sexta-feira, 14 de março de 2014

A formaçao dos padres

“Podes dizer-me se ele é digno e capaz?”

Segundo uma longa tradição, é a Igreja que apresenta um dos seus membros ao bispo para que ele, em nome da Igreja, o assuma como presbítero. Foram conservados no atual rito de ordenação alguns resquícios do escrutínio no qual se verificava a idoneidade do candidato apresentado, que, em alguns casos, até resistia a esta indicação por parte da comunidade local. Na forma atual do diálogo de apresentação, o formador (ou o Superior ou Pároco) apresenta o diácono e o bispo pergunta: “Podes dizer-me se ele é digno (apto e idôneo) para este ministério?” Obviamente, ninguém esperaria este momento para dar uma resposta negativa, até porque o longo processo de formação seminarística existe para que estas condições essenciais sejam cumpridas.
Pronunciando-se em nome da Igreja, o Papa João Paulo II afirmou que “a formação dos futuros sacerdotes é considerada pela Igreja como uma das tarefas de maior delicadeza e importância para o futuro da evangelização da humanidade” (Pastores Dabo Vobis [PDV], 2). Mesmo que hajam aspectos da fisionomia do padre que não mudam no tempo e no espaço, é igualmente certo que a vida e o ministério do sacerdote se deve adaptar a cada época e a cada ambiente de vida, de modo que é necessário que nos abramos ao Espírito para “descobrir as orientações da sociedade contemporânea, reconhecer as necessidades espirituais mais profundas, determinar as tarefas concretas mais importantes, os métodos pastorais a adotar, e, assim, responder de modo adequado às expectativas humanas” (PDV, 5).
Mas quais seriam os elementos realmente fundamentais que denotam a idoneidade de um candidato ao ministério presbiteral e que devem orientar seu processo formativo? Pessoalmente, considero essenciais três atitudes de fundo: a) maturidade e equilíbrio humano, ou seja: uma serena consciência dos seus limites, capacidades e desejos e a capacidade de se relacionar de forma personalizada com as diversas pessoas e grupos; b) sadia e madura relação com com Deus, ou seja: o alegre reconhecimento da condição de discípulo e aprendiz, peregrino em busca de Deus e do seu reino; c) uma clara postura pastoral, ou seja: um relacionamento com o povo na perspectiva de companhia e de serviço, de irmão que serve outros irmãos.
Por isso, uma das dimensões básicas e irrenunciáveis da formação do presbítero nos tempos atuais é a dimensão humana. “Sem uma oportuna formação humana, toda a formação sacerdotal ficaria privada do seu necessário fundamento", disseram com ênfase os padres sinodais. “Portanto, não só para uma justa e indispensável maturação e realização de si mesmo, mas também em vista do ministério, os futuros presbíteros devem cultivar uma série de qualidades humanas necessárias à construção de personalidades equilibradas, fortes e livres, capazes de comportar o peso das responsabilidades pastorais. É necessária, pois, a educação para o amor à verdade, a lealdade, o respeito por cada pessoa, o sentido da justiça, a fidelidade à palavra dada, a verdadeira compaixão, a coerência, e, particularmente, para o equilíbrio de juízos e comportamentos.” (PDV, 43).
Mas esta ênfase não pode nos levar a esquecer que  “sem a formação espiritual, a formação pastoral desenrolar-se-ia privada de qualquer fundamento e que a formação espiritual constitui “o elemento de maior importância na formação sacerdotal”.  A vida espiritual de quem se prepara para o sacerdócio precisa ser dominada pela procura e pelo encontro Mestre, para o seguir e permanecer em comunhão com Ele. “Também no ministério e na vida sacerdotal, esta procura deverá continuar, tão inesgotável é o mistério da imitação e da participação na vida de Cristo. Assim como deverá continuar este encontrar o Mestre, para transmiti-lo aos outros, melhor ainda, para despertar nos outros o desejo de procurar o Mestre” (PDV 45-46).
Por fim, a formação deve preparar o pastor. “Toda a formação dos candidatos ao sacerdócio é destinada a dispô-los de modo particular para comungar da caridade de Cristo, Bom Pastor. Portanto, nos seus diversos aspectos, esta formação deve ter um carácter essencialmente pastoral” (PDV 57). O foco ou horizonte pastoral “assegura à formação humana, espiritual e intelectual dos futuros presbíteros determinados conteúdos e características específicas, da mesma forma que unifica e caracteriza a inteira formação dos futuros sacerdotes.” Esta formação está ordenada à comunhão cada vez mais profunda com a caridade pastoral de Jesus, princípio e a força do ministério do presbítero. Isso pede não apenas que seja assegurada uma competência pastoral científica e uma habilitação operativa, mas, sobretudo, que seja garantido o crescimento de um modo de ser em comunhão com os mesmos sentimentos e comportamentos de Cristo, Bom Pastor (cf. idem).

