. “Reverendo Superior e caros Confrades separados pela distância. Nós estamos sempre estreitamente unidos a vocês pelo coração e pela prece. Sim, nós nos empenharemos para permanecermos fiéis às promessas feitas mutuamente nas tocantes e consoladoras manifestações a nós dirigidas no dia da nossa partida. Nós esperamos que a Sagrada Família, que nos ajudou até esse momento, nos ajude a chegar bem ao nosso destino.”
Pe. Itacir Brassiani msf
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