Voltemos agora nossa atenção à interessante narração sobre a família de Jesus, que encontramos em Mt 13,53-58. Esta perícope está localizada após a primeira parte do evangelho, que fala da justiça do reino (3,17,29); depois da segunda, que aborda sua dinâmica (8,1-10,42); e da terceira, que tematiza seu mistério (11,1-13,52). Está na abertura da quarta parte, que apresenta a comunidade cristã como semente do reino (13,53-18,35).
O texto começa registrando a surpresa e admiração dos conterrâneos de Jesus – como das multidões – frente ao seu ensino nas sinagogas e aos milagres que havia feito noutros lugares. Como conheciam bem os familiares de Jesus, sua origem e sua condição humilde, a admiração se transformou em desprezo e escândalo. A narração soa como uma espécie de lamento diante do insucesso da ação missionária de Jesus em seus três circuitos pela Galiléia e, com os demais episódios relatados nos capítulos 11 a 13, parece querer explicar as razões dessa rejeição.
Nesta perícope, José e Jesus aparecem unidos pelo exercício da mesma profissão (cf. Mc 6,3) e, assim, eram publicamente reconhecidos: carpinteiros ou construtores, trabalhadores artesanais livres. É possível que tenham buscado trabalho em Séforis, cidade portuária próxima a Nazaré. Estes contatos eram também culturais e, neste sentido, podemos afirmar que a Sagrada Família tem contínuas relações com a população de Nazaré e com os habitantes de Séforis.
Com o início de sua vida pública, Jesus se distancia de Nazaré, da família e do trabalho, mas a experiência dos afetos e relacionamentos de Nazaré permanece (cf. Mt 7,7-12). Ele carrega em sua vida a marca da família, embora vá muito além do próprio âmbito familiar (cf. Mt 12,46-50). Para ele, somente a vontade do Pai ou o reino representam o horizonte absoluto. Mas, de vez em quando, Jesus volta ao ambiente onde se havia criado e de onde guarda lembranças muito significativas.
A comunidade local se surpreende e se escandaliza com seu filho. Parece que idéia de que um personagem importante pudesse sair de uma vila tão pequena jamais foi aceita por seus próprios habitantes. Ele não havia recebido a instrução de rabinos importantes, não vinha de uma família de linhagem honrada, não estava relacionado com personagens notáveis e não tinha um círculo de relações que pudesse fazer dele um grande vulto. Afinal, ele havia sido aprendiz e ajudante de José na carpintaria e, depois da morte do pai, pode ter sido o único carpinteiro em Nazaré. Seus familiares e conhecidos não conseguem aceitar que um simples carpinteiro, membro de uma família irrelevante e conhecida, tenha autoridade religiosa ou se apresente como Messias. Têm a impressão de que ele está agindo acima do seu status familiar e social. Literalmente, tropeçam na sua origem e condição humilde, se escandalizam.
A resposta de Jesus diante da situação que se cria é mais uma vez dura e provocadora. Ele se recusa a fazer milagres em sua terra e afirma que "um profeta só não é estimado em sua própria pátria e em sua família" (v. 57). Seu compromisso com o Reino de Deus transforma os laços familiares e Jesus sente-se livre frente às normas e expectativas sociais. Como em Mt 12,46-50 e Mc 3,31-35, Jesus percebe que a própria família pode ser um obstáculo à sua missão. Por isso, propõe o caminho do discipulado, da abertura à vontade do Pai, da adesão ao projeto do reino como possibilidade de construir uma nova família. Os familiares de Jesus são convidados duramente à conversão ao reino, à descoberta e aceitação da encarnação humilde de Deus, a aceitar e facilitar sua missão messiânica.
Itacir Brassiani msf
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