sábado, 10 de agosto de 2024

O Evangelho dominical (Pagola) - 11.08.2024

ESCUTAR DEUS NA CONSCIÊNCIA

Jesus encontra-se a discutir com um grupo de judeus em determinado momento faz uma afirmação de grande importância: «Ninguém pode vir a mim se o Pai não o trouxer». E depois continua: «Aquele que ouve o que diz o Pai e aprende, vem a mim».

A descrença começa a brotar em nós a partir do momento em que começamos a organizar a nossa vida de costas a Deus. Simples assim. Deus vai se tornando algo pouco importante que se empurra para um lugar esquecido das nossas vidas. É fácil então viver ignorando Deus.

Mesmo aqueles que nos dizemos crentes estamos a perder a capacidade de escutar Deus. Não é que Deus não fale no fundo das consciências. É que cheios de ruído e autossuficiência, não sabemos já como perceber a sua presença silenciosa em nós.

Talvez esta seja a nossa maior tragédia. Expulsamos Deus de nossos corações. Resistimos a escutar a sua chamada. Escondemo-nos do seu olhar amoroso. Preferimos «outros deuses» com os quais podemos viver de forma mais cômoda e menos responsável.

Contudo, sem Deus no coração ficamos como perdidos. Já não sabemos de onde viemos nem para onde vamos. Não reconhecemos o que é o essencial e o que é pouco importante. Cansamo-nos de procurar segurança e paz, mas o nosso coração continua inquieto e inseguro.

Esquecemos que a paz, a verdade e o amor despertam em nós quando nos deixamos guiar por Deus. Tudo assume então uma nova luz. Tudo se começa a ver de uma forma mais gentil e esperançosa.

O Concílio Vaticano II fala da consciência como «o núcleo mais secreto» do ser humano, o «sacrário» onde a pessoa «se senta a sós com Deus», um espaço interior onde «a voz de Deus ressoa no seu recinto mais íntimo».

Descer às profundezas desta consciência, para escutar os desejos mais nobres do coração, é a caminho mais simples de ouvir Deus. Quem escuta essa voz interior irá sentir-se atraído por Jesus.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Quem ama não teme a morte, e sente-se livre para dar sua vida

Quem ama não teme a morte, e sente-se livre para dar sua vida pelas vidas | 437 | 10.08.24 | João 12,24-26

Os breves versículos do evangelho de João propostos para iluminar a festa de São Lourenço (diácono e mártir) e de todos os mártires, nos traz uma afirmação solene de Jesus. O texto está situado literariamente após a ressurreição de Lázaro e a entrada de Jesus no Templo, e depois que alguns judeus de origem grega pedem que Filipe os leve ao encontro de Jesus. “Queremos conhecer Jesus”, dizem eles, expressando também o desejo dos “buscadores de Deus” de todos os tempos.

Jesus vê nessa busca de judeus estrangeiros o momento propício para manifestar a “glória” do Filho do Homem, glória à qual são chamados todos seres humanos, particularmente seus discípulos missionários. Ele diz que, para conhecê-lo e descobrir a nossa vocação, devemos olhar para a cruz. Nela se mostra “como sua vida e sua missão, assim como a vida e a missão de quem o segue, produzirá frutos: “dando vida, da própria vida, a própria vida” (São Oscar Romero); dando a vida de forma gratuita, corajosa, generosa, permanente.

Por mais que se apresente com aparência formosa e desejável, o egoísmo e a indiferença são sempre mortais e estéreis, e semeiam esterilidade e morte. Ao contrário, quem ama e não teme a própria morte é livre para arriscar e gastar a “vida pelas vidas”, comprometer a vida pelo Reino de Deus, como o mártir Jesus, como todos os mártires e todas as testemunhas. Livremente colocamo-nos a serviço do Reino, livremente semeiam liberdade!

Amar é doar-se sem poupar-se. O amor leal nos leva ao esquecimento dos problemas e interesses individuais e a prosseguir no caminho de Jesus, apesar da pressão e da intimidação dos sistemas de poder e coerção. Como a semente, o dom de si é fecundo, vivificador, e a entrega solidária da vida é o ápice do dom de si. Caindo no chão e morrendo, a semente libera sua força, realiza seu destino, não fica só, multiplica-se, produz frutos. Eis o mistério da vida e da missão de Jesus e de quem o segue.