Itacir Brassiani msf

quarta-feira, 12 de março de 2014

Segundo Domingo da Quaresma (Ano A - 2014)

Somos discípulos de um Messias humano e despojado
O caminho da vida cristã, inaugurado por Jesus Cristo autenticamente humano e plenamente divino, é, antes de tudo, a via do amor e do serviço. Mas o amor não foge do sofrimento como se fosse seu oposto, pois sabe que o amor é exigente. Na prisão, Paulo experimenta isso na própria carne, mas o vive como graça. E pede que participemos do seu sofrimento pelo Evangelho. É nesta humana capacidade de sofrer por amor que se esconde a maior glória que podemos desejar. Uma vida testemunhada como amor e serviço traz em si a vitória sobre a morte e o brilho da imortalidade.
Hoje somos convidados a meditar sobre a transfiguração de Jesus. Depois de perguntar aos discípulos o que o povo pensava sobre ele, e depois de ouvir que a maioria o via como profeta, Jesus interroga os próprios discípulos, e ouve de Pedro uma resposta que expressa um messianismo que exclui qualquer sinal de vulnerabilidade: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo!” Numa profissão de fé formalmente correta se escondiam idéias e expectativas bastante contraditórias.  E Jesus sentiu necessidade de esclarecer esse messianismo de Pedro, marcado pela idéia de poder.
Por isso, Jesus se dedicou a corrigir atenta e demoradamente as expectativas de sucesso e honra que povoavam a mente e o coração dos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (Mt 16,24-25). Mas parece que os discípulos, Pedro à frente, não conseguiam escutar e compreender o que as insistentes palavras de Jesus significavam. Como é difícil mudar uma mentalidade religiosa fechada e um ideal político ambicioso!...
É seis dias depois dessas tensões e lições que ocorre a transfiguração de Jesus. Penso que o núcleo central da passagem  está mais na dimensão auditiva que no aspecto visual. É verdade que a mudança no aspecto visual de Jesus – o brilho do rosto e das vestes – chama a atenção dos discípulos e provoca entusiasmo. Eles até desejam prolongar no tempo esta experiência. Como sempre, experiências de poder e da glória tranquila, fugaz e mortal que as acompanham costumam embriagar e podem levar ao fanatismo. Mas a narração focaliza a voz que vem da Nuvem.
Jesus aparece acompanhado por Elias e Moisés e conversa com eles. Qual seria o conteúdo desta conversa? Os personagens que aparecem e dialogam com Jesus são dois ícones da história do povo de Israel: Moisés, que lembra o êxodo libertador, e Elias, que recorda a profecia corajosa, radicada na experiência de um Deus que caminha com seu povo mas não se deixa prender em nenuma imagem. Liberdade e profecia parecem ser o conteúdo do diálogo. Mas os discípulos não parecem interessados nisso. Eles se deixam seduzir pelo brilho da cena e fecham os ouvidos ao que se fala.
A nuvem tenebrosa e luminosa que envolve os discípulos embriagados recorda o êxodo, a longa e exigente travessia da escravidão à liberdade. Se antes eles estavam achando tudo muito bom e bonito, caem no chão e são tomados pelo medo quando a nuvem os envolve. Parece que o temor aumenta quando ouvem a a voz que ordena: “Este é o meu filho amado, nele está o meu pleno agrado: escutai-o!” Nenhum discípulo de Jesus pode pretender menosprezar a lição de um Deus que se deixa crucificar por amor. O processo de libertação pessoal e coletivo tem seus custos!
O intimismo e o espiritualismo que costumam envolver e acompanhar muitas experiências religiosas podem ser perigosos, pois tendem a esconder a indiferença para com a sorte dos oprimidos – o tráfico humano à frente! – e a letal aliança com o poder das elites. A tentação de construir tendas, templos e palácios em lugares inacessíveis aos simples humanos sempre ronda a Igreja, e nem Pedro e seus sucessores estiveram imunes a ela. É preciso descer da montanha, sair dos templos, ganhar as ruas e não esquecer a lição da solidariedade!
Deus Pai e Mãe! Aqui estamos, dispostos a escutar e compreender a Palavra e o Caminho do teu Filho. Ajuda-nos a acolhê-los, com a firme decisão de sermos parceiros dos homens e mulheres nos seus sonhos e lutas, e de compartilhar os custos neles implicados. Não nos deixes cair na tentação de armar piedosas tendas, longe das dores das vítimas e dos clamores dos pobres e sofredores. Toca delicadamente nosso ombro, espanta o medo que nos embebeda e levanta-nos,  para que desçamos da montanha  revestidos da coragem dos profetas e da esperança dos sonhadores. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

(Gênesis 12,1-4 * Salmo 32 (33) * Segunda Carta a Timóteo 1,8-10 * Mateus 17,1-9)

