quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

ANO C – TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA – 28.02.2016

Não vivemos um tempo de julgamento, mas de conversão!
“Castigo de Deus por causa dos ritos idolátricos do vudu”. Esta foi a terrível leitura que um pastor estadunidense fez do terremoto que destruiu o Haiti e vitimou nossa conhecida doutora Zilda Arns no início do no 2011.  Devemos perguntar a ele: o mesmo vale para o furacão Caterina, que há alguns anos arrasou parte dos EUA, e para o terromoto que destruiu uma região na Itália em plena semana-santa do ano 2009? Infelizmente nunca faltam pessoas que se comprazem em culpalizar as vítimas e alforriar os algozes, nem aquelas que se empenham em convencer-nos de que as tragédias que se multiplicam não passam de fatalidades imprevisíveis...
Todos resistimos a encarar e dar nomes aos males que nos rodeiam e com os quais às vezes colaboramos. Acontece que, para ver a realidade, é preciso ter olhos perfeitos, mas isso não é suficiente. A realidade é dura e desafia os sentidos e a inteligência. O conhecimento e o reconhecimento dos fatos e das pessoas supõem abertura, sensibilidade, conversão. Somos como Moisés que, num primeiro momento, só consegue ver ovelhas, pastagens, trabalho, projeto pessoal de vida. O máximo que consegue é deixar-se impressionar por algo que queima e não se extingue...
Deus irrompe na vida de Moisés a partir do sofrimento do seu povo. Este sofrimento profundo, intenso e real é simbolizado no fogo. Deus chega dizendo, quase aos gritos, que está vendo a opressão do seu povo, que os sofrimentos dele ferem seu coração e os clamores ferem seus ouvidos, que desceu para fazê-lo subir. É como se Deus dissesse a Moisés: ‘E você não vê nada, não escuta nada? ’ Damo-nos conta de que nosso ver e nosso julgar estão sempre a serviço de uma determinada ideologia, que comportam uma visão de pessoa, um ideal de sociedade e uma ética.
Esta questão está bem ilustrada no episódio narrado por Lucas, no evangelho do terceiro domingo da quaresma. O contexto mais amplo é o ensino de Jesus sobre a missão profética e solidária dos discípulos e sobre a necessidade de interpretar corretamente os sinais dos tempos. Alguns fariseus interrompem a catequese de Jesus trazendo a notícia de que um grupo de galileus rebeldes fora assassinado por Herodes no templo. É evidente que com isso eles querem censurar e advertir Jesus, como se dissessem: ‘Continue assim, e verás o que acontecerá contigo!... ’
Mas por trás disso está também uma acusação às próprias vítimas: sabendo ou não, Herodes representaria a mão de Deus, que estaria punindo aqueles que, de alguma forma, eram culpados. Uma leitura terrível de fatos em si mesmo trágicos!... Jesus critica o preconceito dos fariseus frente aos galileus e questiona a leitura justificadora e irresponsável que fazem dos fatos. E o faz chamando à memória outra ocorrência, conhecida de todos: o acidente que matara 18 judeus em Jerusalém. Com isso, Jesus questiona uma teologia escapista e cínica, e nos chama à conversão profunda e imediata.
Com firmeza e lucidez Jesus enfrenta, ao mesmo tempo, as tentativas que querem demovê-lo da decisão de prosseguir sua missão profética e a teologia cínica elaborada e ensinada pelos defensores do templo.  Afirmando que todos estamos sujeitos a errar ou a não atingir a meta de uma vida justa, Jesus nos convida a deixar a cadeira de juízes e abrir os olhos para uma realidade que é mais complexa que a simples divisão entre culpados e inocentes. Ele nos propõe uma leitura profética da história, e nos chama a reconhecer nossos próprios erros, mas sem fechar os olhos aos pecados estruturais.
O apelo mais forte da liturgia do terceiro domingo da quaresma é à conversão, que começa com uma mudança no nosso modo de ver a realidade e de julgar os fatos e as pessoas. A conversão não se faz aos saltos, nem de uma vez para sempre. ‘Conversão, justiça, comunhão e alegria no cristão é missão de cada dia.’ A conversão começa em Jesus, que nos ama de forma incondicional e aposta nas nossas possibilidades e na nossa vontade. Mesmo não vendo os frutos esperados e tendo motivos para não esperar qualquer mudança, ele se dispõe a adubar o terreno com sua palavra e seu próprio corpo.
Jesus de Nazaré, Filho da Humanidade e Filho de Deus! Envia teu Espírito para nos inspirar e manter no caminho de conversão. Não nos deixes cair na tentação de pensar que o ambiente não é nossa casa comum, de culpar as vítimas pelas próprias misérias e sofrimentos. Que cada um de nós, nossas comunidades e movimentos, partindo da certeza de que Deus, teu e nosso pai, é lento e suave na cólera, mas rápido e estável na bondade, não tratemos com dureza as vítimas. Aduba nossa vida com tua Palavra, teu Corpo e teu Sangue, para que possamos dar os frutos esperados. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Êxodo 3,1-8.13-15 * Salmo 102 (103) * Carta aos Coríntios 10,1-12 * Evangelho de Lucas 13,1-9)

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