Fazer-se discípulo missionário é estar com Jesus onde ele está, no dinamismo do amor do Pai, que ama sem medida, sem “se” e sem “mas”. A honra e a glória dos cristãos não é outra senão a honra e a glória de Jesus: renunciar às honras e vaidades desse mundo, ser filho, irmão ou irmã, amar sem reservas, ser semente! A autoridade das lideranças cristãs se inspiram em Jesus crucificado, e não nos “podres poderes”, e se baseiam no serviço aos pobres e não na bajulação dos ricos.

 

Meditação:

§  Acompanhe com a imaginação a aproximação dos judeus de origem grega, a intermediação de Filipe, as palavras de Jesus

§  Olhe para a cruz, na qual se mostra a proximidade insuperável de Deus e a doação mais generosa e radical do ser humano

§  Medite o mistério de força, de multiplicação e de vida que se esconde na morte da semente; é essa a glória que você busca?

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Para seguir Jesus é preciso amar o Reino de Deus mais que a si mesmo

Para seguir Jesus é preciso amar o Reino de Deus mais que a si mesmo | 436 | 09.08.24 | Mateus 16,24-28

O texto do evangelho de hoje está literariamente situado depois da profissão de fé e dos discípulos em Jesus como “o Messias, o Filho do Deus Vivo”. Vem também depois da cena em que os discípulos revelam dificuldade de aceitar o caminho da cruz (cf. Mt 16,21-28), e imediatamente antes da cena da transfiguração (Mt 17,1-13). É essa dificuldade dos discípulos com a imagem de messias que justifica essa catequese incisiva e delimitadora de Jesus, e a própria transfiguração que a segue.

Jesus estabelece dois pré-requisitos para quem quiser ser discípulo dele: negar a si mesmo, que significa desistir de práticas que impedem o advento do Reino de Deus (abrir mão de projetos pessoais e egoístas, entregar-se inteiramente à vontade do Pai); tomar a própria cruz e seguir Jesus, ou seja: assumir um estilo de vida que pode provocar humilhação, que comporta marginalização, dor e morte. Em outras palavras: o discípulo deve estar pronto para seguir o caminho de vida percorrido por Jesus, sem buscar atalhos aparentemente facilitadores.

Esta disposição de “perder a vida” por Jesus e pelo Reino de Deus a fim de entrar na vida verdadeira é uma convocação à identificação com o destino dos insignificantes e à aceitação do risco de ser tratado como criminoso pelas elites, aceitando até o martírio por resistir ao status quo. E isso significa, por outro lado, não dar a vida pelo império romano (ou qualquer outro sistema de poder), ou “morrer pela pátria e viver sem razões”. Só Deus é grande e pode pedir o dom da nossa vida.

Jesus assegura que a vinda e a consolidação do Reino de Deus é coisa certa como o sol que nasce todo dia. Mas “ganhar o mundo inteiro” será, para os discípulo, sempre uma tentação (cf. Mt 4,8), e, para salvar a própria vida, a maioria é induzida a escolher o caminho mais seguro, o interesse próprio, o silêncio e a submissão por medo da perseguição. Entretanto, perder a vida para ganhá-la, como Jesus, equivale a não se submeter nem ceder ao medo.

A glória que envolverá Jesus na sua volta é a glória da cruz, do amor vivido de forma incondicional e em medida extrema. E é isso que continuamos vendo, também nós, ao nosso lado: homens e mulheres “que se amam mais que a si, e dizem com firmeza: vê, Senhor, estou aqui!” E nós também confirmamos: Conta comigo, Senhor!

 

Meditação:

§  Retome e repita pausadamente cada expressão e cada afirmação de Jesus aos seus seguidores

§  Compare cada uma dessas afirmações com o seu evangelho e a sua vida como um todo e entenda o sentido

§  O que significa hoje, na situação sanitária e social do Brasil e do mundo, perder ou ganhar a vida no sentido evangélico?

·    Você conhece pessoas que ganharam “um mundo de vantagens” mas perderam o sentido e o gosto da vida? 