Comer responsavelmente

Comer, ato revolucionário?
Satish Kumar 
A comida é um microcosmo de um macrocosmo. Comer alimentos apropriamos é parte da solução de problemas como as mudanças climáticas e a fome no mundo. Na tradição cristã, festejar no Natal e jejuar na Quaresma são símbolos significantes da relação estreita entre as pessoas e os alimentos, entre liberdade e comedimento, entre celebração e solitude.
Mas festejar e jejuar não são opostos: são complementares. Quando nós praticamos a liberdade de um banquete e somos pessoas habituadas à pratica do jejum, muito provavelmente vamos aproveitar a festa sem abusos.Jejuar é uma grande habilidade. Quando, no romance de Herman Hesse, a bela cortesã Ka­mala pergunta a Siddhartha quais eram as suas qualidades para conquistar o seu amor, Siddhartha responde: “Pensar, esperar, jejuar”. Infelizmente, no mundo moderno, muitos de nós não sabem como esperar, como jejuar, ou, ainda, como banquetear.
Nós vivemos no mundo da comida congelada, junk food e pratos prontos. Esse é o mundo da produção em massa, dos empacotados e das redes de comercialização de alimentos. Esse é o mundo onde os conhecimentos e as técnicas de produzir comida foram esquecidos, e a arte de cozinhar é desvalorizada; onde o prazer de preparar as refeições em companhia é diminuído. Nós perdemos o controle das origens dos alimentos. Muitos não sabem dizer poucas palavras sobre como a comida é semeada, distribuída, tarifada, ou mesmo como é preparada.
O acesso à comida deveria ser um direito fundamental do ser humano, o alimento é um presente da natureza a todos. Alimentar as pessoas e todos os seres vivos é algo intrínseco à vida, à existência, mas, infelizmente, a comida tornou-se produto comercial e já não esta disponível à todos igualmente. O objetivo primeiro dos que trambalham com negócios alimentícios é fazer dinheiro e alimentar as pessoas se tornou algo secundário. Não admira vermos múltiplas crises, tais como o crescimento do custo dos alimentos, crescimento da obesidade, junto à malnutrição e fome.
O grande desafio com o qual precisamos nos deparar é percebermos o principal objetivo dos sistemas alimentares, que é suster a vida. A principal responsabilidade dos governos e dos homens de negócios é desenvolver políticas e práticas que atendam às necessidades alimentares de todos, em todo o mundo, ao mesmo tempo em que garantam a integridade e a sustentabilidade do planeta terra em si.
Cultivar, preparar e comer boa comida é um imperativo ecológico, e, como Thomas Morus muito bem pontua, a comida é mais do que apenas o combustível para o corpo; ela é fonte para a nossa nutrição espiritual, social, cultural e física.
As pessoas perguntam: “O que eu posso fazer para combater o aquecimento global, a degradação ambiental e as injustiças sociais?” A resposta dada por Thomas Morus e outros escritores é: “Vamos começar pela comida: vamos comer alimentos locais, orgânicos, sazonais e deliciosos. Vamos lidar com os alimentos com as nossas próprias mãos, e não deixar a sua produção apenas nas mãos das corporações.”
O ato de comer o alimento apropriado é parte da solução dos problemas de aquecimento global e fome. A comida é um microcosmo de um macrocosmo. Quando nós observamos as movimentações econômicas por trás dos alimentos vemos imediatamente a influência das corporações multinacionais, que transformam comida em produto, onde, da engenharia genética das sementes ao cultivo, o controle passou do homem do campo e dos agricultores para administradores e engenheiros. Se nos preocupamos com a agricultura industrial, agronegócio, terras cultiváveis, erosão do solo, crueldade com os animais, fast  foodsfatty (gordurosas) foods, ou, ainda, “não-foods“, temos que olhar para o nosso prato e o que esta nele. A comida em nossa dispensa e na nossa cozinha esta conectada com as mudanças climáticas, com a pobreza, bem como com a nossa própria saúde.
Uma reflexão profunda sobre o que comemos pode nos levar à reforma agrária, mercados de agricultores, Jardins OperáriosSlow Food, comida artesanal, permacultura, agricultura florestal e muito mais. Nós devemos transformar nossa relação com a comida como um primeiro passo em direção às transformações sociais, econômicas e políticas. O pessoal e o político são dois lados da mesma moeda, nós não podemos manifestar um sem o outro. Quando nós começamos no plano pessoal e caminhamos em direção ao político, então há integridade no que falamos, fazemos e pedimos para que os outros façam. É claro que não podemos parar na vida pessoal. Nós precismos nos comunicar, organizar e construir um movimento popular que pressione governos e empresas a efetuarem mudanças.
Será que estamos prontos pra “por a mão na terra”? Temos tempo para assar nosso próprio pão e compartilhar nossas refeições em companhias agradáveis? Se nós não temos tempo para cozinhar e comer adequadamente, então nós não temos tempo para viver. Como Molière disse: “É boa comida, não boas palavras que me mantem vivo”.


Satish Kumar é fundador e diretor do Instituo Schumacher e reconhecido como um pilar da militância pacifista. Tradução Josemar Vidal Jr. Publicado em: http://outraspalavras.net/blog/2014/03/12/comer-e-o-comeco-ou-a-meta-esta-na-mesa/

terça-feira, 11 de março de 2014

Reflexões do Pe. Ceolin (8)

