O caminho de Jesus
Cristo pede despojamento e profecia!
O retiro e a
oração de Jesus que meditamos hoje denotam uma situação de encruzilhada
existencial, um momento forte na caminhada dele e dos discípulos. O que está em
jogo é a missão e a identidade de Jesus e daqueles que o seguem. Jesus havia
saciado a fome das multidões, curara doentes, e havia enviado os discípulos
para preparar e alargar sua ação. A pergunta estava no ar e na cabeça de todos:
“Quem é este que dá ordem aos ventos e à água, e lhe obedecem?” (Lc 8,25). E
até Herodes, desejoso de conhecer Jesus, se interrogava: “Quem será este homem,
sobre quem ouço falar estas coisas?” (Lc 9,9)
Ao que parece,
o conteúdo da pregação de Jesus e o testemunho contundente das suas ações não
eram suficientes para que os discípulos intuíssem claramente sua identidade e
sua missão. Mais: a tendência predominante era entendê-lo no horizonte da ideologia
nacionalista, movida pela ardente expectativa da vinda de um messias
identificado com a tradição monárquica, cuja tarefa seria libertar Jerusalém do
domínio do imperador romano e seu exército. Para tomar distância deste perfil
de líder popular nacionalista e para consolidar sua vocação diante do Pai Jesus
se retira em oração.
Depois de
aprofundar a consciência sobre a missão que o Pai lhe confia, Jesus retoma a
conversa com os discípulos e propõe um balanço das opiniões sobre ele. “Quem
dizem as multidões que eu sou?” Na verdade, o povo se perguntava, e alguns
arriscavam afirmações aproximativas: ele poderia ser João Batista ressuscitado;
ou Elias que retornava para purificar a fé; ou então um outro profeta importante.
Em todos os casos, Jesus aparece claramente identificado com a tradição
profética. Ele mesmo acenara para isso na sinagoga de Nazaré quando, quando dissera
que “nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra...”
Um pouco antes
do episódio de hoje, diante da cura do filho da viúva de Naim o povo dizia: “Um
grande profeta surgiu entre nós...” E o fariseu que o recebera em sua casa para
uma refeição questionava: “Se este homem fosse profeta, saberia quem é esta
mulher que está tocando nele...” Entretanto, não podemos deter-nos nas
respostas que estão na boca do povo ou que aprendemos de cor e boiam na
superficialidade das fórmulas pouco consequentes. Afinal, que ressonâncias
concretas têm em nossa vida e em nossos projetos fórmulas abstratas e distantes
como Messias, Filho de Deus, Redentor, Salvador, Senhor?
A pergunta que
Jesus dirige aos discípulos pede também a nós uma tomada de posição. “E vós,
quem dizeis que eu sou?” Pedro responde que ele é “Cristo de Deus”, recorrendo
um conceito que denota um messianismo de natureza teocrática e nacionalista,
que alimenta a expectativa de uma intervenção poderosa da parte de Deus para
liberar o território palestino do domínio romano e reinstalar a monarquia
judaica. Jesus reage a esta resposta de Pedro, determinando que os discípulos
não anunciem uma coisa dessas ao povo. Os discípulos estão imersos numa
ideologia que fanatiza e desvia do verdadeiro caminho de Jesus.
Nas imagens e
conceitos que usamos para falar de Jesus está embutido aquilo que esperamos
dele e pensamos sobre a pessoa humana. Os próprios chefes do judaísmo dão a
entender que há uma ideia de poder e de sucesso conexa com o conceito “Cristo
de Deus” (cf. Lc 23,35). Não é por nada que, mesmo depois de acompanhar Jesus
no seu caminho até Jerusalém e de participar da sua ceia sacramental, os
discípulos ainda discutem qual deles devia ser considerado o maior (cf. Lc 22,14-30).
Por isso, Jesus prefere falar do caminho concreto e histórico do Filho do Homem:
sofrimento e rejeição por parte da liderança religiosa.
Precisamos
mudar nossos hábitos, trocar os velhos trajes que trazem as marcas de reinos,
impérios e ideologias de péssima memória. Paulo lembra que o nosso batismo
significa exatamente isso: revestir-se de Cristo. E isso implica na eliminação dos muros que
separam e hierarquizam crentes e não crentes, ricos e pobres, cultos e
incultos, homens e mulheres, cidadãos de bem e suspeitos, etc. “Todos vós sois um só, em Cristo Jesus. Fiéis
a esta verdade, sigamos o profeta de Nazaré, o rosto da misericórdia de Deus
Pai, desafiando ideologias retrógadas, segregacionistas e destruidoras.
Jesus de Nazaré, carpinteiro como teu pai
e ouvinte assíduo da Palavra: sendo filho da humanidade e nosso irmão maior, tu
és o Ungido de Deus, do Pai dos pobres. Olhando para teu corpo trespassado, te
reconhecemos como um dos nossos e, por isso, como o início do Ano Novo e
Caminho que nos leva à plena liberdade. Exultamos de alegria à sombra das asas
da tua cruz e tomamos a nossa, nos turbulentos e tempos que vive a nação
brasileira. Com vozes de alegria, nossa boca te canta louvores. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
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