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Jesus é a força de paz que elimina aquilo que divide

Jesus é a força de paz que elimina o que divide pessoas e povos | 435 | 08.08.24 | Mateus 16,13-23

“Quem dizem vocês que eu sou?” Para os primeiros cristãos era muito importante lembrar sempre de novo essa pergunta de Jesus para não esquecer quem eles estavam seguindo, com cujo projeto eles estavam colaborando e por quem estavam arriscando a vida. Esta pergunta é dirigida a nós, neste tempo de quaresma e de conversão a Jesus e seu Evangelho.

Somos tentados a responder a essa pergunta com fórmulas cunhadas pelo cristianismo ao longo dos séculos: Jesus é o Filho de Deus feito homem, o Salvador do mundo, o Redentor da humanidade. Mas não basta dizer estas palavras para ser discípulo de Jesus, pois são mais fórmulas aprendidas na infância, aceitas mecanicamente, repetidas às vezes com superficialidade e afirmadas verbalmente, do que experiências vividas e refletidas.

Confessamos a Cristo por costume, por piedade ou por disciplina, mas podemos estar vivendo sem captar a originalidade de sua vida, sem escutar a novidade de seu apelo, sem deixar-nos atrair por seu amor apaixonado, sem contagiar-nos por sua liberdade e sem esforçar-nos em seguir seu caminho. Nós o adoramos como “Deus”, mas Ele não é o centro de nossa vida. Nós o confessamos como “Senhor’, mas vivemos de costas para seu projeto. Nós o chamamos de “Mestre”, mas não assimilamos sua lição maior. Vivemos como membros de uma religião, mas não somos discípulos de Jesus. A clareza das fórmulas doutrinais pode dar-nos segurança e dispensar-nos de um encontro vivo com Jesus.

Há cristãos que vivem uma religiosidade instintiva, mas não sabem o que é alimentar-se de Jesus e deixar-se orientar por ele. Todos precisamos colocar-nos diante de Jesus, deixar-nos olhar por Ele e escutar sua pergunta: “Quem sou eu realmente para você?” Respondemos a esta pergunta muito mais com a vida do que com palavras claras, sublimes e difíceis, que mais impressionam que comunicam. E respondemos com uma atitude de adesão àquele que é nossa paz, que fez unidade daquilo que era dividido. (José Antônio Pagola)

 

Meditação:

§  Participe da cena: o desembarque de Jesus, os gritos da mulher, a indiferença de Jesus, a insistência da mulher e a reação de Jesus

§  Será que também nossa Igreja ainda prioriza setores privilegiados e descarta pessoas e grupos por preconceitos diversos?

§  Somos capazes de reconhecer na luta perseverante e até raivosa de algumas pessoas e grupos sinais de fé aguerrida? 

terça-feira, 6 de agosto de 2024

A fé é a força dos fracos e está na raiz das grandes mudanças

A fé é a força dos fracos e está na raiz das grandes mudanças | 434 | 07.08.24 | Mateus 15,21-28

O texto proposto para a meditação de hoje omite os versículos que registram a explicação que Jesus oferece aos discípulos que o interrogam sobre o sentido da parábola com a qual fala daquilo que realmente torna a pessoa impura (v. 15-20). Depois da crítica aos mestres da lei e aos fariseus e da instrução ao povo e aos discípulos, Jesus desembarca, com seus discípulos, em pleno território pagão.

Ali Jesus é procurado por uma mulher desprezada e marginalizada por ser pagã, por ser mulher, por ser estrangeira e por ser mãe solteira, viúva ou abandonada pelo marido (pois não há nenhuma referência a irmãos e marido). Essa mulher faz parte de um povo que a tradição judaica trata como amaldiçoado por Deus, mas ela se aproxima de Jesus e pede sua ajuda em favor de sua filha psiquicamente perturbada. É a primeira mulher a falar no evangelho de Mateus!

Inicialmente, mesmo sendo invocado como filho de Davi, o defensor ideal dos indefesos, Jesus não se importa com o grito da mulher que pede socorro, e a trata no horizonte da ideologia da supremacia dos judeus sobre os demais povos. Jesus dá a entender que foi enviado prioritariamente aos judeus, e é isso que ele se sente obrigado a fazer. Ou essa seria a ideologia que tentava os discípulos missionários na época em que Mateus escreve seu evangelho?

