Escutemos o Filho de Deus e sigamos seu caminho de doação!
No segundo
domingo somos convidados a perguntarmo-nos: Onde erguemos a tenda do nosso
encontro com Deus? O brilho atraente dos momentos de êxtase e dos grandes e
festivos encontros, podem nos afastar da exigente missão de encarnar a fé na
vida cotidiana. A oração inicial nos
convida a ouvir o Filho Amado do Pai, a purificar o nosso olhar e a buscar a
verdadeira face de Deus. E Paulo nos adverte insistentemente, e em lágrimas:
não nos comportemos como inimigos da cruz de Cristo, ou seja: não corramos
atrás de facilidades, sucessos, prosperidades... Deus usa roupas de servo,
porque essa é sua essência. Por isso, nada de tendas longe da luta por um mundo
fraterno, casa de todos...
A cena do
Evangelho de hoje é precedida por uma catequese muito exigente de Jesus aos
discípulos. Depois de ter sido reconhecido formalmente por Pedro como “o Cristo
de Deus”, Jesus acrescentara: “É
necessário o Filho do Homem sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, sumos
sacerdotes e escribas, ser morto e, no terceiro dia, ressuscitar” (Lc 9,22). E
dissera, voltando-se aos que o seguiam: “Se alguém quer vir após mim, renuncie
a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua
vida a perderá, e quem perder sua vida por causa de mim a salvará” (Lc 9,23).
Parece
que os discípulos não conseguem entender e aceitar este caminho proposto por
Jesus. Sentem-se envergonhados e desconcertados diante de um Messias servidor e
perseguido. Resistem a um caminho que os levará a ser companheiros dele no
anúncio do Reino e na perseguição. Não passa pela cabeça dos discípulos
carregar a cruz da rejeição e da criminalização, imposta a quem ousa se rebelar
contra os poderes do Império. Eles lutam desesperadamente contra essa
posibilidade. Segundo Lucas, esta luta interior dos discípulos se prolongava
por mais ou menos oito dias.
É neste
contexto que Jesus, pressionado pelos próprios discípulos, sente necessidade de
se retirar para rezar e discernir o caminho que deve seguir para revelar o
rosto do Pai e realizar sua vontade libertadora. Chama e leva consigo Pedro,
Tiago e João, os primeiros discípulos que havia chamado a segui-lo, mas também
os mais resistentes ao caminho que propunha e os mais aferrados às ambições de
poder e à imagem de um Messias potente e vitorioso. O medo e a resistência dos
discípulos se mostra também no sono, como aconteceria de novo mais tarde, no
Jardim das Oliveiras (cf. Lc 22,45)...
O sono
expressa o desejo de fugir, de dar as costas, de voltar atrás, de não escutar
nada senão as próprias ideias e ambições... Os discípulos simplesmente não
suportam escutar o diálogo de Jesus com Moisés e Elias, respectivamente, guia e
profeta do povo, ambos duramente perseguidos e não muito bem-sucedidos. O diálogo
é sobre o êxodo de Jesus que aconteceria mais tarde em Jerusalém: o
enfrentamento com os poderes opressores e a saída das malhas de uma religião
estreita e sedenta de sucesso, discriminadora e opressora dos mais fracos. Essa
conversa não interessava aos discípulos...
O trio
resistente e sonolento é despertado pelo brilho de Jesus e seus convidados, não
pelo conteúdo da conversa. A glória e o poder estão sim no horizonte do
interesse deles, tanto que desejam reter o tempo, separar os espaços e
eternizar esta agradável visão. Estando todos atordoados e sem saber o que
dizer, Pedro toma a iniciativa: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três
tendas...” Não lhes interessa acolher e compreender nem as palavras de Jesus,
nem a memória do êxodo e da profecia. O que desejam é lugares nos quais possam
encontrar paz e sossego, longe dos desafios da missão.
Mas a
glória e o esplendor do poder não são expressões inequívocas de Deus e da
realização da sua vontade. É a sombra tenebrosa de uma nuvem – imagem daquela
nuvem que acompanhara o povo na caminhada através do deserto e envolvera a
montanha na celebração da Aliança – que desfaz o entusiamo dos discípulos e os
conduz à verdade à qual resistem: “Este é o meu filho, o eleito. Escutai-o!” É
a profecia e o serviço, e não as vestes de glória, que manifestam o esplendor
de Deus... Nenhum discípulo pode fechar os ouvidos a esta exigente Palavra!
Jesus de Nazaré, companheiro de Moisés e
de Elias, filho amado do Pai. Por vezes tua liberdade nos causa vertigens e tua
compaixão nos assusta. Ajuda-nos a contemplar teu rosto nesta terra povoada de gente
que deseja ardentemente viver. Ensina-nos a escutar tua Palavra sussurrada nas
atitudes inquietas e nas ações indignadas e até violentas das pessoas e grupos a
quem foram roubados os sonhos. E dá-nos a humilde e a sabedoria para
acompanhá-las no caminho de descida que possibilita o verdadeiro encontro
contigo. Tu que és vida, lealdade e caminho. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro do Gênesis 15,5-12.17 * Salmo 26 (27) *
Carta aos Filipenses 3,17;4,1 * Evangelho de Lucas 9,28-36)
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