Perseverar na fé, na esperança e no amor

Os Atos dos Apóstolos dizem que os cristãos das primeiras comunidades eram perseverantes na doutrina dos apóstolos, na comunhão fraterna, na partilha do pão e nas orações. Eu poderia dizer que estou neste retrato? Sou mesmo parte viva da comunidade cristã?
O nascimento para a vida de fé, a entrada na comunidade cristã, se dá pelo kerigma (anúncio fundamental que provoca a conversão) e pela catequese (que leva ao crescimento na fé, na esperança e na caridade). A vida cristã se mantém e cresce pelo culto, que realiza a união com Deus (oração, participação no templo) e pela participação na fração do pão, na páscoa de Jesus. Na vida prática, a conversão à fé se exprime em um novo modo de relacionar-se, marcado pelo amor: a fraternidade substitui as relações de poder e de opressão; a parttilha ocupa o lugar da exploração econômica. Fé, Esperança e Amor são diferentes expressões do único dinamismo que marca a vida cristã.
O livro dos Atos dos Apóstolos nos oferece duas espécies de retratos da vida das primeiras comunidades cristãs. O primeiro retrato nos é dado em At 2,42-47: “Eram perseverantes em ouvir os ensinamentos dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações. Em todos eles havia temor, por causa dos numerosos prodígios e sinais que os apóstolos realizavam. Todos os que abraçavam a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. Diariamente, todos juntos, frequentavam o templo e nas casas partiam o pão, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E a cada dia o Senhor acrescentava à comunidade outras pessoas que iam aceitando a salvação.”
 Será que aparecem nesta fotografia ou fazem parte da comunidade cristã as pessoas que buscam o batismo e depois somem da Igreja? Aquels que fazem a primeira eucaristia e depois não são mais vistas? Aquelas que não participam dos momentos comunitários? Aquels que aparecem e desaparecem? Oo aquels que oprimem e exploram seus semelhantes?
O segundo retrato da comunidade cristã está em At 4,32-35. O número de cristãos já crescera bastante (cf. At 1,13.15; 2,41-48; 4,4), e o centro deste segundo retrato é o espírito de comunhão que se manifesta na concórdia fraterna e na comunhão de bens. Entre os membros da comunidade cristã não havia privilegiados! “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava propriedade particular as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum entre eles. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E todos eles gozavam de grande aceitação. Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam casas ou terras as vendiam, traziam o dinheiro e o colocavam aos pés dos apóstolos; depois, ele era distribuído a cada um conforme a sua necessidade.
Como proteger os apóstolos da suspeita de que seriam aproveitadores da boa fé dos seguidores de Jesus Cristo e extorquiam seus bens? Seria já a partir deles que a Igreja foi acumulando seu patrimônio econômico? A suspeita não tem fundamento, pois o dinheiro era distribuído segundo as necessidades de cada pessoa ou família. E a introdução dos diáconos reforça essa assertiva (cf. At 6,1-6; 11,27-30: 2 Cor 8,1-6).
Perseverar significa permanecer firme e constante, prosseguir, continuar, ir superando crises e revezes. Significa, com a força da fé, manter viva a esperança por amor àquele que nos amou primeiro. “Eu seu em quem acreditei, eu sei em quem pus minha esperança!...” Significa ser constante e incansável, ter um coração de pobre, ter fome e sede de justiça. E isso implica em retornar, recomeçar todo dia e sempre de novo a caminhada do seguimento de Cristo, a luta para superar egoísmos e quebras de comunhão, o labor cotidiano, a dinâmica evangélica da conversão. “Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé. Só me resta agora a coroa da justiça que o Senhor, justo juiz, me entregará naquele dia...” (2Tim 4,7-8).

Pe. Rodolpho Ceolin msf

(Meditação escrita pelo Pe. Ceolin provavelmente no final dos anos 90 e não publicada. Faz parte de uma série de manuscritos que ele me confiou amavelmente nos últimos meses da sua vida)

segunda-feira, 10 de março de 2014

Reflexões do Pe. Ceolin (7)

Estes apontamentos, claramente inacabados e provisórios, fazem parte de um conjunto mais amplo de material manuscrito sobre a espiritualidade e o carisma que o Pe. Ceolin me confiou pouco antes da sua partida. Como vocês poderão conferir, são de uma profundidade e uma atualidade que impressionam. Tomo a liberdade de partilhar estas notas como ajuda e provocação para que prossigamos na reflexão.