Os discípulos querem se livrar da mulher, mas ela não desiste, e questiona a ideologia do privilégio de Israel diante de Deus e da supremacia diante dos demais povos! Então Jesus se dirige diretamente a ela, mas para reforçar a prioridade do seu povo sobre os pagãos. E a mulher, que surge na cena como uma pessoa frágil e necessitada, manifesta explicitamente sua fé, se aventura a discutir teologia, e reinterpreta a afirmação excludente de Jesus. Ela, que apareceu tímida, atreve-se a desobedecer às repreensões dos discípulos e até a discutir com Jesus. Exemplo de uma espantosa consciência da própria dignidade.

Jesus acaba reconhecendo na luta persistente daquela mulher contra a exclusão étnica e religiosa uma clara manifestação de fé. Esta fé produz frutos, e a necessidade daquela mulher é atendida. Graças à persistência de um personagem considerado excluído e tratado como inferior, o cristianismo se abriu aos diversos povos e suas culturas. Acolhamos agradecidos o testemunho inquieto das mulheres numa Igreja de ministros masculinos, e arregacemos as mangas para “desmasculinizar” a Igreja.

Meditação:

§  Participe da cena: o desembarque de Jesus, os gritos da mulher, a indiferença de Jesus, a insistência da mulher e a reação de Jesus

§  Será que também nossa Igreja ainda prioriza setores privilegiados e descarta pessoas e grupos por preconceitos diversos?

§  Somos capazes de reconhecer na luta perseverante e até raivosa de algumas pessoas e grupos sinais de fé aguerrida? 


segunda-feira, 5 de agosto de 2024

A transfiguração de Jesus

O brilho verdadeiro e duradouro vem da compaixão solidária| 433 | 06.08.24 | Marcos 9,2-10

Jesus está no alto da montanha, acompanhado de Pedro, Tiago e João. Para estes discípulos, aquilo que ali acontece é uma experiência inicialmente positiva. Envolvido pelo brilho de Jesus, Pedro parece vencer o medo que atormenta a todos. Moisés e Elias confirmam e dão credibilidade ao caminho e ao ensino que Jesus percorre e propõe àqueles que o seguem. O evangelho da cruz, novo êxodo e proposta do amor que se faz humano dom de si mesmo, continua valendo, mais do que nunca. Mas é exatamente isso que mete medo nos três!

Nessa experiência densa e profunda, os discípulos são envolvidos primeiramente pela luz, e, posteriormente, pela escuridão. E é de dentro da nuvem – símbolo da presença de Deus na travessia da escravidão para a liberdade – que eles ouvem a voz de Deus: “Este é o meu Filho amado. Escutem o que ele diz!” Isso significa que Pedro, Tiago e João devem levar a sério o que Jesus Cristo diz e faz, não devem dar por tranquila a proposta evangélica de servir solidariamente, de desaparecer como o fermento na massa, de estar pronto a dar a vida.

A declaração e o desejo expresso por Pedro são ambíguos e intrigantes: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro fala sem saber o que diz, para ‘quebrar o gelo’ e espantar o medo, e compartilha do pensamento de Judas sobre Jesus (cf. Mc 14,45)! As roupas brancas de Jesus falam muito claramente de martírio, e Pedro quer evitar a todo custo esse caminho. Ele prefere o caminho do culto e da adoração, simbolizado na tenda, e descarta a proposta do amor que se faz dom e enfrenta o próprio martírio.

Não podemos usar esta cena para amenizar as exigências do discipulado, substituindo a dureza da cruz pelas flores e a coroa de espinhos pela coroa do sucesso. Sabendo que os discípulos entendem mal ou pouco aquilo que veem e ouvem, Jesus os proíbe severamente de falar da transfiguração. Esta mesma proibição aparece depois da reabilitação da filha de Jairo (cf. Mc 5,43) e da libertação do surdo-mudo (cf. Mc 7,36). Para Jesus, cultos espetaculares e publicidade escancarada não são caminhos adequados para resgatar a humanidade negada e para viver o belo e exigente mandato de servir.

