sábado, 4 de janeiro de 2025

A Esperança e suas irmãs (Charles Péguy)

A Esperança Menina e suas duas irmãs maiores (Charles Péguy)

Deus disse: A Caridade, não me espanta. Isso não é espantoso. Essas pobres criaturas são tão infelizes que a não ser que tivessem um coração de pedra, como não haveriam de ter Caridade umas para com as outras? Como não haveriam de ter Caridade para com seus irmãos? Como é que eles não haviam de tirar o pão da boca, o pão de cada dia, para dá-lo a desgraçadas crianças que passam? Meu filho teve para com eles uma tal caridade...

Mas a Esperança, diz Deus, a Esperança me espanta. Que essas pobres crianças vejam como tudo o que acontece e ainda acreditem que amanhã vai ser melhor, isso me espanta. Que vejam como isso acontece hoje e acreditem que vai ser melhor amanhã cedo, isso me impressiona. Isso é espantoso, e é a maior maravilha da minha graça.

E é preciso que de fato minha graça tenha uma força incrível, que ela escorra de uma fonte e como um rio inesgotável; desde aquela primeira vez que ela escorreu, e escorre sempre desde então; na minha criação natural e sobrenatural; na minha criação espiritual e carnal e ainda espiritual; na minha criação eterna e temporal e ainda eterna, mortal e imortal; desde aquela vez que ela escorreu como um rio de sangue, do flanco trespassado de meu filho.

Qual não deve ser a minha graça e a força da minha graça para que essa pequena Esperança, vacilante ao sopro do pecado, trêmula a todos os ventos, ansiosa ao menor sopro, seja tão invariável, mantenha-se tão fiel, tão reta, tão pura. E invencível, e imortal, e impossível de apagar-se, essa pequena flama do santuário que queima eternamente na lâmpada fiel; essa chama tiritante que atravessou a espessura dos mundos; essa chama vacilante atravessou a espessura dos tempos; essa chama ansiosa atravessou a espessura das noites. Desde aquela primeira vez que a minha graça escorreu para a criação do mundo, desde então a minha graça escorre sempre para a conservação do mundo. Uma chama impossível de se alcançar, impossível de se apagar ao sopro da morte.

O que me espanta, diz Deus, é a Esperança; ela me deixa pasmo, essa pequena Esperança que parece uma coisa de nada; essa pequena Esperança, imortal. Porque as minhas três virtudes, diz Deus, minhas criaturas, minhas filhas, minhas crianças, elas são como as minhas outras criaturas, da raça dos homens.

A Fé é como uma Esposa fiel. A Caridade é como uma Mãe, uma mãe ardente, cheia de coração; ou uma irmã mais velha, que é como uma mãe. A Esperança é uma menininha de nada que veio ao mundo no dia de Natal do ano passado; que brinca ainda com o boneco de neve, com seus pinheirinhos de madeira da Alemanha, e com seu presépio cheio de palha que os animais não comem.

Entretanto é essa menininha que atravessará os mundos, essa menininha de nada. É ela só, levando os outros, que atravessará os mundos revolvidos. A pequena Esperança caminha, entre as suas irmãs mais velhas, e não recebe a devida atenção. No caminho da salvação, no caminho da carne, no caminho pedregoso da salvação, na estrada interminável. Nessa estrada, entre as suas duas irmãs, caminha a pequena Esperança. Entre as duas irmãs grandes.

Aquela que é casada, e a outra é mãe, e ninguém repara nesta. O povo cristão só repara nas duas irmãs grandes, a primeira e a última, que caminham com pressa, para o tempo presente, no instante momentâneo que passa. O povo cristão só vê as duas grandes irmãs, só olha para as duas irmãs grandes, a da direita e a da esquerda. E quase não repara na irmãzinha que caminha no meio.

Mas é ela, essa menininha, a que arrasta tudo consigo. Porque a Fé só vê aquilo que é, mas ela vê aquilo que será. A Caridade só ama aquilo que é, mas ela ama aquilo que será. A Fé vê o que é, no Tempo e na Eternidade, mas a Esperança vê o que será, no tempo e na eternidade.

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