O dinamismo da Encarnação na Sagrada Família

Sem boa dose de humildade, ceitar, acolher, amar, assumir e servir os outros como eles são é coisa praticamente impossível. Interagir, a conviver e o confrontar-se cotidianamente com o diferente, o desigual, o desequilibrado e maníaco, acatar e respeitar os divergentes e adversários é tarefa hercúlea. Caminhar lado a lado, construir fraternidade entre doutos e insanos, ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, adultos e crianças, adolescentes e jovens, patrões e operários, governantes e governados, é coisa para gigantes!
Mas, no nosso caso, os gigantes são os que têm coração de pobre, os pequenos no sentido evangélico. Pessoas ede culturas e hábitos diferentes ou mentalidades contrastantes precisam despir-se e esvaziar-se do seu “eu-eu”. Somente com a nudez exposta poderão aceitar-se como iguais e irmãos, filhos do mesmo Pai. Onde e quando alguém pensa ser mais que os outros, deseja ser o maior e o melhor, distancia-se dos demais, não consegue encarnar devidamente seu próximo. Os donos da verdade, os hierarcas da sociedade e da Igreja, não erram, não dialogam e se apresentam como representantes de Deus... Tão diferentes são da Trindade Santa, eternamente dialogante...
A propósito, contemplemos a Sagrada Família. José se curva diante do mistério de Maria. Ambos postam-se respeitosos face ao mistério do Menino. Viam e ouviam-no, mesmo sem antender. Meditam e guardam tudo no coração... O Menino, por sua vez, era-lhes obediente, assumindo-os como genitores. Jesus cresce e amadurece sem demonstrar superioridade. A sagacidade manifestada diante dos doutores no templo não se evidencia em Nazaré. “Não é ele o filho do carpinteiro? Não é ele um simples trabalhador? Como e de onde lhe vem agora tamanha sabedoia e poder?...”
Para a Sagrada Família de Nazaré, o dinamismo da encarnação pedia concretizações: a) Encarnar a vida em família, o seu cotidiano de trabalho pela sobrevivência, a convivência interpessoal; b) Encarnar a vivência grupal com os parentes e conterâneos; participar de suas dores e alegrias; caminhar com eles na fé; respeitar as normas da convivência grupal; acatar as leis de Moisés; c) Encarnar a causa do povo, em cada momento da vida e da história; não compactuar com as injustiças e a opressão advindas do sistema, dos herodes, tetrarcas, fariseus, doutores e da tirania de Roma; não aceitar a opressão mais doída e revoltante que partia dos próprios conacionais; d) Encarnar o plano do Pai, a instauração do Reino de Deus.
Jesus se encarnou de forma tão profunda e radical que pode dizer: “Eu vim para servir e não para ser servido... Vim para salvar, e não para julgar e condenar... Tenho compaixão dessa gente faminta e doente, que vive como rebanho sem pastor...” Ele se misturou com os leprosos, os doentes, os abandonados pela sociedade. Jesus pô-se ao lado das vítimas do sistema. Os maiores pecadores consideravam-se justos, e por isso o renegavam, criticavam e perseguiam.
Encarnado e inserido, Jesus é agente transformação, porque ensina e faz. É deveras libertador dos oprimidos. Abala o sistema, porque o transgride e critica. Não desfaz Moisés, mas conserta as distorções da lei e a subordina à promoção da pessoa humana. Ordena o poder ao serviço do bem comum. Insiste que o que salva não é a teoria, mas a práxis da misericórdia...
Por fim, Jesus reúne em torno a si um grupo de seguidores a quem trata como amigos e outorga a continuidade da sua própria missão. “Vão! Estou enviando vocês como cordeiros para o meio de lobos... Curem os doentes, purifiquem os leprosos,  ressuscitem os mortos, expulsem os demônios e digam ao povo: o reino de Deus está próximo de vocês...” (cf. Lc 10,1-12; Mt 10,5-10). Sabe fazer-lhes feedback na hora precisa. Por causa deles, o sistema opressor não será perpetuado, será desfeito.
Pe. Rodolpho Ceolin msf


sexta-feira, 7 de março de 2014

Dia Internacional da Mulher

Mulheres em movimento.
Dia internacional da mulher.