 

Meditação:

·        Releia atentamente o texto, começando pelo capítulo 8,27, visualize o desconcerto dos discípulos e acompanhe Jesus à montanha

·        Deixe-se envolver pela cena, compartilhe os sentimentos de Pedro e dos outros dois, não se distraia brilho do rosto e das vestes de Jesus

·        Escute a voz que ressoa do céu, e deixe que ressoe profundamente em você as palavras mais fortes e desconcertantes de Jesus

·        Quais são as palavras e imperativos de Jesus que lhe causam maior desconforto e ameaçam colocar você em crise?

domingo, 4 de agosto de 2024

O milagre do pão para todos começa na partilha

O milagre do pão para todos começa na partilha do pouco que é meu| 432 | 05.08.24 | Mateus 14,13-21

Jesus não foi um milagreiro de ocasião, um curador empenhado em realizar prodígios para fazer propaganda de si mesmo. Os seus milagres são sinais que abrem uma brecha neste mundo de dominação e de injustiças, e apontam já para uma realidade nova, meta final da caminhada existencial e social do ser humano, que os evangelhos sinóticos denominam Reino de Deus.

Concretamente, o milagre que conhecemos como “multiplicação dos pães” (que deveria ser chamada “distribuição solidária de alimentos para uma multidão faminta) é um sinal que nos convida a tomar consciência de que o projeto de Jesus é alimentar os homens e mulheres e reuni-los numa fraternidade real e universal, na qual todos saibam como partilhar o pouco ou o muito que têm.

Para os cristãos, a fraternidade e a partilha não são apenas duas exigências ao lado de tantas outras, mas a única maneira de construir o reino do Pai neste mundo. Essa fraternidade pode ser mal-entendida, se pensamos que amamos o nosso próximo simplesmente porque não lhe fazemos nada de mal, embora, concretamente, vivamos num um horizonte e egoísta, focados no nosso próprio bem-estar.

Por ser sacramento e fermento de fraternidade, a Igreja é chamada a promover, em cada momento da história, novas formas de estreita fraternidade entre os homens e mulheres e entre os povos. Devemos aprender a viver com um estilo mais fraterno, escutando as novas e velhas necessidades do homem de hoje.

A luta pelo desarmamento, a proteção do meio ambiente, a solidariedade com os famintos, a partilha com os desempregados, a ajuda aos drogados, a preocupação com os idosos esquecidos são outras tantas exigências para quem se entende irmão e quer multiplicar para todos o pão que as pessoas necessitam para viver. Para os cristãos, o amor e a amizade não são sentimentos, mas relações sociais.

O relato do evangelho de hoje nos lembra que não podemos comer tranquilos o “nosso” pão e o “nosso” peixe enquanto junto a nós há homens e mulheres ameaçados pela fome. Na verdade, nada é nosso! Tudo o que temos foi confiado ao nosso cuidado para que não falte nada a ninguém. Os que vivem tranquilos e satisfeitos devem ouvir as palavras de Jesus: «Dai-lhes vós de comer».

 

Meditação:

§  Acompanhe Jesus e os discípulos/as na sua retirada para o deserto, alertado pelo martírio de João Batista

§  Veja a “procissão” de pessoas necessitadas que os seguem, porque veem em Jesus o último porto e única esperança e note a confusão dos discípulos, que não sabem o que fazer, e pedem que Jesus dê as costas às pessoas famintas

§  O que significa, para você, sua família e sua comunidade a ordem de Jesus: “Deem-lhes vocês mesmos de comer”, e como poderíamos evitar o desperdício de alimentos em nossa própria casa, e destiná-los a quem deles necessita?

sábado, 3 de agosto de 2024

O pão vivo e que dá vida é fruto de mudanças

O pão vivo e que dá vida é fruto de mudanças pessoais e sociais profundas | 431 | 03.08.24 | João 6,24-35

Confusos, os discípulos haviam deixado Jesus sozinho, abandonado o povo carente e sofrido. Dando-se conta de que Jesus e os discípulos haviam partido, este mesmo povo não se conforma, consegue vaga em outros barcos e vai procurar Jesus do outro lado do lago. Jesus é para eles a uma última tábua de salvação, aquele que pode assegurar a eles o humano direito à alimentação.

