Mulheres em
movimento.
Dia
internacional da mulher.
Um marco da história
Todas nós sabemos que o dia
internacional da mulher tem sua origem marcada por uma história de luta por
direitos e por igualdade social. Por isso, é um dia de memória e de
luta. No dia 8 de março de 1857 mulheres operárias, em uma cidade do norte de
Nova Iorque, ocuparam a fábrica de tecidos para reivindicar melhores condições
de trabalho (redução de horas diárias, equiparação de salários com os homens) e
tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. No entanto, este movimento foi
reprimido com total violência e aproximadamente 130 tecelãs foram mortas
carbonizadas dentro da fábrica. Na conferência realizada em
Dinamarca, em 1910, decidiu-se que este dia passaria a ser o “dia internacional
da mulher”, em memória à luta das operárias mortas em 1857. Contudo, por meio
de um decreto da ONU, esta data só foi oficializada em 1975, não apenas como um
dia comemorativo, mas um dia para discutir o papel das mulheres na sociedade,
direcionando o esforço para pensar em políticas sociais que viessem a diminuir
o preconceito, a discriminação e a desvalorização das mulheres.
Lutas plurais em movimento
No decurso da história,
principalmente a partir do século XIX, uma pluralidade de lutas foi
explodindo. Diversas bandeiras começam a ser levantadas em que as
mulheres são as principais protagonistas de uma nova história cultural. Elas
reivindicam os direitos que a cultura patriarcal havia reservado somente aos
homens, tais como: direito ao acesso à educação (ler e escrever); direito ao
voto; direito de participação política; direito à inserção em diferentes
carreiras profissionais; direito de acesso à propriedade da terra; direito de
sindicalização, entre outros. E, recentemente, vemos emergir as bandeiras que
reivindicam os direitos reprodutivos.
Uma sociedade ainda desigual
Mesmo com todos os avanços, que
foram protagonizados pelo movimento feminista e pelas diversas organizações de
mulheres, em muitos contextos, elas ainda sofrem processos discriminatórios e
opressivos que se traduzem nos salários baixos, na violência masculina, na
jornada excessiva de trabalho e desvantagens na carreira profissional. Os
discursos, as representações simbólicas e as práticas institucionais, que são
reiteradas pela cultura, continuam reproduzindo uma sociedade muito desigual.
As mulheres, em geral, recebem em média 30% a menos do que os homens, mesmo
quando realizam a mesma função. Em maior número, elas estão em ocupações e
empregos mais precarizados e inseguros e fazem parte dos índices de uma pobreza
que tem um rosto feminino. Praticamente todas as responsabilidades
do espaço privado ainda recaem sobre as mulheres. Em uma sociedade que continua
reproduzindo a cultura machista, como é o caso do Brasil, a cada 15 segundos
uma mulher sofre algum tipo de violência doméstica; muitas são assinadas pelos
seus companheiros, amantes ou namorados. Além disso, junto com as crianças, as
mulheres são as grandes vítimas do tráfico de pessoas. Constatamos que muito
foi conquistado, mas, ainda, há muito para ser modificado nesta história.
Dia de memória e de luta
Considerando que convivemos em
uma sociedade desigual e injusta, celebrar o dia internacional da mulher é
manter viva a memória e o sentido desse dia, como um dia de luta; para além de
somente comemorar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, é
um convite à inquietação resistente, à ousadia e à coragem para colocar-se no
movimento do mundo e somar com as lutas contemporâneas em favor dos direitos e
da dignidade das mulheres que, em geral, continuam sendo discriminadas e
colocadas às margens dos grandes processos históricos, incluso, dentro do
universo eclesial. Não podemos cair na armadilha daqueles que reduzem esse dia
a um momento para homenagear e valorizar a importância das mulheres, destacando
atributos que a cultura produziu como parte de uma “essência feminina”, em uma
visão romantizada. Isso parece ser muito recorrente em imagens e mensagens que
circulam na mídia em relação à celebração deste dia. É só olharmos
para as os cartões digitais ou para PowerPoint que encontramos
na internet. Certamente, nos deparamos com mensagens e imagens que parecem fazer
bem ao ego feminino, mas que ocultam o dinamismo de um sistema simbólico que,
sutilmente, reproduz os papéis tradicionais para as mulheres, como boas
esposas, mães e donas do lar e reforça um determinado modelo de feminino e,
consequentemente, a desigualdade social. É claro, que também
encontramos mensagens e imagens que reforçam a luta das mulheres, atributos de
coragem, de ousadia, de racionalidade, de criatividade diante dos problemas do
mundo cotidiano e profissional, mas em menor proporção. O que queremos
dizer com tudo isso, não é nos opor às situações que podem ser celebradas o ano
todo que, certamente, são importantes para muitas mulheres. A insistência é
mantermos uma consciência crítica e que isso não nos faça perder o foco sobre o
sentido do dia internacional da mulher, em uma sociedade ainda tão desigual, em
que os problemas sociais que atingem as mulheres não podem ser ignorados.
Homenagear as mulheres?
Sim, é dia também de homenagear
as mulheres que se colocaram em movimento na luta por justiça, por igualdade e
por dignidade, não só para o mundo das mulheres, mas em favor de todos os seres
humanos que são colocados às margens da sociedade, simplesmente porque os
marcadores de diferença de classe, raça/etnia, sexo, cultura, geração etc., são
tomados como um sistema simbólico que desqualifica, discrimina e excluí
pessoas. Temos muitos exemplos de mulheres, desde a história bíblica até a
contemporaneidade: mulheres do povo, intelectuais, militantes, políticas,
profissionais, consagradas ou anônimas (impossíveis de nomeá-las todas aqui),
que lutaram e que continuam lutando por igualdade de direitos ou por outras
situações mais pontuais, que merecem nossa memória, homenagem e que podem ser
nossas inspiradoras, quando está em causa à justiça, à igualdade e à dignidade
humana que, para nós, aos olhos da fé, pode ser interpretada como Reino de
Deus.
Na visão do sociólogo francês
Alan Touraine, as mulheres na contemporaneidade são os grandes sujeitos da
história, por serem “criadoras de cultura”. Oxalá, que nós mulheres consagradas
façamos parte desta grande rede de mulheres que produzem novos significados
culturais e também eclesiais, somando na luta por igualdade, justiça e
dignidade humana, porém com o diferencial da fé. Mulheres, que se
sentem chamadas pela Divina Fonte da Vida, e nesta fonte
encontram a energia que alimenta o desejo de doar a vida fazendo a diferença
neste mundo, sobretudo junto a um povo que tem “nome” (mulheres, indígenas,
jovens, crianças, ribeirinhos...).
Assim sendo, homenageamos também
a você mulher consagrada, que se dispõe a colocar-se neste
movimento de luta pela dignidade humana, como profetiza da vida e da esperança,
em um mundo que produz tantas feridas e processos de discriminação social e
religiosa.
Março,
de 2014.
Neiva Furlin
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