Um marco da história
Todas nós sabemos que o dia internacional da mulher tem sua origem marcada por uma história de luta por direitos e por igualdade social.  Por isso, é um dia de memória e de luta. No dia 8 de março de 1857 mulheres operárias, em uma cidade do norte de Nova Iorque, ocuparam a fábrica de tecidos para reivindicar melhores condições de trabalho (redução de horas diárias, equiparação de salários com os homens) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. No entanto, este movimento foi reprimido com total violência e aproximadamente 130 tecelãs foram mortas carbonizadas dentro da fábrica.  Na conferência realizada em Dinamarca, em 1910, decidiu-se que este dia passaria a ser o “dia internacional da mulher”, em memória à luta das operárias mortas em 1857. Contudo, por meio de um decreto da ONU, esta data só foi oficializada em 1975, não apenas como um dia comemorativo, mas um dia para discutir o papel das mulheres na sociedade, direcionando o esforço para pensar em políticas sociais que viessem a diminuir o preconceito, a discriminação e a desvalorização das mulheres.
Lutas plurais em movimento
No decurso da história, principalmente a partir do século XIX, uma pluralidade de lutas foi explodindo.  Diversas bandeiras começam a ser levantadas em que as mulheres são as principais protagonistas de uma nova história cultural. Elas reivindicam os direitos que a cultura patriarcal havia reservado somente aos homens, tais como: direito ao acesso à educação (ler e escrever); direito ao voto; direito de participação política; direito à inserção em diferentes carreiras profissionais; direito de acesso à propriedade da terra; direito de sindicalização, entre outros. E, recentemente, vemos emergir as bandeiras que reivindicam os direitos reprodutivos.
 Uma sociedade ainda desigual
Mesmo com todos os avanços, que foram protagonizados pelo movimento feminista e pelas diversas organizações de mulheres, em muitos contextos, elas ainda sofrem processos discriminatórios e opressivos que se traduzem nos salários baixos, na violência masculina, na jornada excessiva de trabalho e desvantagens na carreira profissional. Os discursos, as representações simbólicas e as práticas institucionais, que são reiteradas pela cultura, continuam reproduzindo uma sociedade muito desigual. As mulheres, em geral, recebem em média 30% a menos do que os homens, mesmo quando realizam a mesma função. Em maior número, elas estão em ocupações e empregos mais precarizados e inseguros e fazem parte dos índices de uma pobreza que tem um rosto feminino.  Praticamente todas as responsabilidades do espaço privado ainda recaem sobre as mulheres. Em uma sociedade que continua reproduzindo a cultura machista, como é o caso do Brasil, a cada 15 segundos uma mulher sofre algum tipo de violência doméstica; muitas são assinadas pelos seus companheiros, amantes ou namorados. Além disso, junto com as crianças, as mulheres são as grandes vítimas do tráfico de pessoas. Constatamos que muito foi conquistado, mas, ainda, há muito para ser modificado nesta história.
Dia de memória e de luta
Considerando que convivemos em uma sociedade desigual e injusta, celebrar o dia internacional da mulher é manter viva a memória e o sentido desse dia, como um dia de luta; para além de somente comemorar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, é um convite à inquietação resistente, à ousadia e à coragem para colocar-se no movimento do mundo e somar com as lutas contemporâneas em favor dos direitos e da dignidade das mulheres que, em geral, continuam sendo discriminadas e colocadas às margens dos grandes processos históricos, incluso, dentro do universo eclesial. Não podemos cair na armadilha daqueles que reduzem esse dia a um momento para homenagear e valorizar a importância das mulheres, destacando atributos que a cultura produziu como parte de uma “essência feminina”, em uma visão romantizada. Isso parece ser muito recorrente em imagens e mensagens que circulam na mídia em relação à celebração deste dia.  É só olharmos para as os cartões digitais ou para PowerPoint que encontramos na internet. Certamente, nos deparamos com mensagens e imagens que parecem fazer bem ao ego feminino, mas que ocultam o dinamismo de um sistema simbólico que, sutilmente, reproduz os papéis tradicionais para as mulheres, como boas esposas, mães e donas do lar e reforça um determinado modelo de feminino e, consequentemente, a desigualdade social.  É claro, que também encontramos mensagens e imagens que reforçam a luta das mulheres, atributos de coragem, de ousadia, de racionalidade, de criatividade diante dos problemas do mundo cotidiano e profissional, mas em menor proporção.  O que queremos dizer com tudo isso, não é nos opor às situações que podem ser celebradas o ano todo que, certamente, são importantes para muitas mulheres. A insistência é mantermos uma consciência crítica e que isso não nos faça perder o foco sobre o sentido do dia internacional da mulher, em uma sociedade ainda tão desigual, em que os problemas sociais que atingem as mulheres não podem ser ignorados.
Homenagear as mulheres?
Sim, é dia também de homenagear as mulheres que se colocaram em movimento na luta por justiça, por igualdade e por dignidade, não só para o mundo das mulheres, mas em favor de todos os seres humanos que são colocados às margens da sociedade, simplesmente porque os marcadores de diferença de classe, raça/etnia, sexo, cultura, geração etc., são tomados como um sistema simbólico que desqualifica, discrimina e excluí pessoas. Temos muitos exemplos de mulheres, desde a história bíblica até a contemporaneidade: mulheres do povo, intelectuais, militantes, políticas, profissionais, consagradas ou anônimas (impossíveis de nomeá-las todas aqui), que lutaram e que continuam lutando por igualdade de direitos ou por outras situações mais pontuais, que merecem nossa memória, homenagem e que podem ser nossas inspiradoras, quando está em causa à justiça, à igualdade e à dignidade humana que, para nós, aos olhos da fé, pode ser interpretada como Reino de Deus.
Na visão do sociólogo francês Alan Touraine, as mulheres na contemporaneidade são os grandes sujeitos da história, por serem “criadoras de cultura”. Oxalá, que nós mulheres consagradas façamos parte desta grande rede de mulheres que produzem novos significados culturais e também eclesiais, somando na luta por igualdade, justiça e dignidade humana, porém com o diferencial da fé.  Mulheres, que se sentem chamadas pela Divina Fonte da Vida, e nesta fonte encontram a energia que alimenta o desejo de doar a vida fazendo a diferença neste mundo, sobretudo junto a um povo que tem “nome” (mulheres, indígenas, jovens, crianças, ribeirinhos...).
Assim sendo, homenageamos também a você mulher consagrada, que se dispõe a colocar-se neste movimento de luta pela dignidade humana, como profetiza da vida e da esperança, em um mundo que produz tantas feridas e processos de discriminação social e religiosa.
Março, de 2014.
Neiva Furlin

quinta-feira, 6 de março de 2014

1° Domingo da Quaresma (Ano A - 2014)

A  indiferença diante do tráfico de pessoas humanas é uma tentação!