A atitude de Jesus diante da multidão que o procura parece, ao menos inicialmente, rude e desconcertante. “Vocês estão me procurando, não porque viram os sinais, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos...” Sua discordância com as motivações que moviam o povo é mais do que clara. Será que a compaixão de Jesus diante de um povo cansado e abatido se havia esgotada?

O que Jesus faz com esta dura pergunta é chamar a atenção para algo mais fundamental que a simples ação de matar a fome de um dia: ele pede o empenho de todos nós numa prática alternativa, a única capaz de garantir para todos um pão que não se corrompe, que não é transitório e precário. Jesus aponta para o projeto do Reino de Deus, centrado na partilha, e não na esmola.

Jesus exorta: “Não trabalhem pelo alimento que se estraga; trabalhem pelo alimento que dura para a vida eterna...” Ele não veio distribuir o duro e amargo pão das sopas populares, mas aquele pão fermentado e multiplicado pela Justiça e pela Solidariedade, obra coletiva do povo organizado e seus parceiros. E confia esta obra de Deus aos seus discípulos e discípulas.

Fazer a obra de Deus significa acreditar naquele que achou bem não enviar alguém sabido e poderoso, mas uma pessoa vulnerável, incapaz de oferecer pacotes de soluções, mas profundamente humano e capaz de colocar sinais e metas de mudança. O pão que não se estraga e dura para sempre é o dom da própria vida. E essa é a obra que glorifica a Deus. Jesus não está preocupado apenas distribuir pão para matar a fome. O sinal que ele oferece é a cooperação e a articulação dos dons e possibilidades que estão escondidas no próprio povo. Este é o fermento do pão que não se estraga.

 

Meditação:

·        Leia atentamente esse relato, começando pela cena da distribuição dos pães e peixes (6,1ss) e perceba o papel de cada personagem

·        O que está movendo a nós, nossas comunidades e o povo em geral a buscar Jesus Cristo e fazer parte da sua Igreja?

·        Como podemos fazer hoje “a obra de Deus”, dar continuidade à ação libertadora e transformadora de Deus iniciada por Jesus?

·        Qual poderia ser o significado atual da afirmação de Jesus, de que ele é o pão que desce (no presente) do céu para nos alimentar?

·        Em que sentido sua fé e adesão a Jesus Cristo e seu Evangelho está saciando sua fome de vida?

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

O valor da vida deve estar acima dos códigos de leis

O valor da vida deve estar acima dos códigos de leis e de honra! | 430 | 03.08.24 | Mateus 14,1-12

A notícia detalhada sobre a trama que levou o profeta João Batista à morte não é uma espécie de parênteses sem relevância na apresentação da missão de Jesus, embora possa parecer isso. O episódio é uma antecipação daquela que seria a sorte de Jesus e um alerta aos discípulos: eles precisam ser lúcidos e corajosos, não fechar os olhos frente à prepotência e não ter medo.

Herodes é um judeu que exerce um poder limitado, concedido ou, pelo menos, tolerado pelo imperador de Roma e a serviço dele. É um príncipe pequeno e insignificante, que entra em colisão com o Reino de Deus anunciado por Jesus e age com prepotência contra seu irmão, se apossando de sua esposa. É contra essa prepotência, e contra outros desmandos e injustiças que reinavam na sociedade e no judaísmo, que João Batista se levanta corajosamente.

Mateus deixa claro que Herodes desejava eliminar o incômodo profeta João Batista. Ele temia que a pregação de João acabasse provocando uma revolta popular, e, dada a popularidade que desfrutava, tinha que esperar a ocasião perfeita, para não perder completamente o apoio do povo. E a ocasião se lhe oferece numa festa que reúne a elite masculina e chama mulheres como parte da diversão e das orgias. Dançar no meio dos homens significava insinuar-se o oferecer serviços sexuais.