O primeiro domingo da quaresma nos coloca frente a frente com as tentações de Jesus. A questão central é a seguinte: Quem orienta e determina as ações de Jesus, ou a quem ele serve? Para os cristãos,  a questão é semelhante: A quem hipotecamos nossa lealdade, ou a serviço de quem nos colocamos? Qual é o horizonte que dá sentido ao que fazemos e sonhamos? Seguimos nossos próprios interesses e tentamos resolver nossa vida relativizando tudo o mais, inclusive Deus?
Por ocasião do batismo, Jesus havia dito que era preciso cumprir toda a justiça, assumir a condição humana com todas as consequências. Ele experimentara a condição de Filho querido, precioso aos olhos do Pai (cf. Mt 3,15-17), mas parece que também a ele parecia difícil assumir a condição humana: a impotência, a carência, a falta de imagens de Deus. E aqui está a tentação: manipular Deus em benefício próprio e viver indiferentes, inclusive diante do tráfico de pessoas humanas.
O Evangelho diz que Jesus foi tentado pelo diabo. O diabo não está nos evangelhos para assustar ou impor medo. Ele simboliza o espírito invisível do império romano e da elite religiosa do judaísmo. As lideranças políticas e religiosas são a forma institucional e histórica deste dinamismo misterioso e potente que opõe resistência aos propósitos de Deus e impõe seus caminhos por meio da indiferença, da injustiça e do medo. E esta força tentadora está presente inclusive no templo!...
A lógica do poder questiona e desafia Jesus sobre o modo mais correto e eficaz de viver sua filiação divina, sua lealdade do Pai. E a primeira tentação é esta: aproveitar-se da condição de filho para exibir o poder de Deus e saciar a própria fome, agindo em benefício próprio, como costumam fazer as elites. Jesus supera esta tentação afirmando que a nossa sobrevivência depende da obediência a Deus e à sua Palavra vivificadora, e não da submissão interesseira aos poderosos.
A segunda tentação de Jesus se desenvolve no centro político, social e religioso do judaísmo. Jerusalém e o seu templo, construídos para servir e louvar a Deus, se transformam em obstáculo à lealdade a ele. Aqui a tentação é exigir provas da proteção de Deus sem a contrapartida da fidelidade, pedir uma exibição grandiosa e capaz de impressionar. Jesus se recusa a chamar Deus em causa própria, confia filialmente no Pai, age de acordo com a sua vontade e não cede às tentações típicas do poder.
Na terceira tentação, o tentador tira as máscaras e revela seu rosto como poder. O diabo leva Jesus a um lugar alto e revela sem sutilezas quem controla os impérios e poderes do mundo: é dele que os tiranos recebem o poder, é a ele que eles servem. Por que Jesus não poderia fazer o mesmo, demonstrar que é filho de Deus agindo segundo a lógica do poder? Jesus permanece fiel à sua identidade de filho do Pai e demonstra a supremacia de Deus sobre todos os poderes.
Como Jesus, somos tentados a fugir da bela e terrível vulnerabilidade humana. Como desejaríamos ser uma espécie de deus!...  Jesus relativiza as tentativas e vence a tentação de renegar a condição humana e realizar a vontade de Deus pelas vias do poder. Demonstra que nossa Fome radical só pode ser saciada pela Palavra que sai da boca de Deus, pela Utopia para a qual acena reiteradamente. E ensina que Deus vem em nosso auxílio quando renunciamos a pô-lo à prova.
Na carta aos Romanos, Paulo nos lembra que o cristianismo nasce de uma experiência essencialmente positiva e renovadora: no encontro pessoal com Jesus Cristo descobrimos que fomos justificados de forma profunda e gratuita. Se de Adão herdamos a fraqueza, o fechamento e a condenação, em Jesus Cristo recebemos muito mais: a acolhida incondicional que nos redime, a libertação da nossa liberdade egoísta e medrosa, o dinamismo gratuito do Espírito Santo que vence todas as tentações de fechamento auto-suficiente e de indiferença mortífera.
Deus querido, Pai e Mãe de todas as criaturas: em Jesus, teu filho e nosso irmão, revelaste quão profunda e vivificante é tua materna paternidade. Que teu Espírito nos conduza nas muitas travessias, nos ajude a superar as tentações do poder  e a não transformar a religião numa espécie de asilo no condomínio fechado da indiferença. Que ele nos sustente na bela e exigente tarefa de perseverar na liberdade solidária para a qual fomos resgatados. E também nos liberte do medo da fragilidade, da terrível necessidade de ser sempre o primeiro, o príncipe, o melhor, o superior. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

(Gênesis 2,7-9; 3,1-7 * Salmo 50 (51) * Carta aos Romanos 5,12-19 * Mateus 4,1-11)

Partilha missionaria

Vozes que vêm das fronteiras da missão      
Queridas irmãs e irmãos!
O mês de fevereiro se anunciou e já chegou ao fim, mas deixou marcas profundas de tantas ações em favor da vida, uma espécie de gotas d’água que caíram sobre as realidades por onde passamos. Como a Pastoral da Criança, que  realizou a sua segunda Celebração da Vida na Paróquia Nossa Senhora Mãe dos Pobres, graças  às primeiras e corajosas líderes que já  estão em plena atividade.
As reuniões de articulação pela Campanha da Fraternidade 2014 e a Rede um Grito pela Vida tem se intensificado. O tema da quaresma deste ano nos causa impacto frente às tramas do crime organizado e à fragilidades das políticas públicas em defesa das vítimas deste horrendo crime, que, segundo nosso querido Papa Francisco, deveri nos envergonhar como sociedade civilizada.
Retomamos a presença nos encontros das comunidades ribeirinhas, com o fortalecimento dos grupos que ainda estão em demanda com o Exército Nacional na  regularização da terra, que é direitos de todos. Houve também o repasse do 13º  Encontro Intereclesial das CEBs  nos setores e na Arquidiocese
A Paróquia já está em marcha, com seu calendário missionário, sonhos e projetos alimentados há anos. Os jovenns têm se comprometido com a animação com um novo ardor. “Passo a passo, pouco a pouco e  o caminho se faz.” Recebemos  neste mês dois seminaristas, que, a  partir de fevereiro, virão nos finais de semana fazer parte da Paróquia, na convivência das comunidades, por dois anos. É mais uma nova experiência, e também um desafio, tendo em vista que, para acontecer a itinerância externa é preciso primeiro fazê-la internamente.
A Ir. Joaninha vive intensamente seus últimos dias na Paróquia. Ela está se preparando para Missão Itinerante, tão sonhada e desejada. O povo lamenta, mas  entende que somos itinerantes e Emilie, nossa Fundadora, nos envia a ir “onde a voz dos pobres nos chamar”. O Documento final do Capítulo Geral nos confirma e desafia ao convidar-nos ao “Discipulado em caminho itinerantes e interculturais..., a constituir-nos em comunidades alternativas, a partir das periferias geográficas, sociais, humanas...” Isso ressoa como um convite incessante a nos mover, a transitar por outras fronteiras.
Concluímos este mês de fevereiro com a Assembleia  Paroquial, momento forte em que a Paróquia reúne suas comunidades e lideranças para um tempo de retiro,  formação e avaliação das prioridades assumidas no biênio. Nota-se um grande  crescimento das lideranças. A presença das “Imãs Azuis” se faz notar e ressaltar nesse espaço de missão, pela sua valorosa contribuição nas mais diversas questões.