E João Batista, que não come nem bebe, acaba tendo o seu destino definido numa festa com comida, bebida e dança. Atendendo ao pedido de sua mulher, Herodes valoriza mais os códigos de honra do poder e da família patriarcal que os mandamentos da religião que professa, e que proíbem matar. Ele é o responsável pela morte de João, pois há tempos desejava matá-lo, e sua mulher não tinha poder para tanto. Herodes se aproveita da situação, inclusive do pedido dela, para eliminar um crítico incômodo e assegurar a benevolência do império.

Jesus é informado do desfecho da vida do profeta e amigo, mas isso não o intimida, nem diminui sua fidelidade no anúncio e na construção do Reino de Deus. Antes, ele colhe essa ocasião para perceber e sublinhar a urgência e a relevância da sua missão. Por mais belas e estimulantes que sejam as parábolas do Reino de Deus, a sua realização encontra violenta resistência.

 

Meditação:

·    Leia atentamente esse relato, e perceba o papel de cada personagem na execução de João Batista

·    O profeta do Jordão não recuou diante das ameaças e riscos, e manteve sua pregação e suas denúncias

·    Recorde o nome de profetas e profetizas que marcaram a vida dos cristãos nos últimos tempos

·    Deixe-se estimular e motivar pelo testemunho de João Batista e dos profetas e profetizas que você recordou

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Somente o preconceituoso crê que santo de casa não faz milagre

Somente o preconceituoso crê que santo de casa não faz milagre | 429 | 02.08.24 | Mateus 13,54-58

Depois de uma longa seção dedicada ao anúncio do Reino de Deus às multidões em forma de parábolas, e depois de algumas catequeses especiais dirigidas aos discípulos, Jesus volta à sua terra e vai à sinagoga de Nazaré, onde seus amigos e familiares costumavam se reunir. A notícia da sua ação transformadora (milagres), assim como a clareza e pertinência do seu ensino, impressionara a todos, tanto em Nazaré como na circunvizinhança.

Mas também nessa ocasião e nesse episódio emerge a dificuldade que os diversos grupos de interlocutores têm de reconhecer na ação e no ensino libertários de Jesus a ação misericordiosa de Deus. Essa dificuldade para discernir a identidade de Jesus é abordada por Mateus do capítulo 11 até 16 da sua versão do Evangelho, mas o que surpreende é que ela se estende também aos seus conterrâneos e familiares.

Fica claro que o povo de Nazaré, mesmo se encantando e admirando com ensino e com o poder transformador da compaixão de Jesus, acaba tropeçando nos preconceitos próprios das pequenas cidades e das pessoas que o conhecem de perto. Seus conterrâneos começam a se perguntar onde ele foi buscar a sabedoria e o poder, já que tem uma origem humilde e não pertence a uma elite cultural ou religiosa. Eles não conseguem defini-lo fora do seu contexto familiar. Para eles, o enviado de Deus deveria vir de cima, e não de baixo; do centro, e não da periferia.

Para o senso comum no qual se moviam os habitantes de Nazaré e a própria família de Jesus, o fato de ter origem humilde e ser filho de carpinteiro, negam a Jesus a possibilidade de ser o agente ungido e enviado por Deus. A sinagoga acaba sendo o joio que aparece no meio do trigo, e a querida Nazaré acaba se comportando como Corazim, Betsaida e Cafarnaum, povoados que se fecharam à novidade escandalosa e provocativa do Reino de Deus.

Jesus interpreta a rejeição por parte dos seus familiares e conterrâneos como a histórica resistência e perseguição que se voltam contra todos os profetas. E esta notória falta de fé do povo de Nazaré acaba impedindo a ação libertadora de Jesus na sua própria cidade. Como sabemos, a fé não é uma reação de convencimento diante de um fato miraculoso, mas uma atitude de abertura que precede o milagre.

 

Meditação:

·        Em que medida, e em que ocasiões, você também foi vítima do preconceito das pessoas mais próximas e conhecidas?

·        Não aconteceu de você se escandalizar diante da Palavra ou da ação de Jesus? Nestas circunstâncias, o que você faz?

·        Como Jesus Cristo e seu Evangelho podem nos ajudar a não reduzir as pessoas aos seus erros, à profissão que exerce ou à origem familiar?

·        Será que a mentalidade fechada e o preconceito às vezes também não nos impedem de crer em processos de mudança?