A todas/os  nosso abraço e desejo de uma quaresma  plena de graça e de convites à sensibilização, ao profetismo frente ao grande desafio do tráfico de pessoas humanas. ”É para a liberdade que Cristo nos Libertou”
Esperamos com carinho nossa querida Ir. Ercilia, que fará parte de nossa Comunidade. Seja Bem Vinda! Com carinho suas Irmãs da Comunidade Maria Mãe dos Pobres.
Manaus, 4 de Março de 2014
Irmãs Joaninha, Rosangela Silvia e Teresinha

(Congregação da Imaculada Conceição de Castres)

segunda-feira, 3 de março de 2014

Desafios atuais à Vida Religiosa (7)


Desafio 7: Rever e simplificar as estruturas
Um jantar convencional de religiosos no interior de Kalimantan (Indonésia)

Estruturas são, antes de tudo, esquemas de pensamento, modos de ver e de organizar a vida. Quando um grupo social chega a um acordo e afirma “isso deve ser assim”, está criando uma estrutura. As estruturas têm a função de dar continuidade e organicidade às intuições, construir abrigos que ajudem o espírito a continuar no tempo. São construções feitas com o material que a história e as culturas nos oferecem e, por isso, trazem suas marcas, emprestam suas possibilidades e, evidentemente, entregam também seus limites.

Não há como negar ou fazer vistas grossas a este fato: a Vida Religiosa que conhecemos hoje concebeu para si mesma estruturas apropriadas a um corpo numeroso, socialmente separado, politicamente influente, eclesialmente e culturalmente relevante. Para manter este status e se reproduzir socialmente, regrou minuciosamente a vida dos membros, multiplicou e complexificou suas instituições. Não é por nada que muitos religiosos e religiosas experimentam a sensação de que as demandas das obras são superiores às suas forças, que funcionam bem mas lhes falta um sentido para viver. Se isso é verdade, soou o tempo de repensar as estruturas!

É claro que não se trata simplesmente de assumir formas organizativas e gerenciais mais soft's e flexíveis, tanto a gosto da nova tecnocracia empresarial e do mercado globalizado (que não tocam no “núcleo duro” do sistema, que é a competição predatória e violenta). O que precisamos é desmontar as estruturas jurídicas e organizacionais que, mesmo tendo sido úteis e importantes numa certa época, hoje mais escondem que anunciam o Evangelho, mais sufocam que encarnam o carisma dos institutos, quebram as asas dos sonhadores e algemam os pés sedentos de novos caminhos. E isso começa pelas Constituições e chega aos projetos comunitários e institucionais, demasiadamente pesados e complexos.

Com isso não estou convocando a Vida Religiosa a uma espécie de cruzada da ingenuidade ou a uma celebração de louvor à inocência original. Assim como a vivência do Evangelho não pode prescindir dos recursos e percursos de vinte séculos de história nas diferentes culturas, a Vida Religiosa não pode imaginar um renascimento que não tenha nada a ver com sua experiência multissecular e multicultural. O desafio é desentulhar a Vida Religiosa daquelas estruturas e meios que, tendo sido úteis e necessários num tempo e numa etapa ou situação concreta, agora mais atrapalham que facilitam a encarnação e o testemunho do Evangelho, mais sufocam que acalentam os sonhos e intuições originais.

Mas é preciso também ter presente que essa não é uma tarefa que podemos encomendar a apenas alguns exemplares isolados do Hércules da mitologia grega, nem trabalho para um tempo breve. Repensar as estruturas da Vida Religiosa é missão de muitos e extensa no tempo. É claro, entretanto, que não podemos esperar para começar quando todos os membros do instituto estiverem convencidos da urgência e da necessidade dessas mudanças. É preciso, desde já e sempre, estimular os membros sonhadores e inquietos, poetas, profetas e místicos a ousar os primeiros passos dessa dança.

Itacir Brassiani msf

domingo, 2 de março de 2014

Em memória do Pe. Ceolin

Faz oito meses que o Pe. Ceolin nos deixou... Deixou?

Ao morrer meu amigo
algo de mim que já era ele se foi.
Algo de mim ressuscitou nele.
Algo dele que ainda sou eu ficou.
Algo dele espera em mim por ressurreição.

O tempo ao passar parece devorar todo o amor.
Mas quanto mais afasta no passado minha recordação,
mais se aproxima ao encontro sem distância do futuro.

Ainda que em mim cada dia tenha sua poda, sua espera e sua colheita,
para ele já toda a história se cumpriu eu cheguei com ele, e ali estou.
Obrigado, Senhor.

(Benjamin Gonzalez Buelta sj)