Não vivemos para ignorar ou julgar, mas para amar e
libertar!
Como
crianças que se deixam educar na fé, no caminho quaresmal vamos pouco a pouco
redescobrindo Jesus como pão da vida, como filho
amado, como água viva e, neste domingo, como luz do mundo. Jesus
Cristo é luz que faz resplandecer a verdade e a beleza de todas as coisas. Ele
nos lembra nosso parentesco com o pó e com o barro da terra e, assim, abre
nossos olhos para que acreditemos nele, olhemos o mundo na sua perspectiva e
nos engajemos na sua obra de libertar os oprimidos e abrir os olhos daqueles
que não querem ver a ignomínia do tráfico de seres humanos.
João nos
coloca, com Jesus, diante de um judeu que nasceu cego e pobre e deve mendigar
para sobreviver. Ao mal físico da cegueira se acrescenta a chaga social da
pobreza e a doença espiritual de quem pensa que o mendigo cego e sua família
são os únicos culpados por tudo isso. Parece que os próprios discípulos pensam
assim... E é mal-visto e suspeito quem ousa mudar esta condição natural e atuar
contra os costumes e leis naturais que cimentam esta ordem social! “Este homem
não pode vir de Deus... Nós sabemos que este homem é um pecador...”
O olhar
de Deus é outro. Seus caminhos são alternativos. Este olhar diverso e inverso, próprio de Deus e daqueles que nele
acreditam, se mostra de forma claríssima em Jesus de Nazaré. Para ele, nem o cego mendigo nem sua pobre família são
culpados de qualquer coisa. Jesus não explica as causas da cegueira daquele
homem, mas chama todos e cada um a tomar
uma posição responsável diante dela,. “Temos que realizar as obras daquele
que me enviou...” Estamos diante de uma pessoa necessitada que pede uma ação
solidária, e não diante de alguém que precisa ser julgado.
Jesus de Nazaré é luz que nos ajuda a
discernir e compreender a realidade assim como ela é.
“Enquanto estou no mundo, eu sou a luz do mundo...” Trata-se de ver a ausência
dos últimos e chamá-los a ocupar os
primeiros lugares, de recuperar a visão daqueles que não conseguem ver e de
devolver-lhes a cidadania. Jesus cura o
cego, justifica sua família e afirma a culpa da elite religiosa. Assim, questiona
a ordem estabelecida e quem a sustenta. Enquanto as elites se comprazem em
culpar as vítimas e inocentar os algozes, Jesus desmascara suas cínicas
mentiras.
É preciso
exercitar um olhar capaz de transcender as aparências, agir de modo a derrubar os muros construídos pela exclusão e mantidos
pela pela indiferença globalizada, vencer o medo acomodador que nos leva a
duvidar que existam pessoas e grupos excluídos. “Não acreditaram que ele tinha
sido cego...” Toda ideologia,
instituição ou sistema fechado em si mesmo e com pretensões de totalidade, seja
ele partido, nação, instituição, Igreja ou academia, tem vocação totalitária e,
portanto, pode cair na tentação das práticas de indiferença e de exclusão.
Paulo
pede que nos comportemos como filhos da luz,
o que significa concretamente ser bom com todos, reconhecer e afirmar a
dignidade dos sem dignidade, lutar pela justiça, restabelecer a verdade. Mas o
ponto de partida é despertar da tranquilidade do nosso sono, é começar pela necessária
auto-crítica: “Será que também somos cegos?” E os passos seguintes levam a
perseverar no caminho de Jesus de Nazaré, a pedir que ele abra nossos olhos, a
assumir seu ponto de vista, a colaborar incansável e generosamente com sua ação
libertadora.
Mas este
é um caminho sempre cercado de ameaças e incompreensões. O cego e mendigo que
recuperou a capacidade de ver e discutir com as auoridades encurraladas
enfrentou sentenças ferozes e condenações inapeláveis: “Você nasceu inteirinho
no pecado e quer nos ensinar?” E o próprio Jesus, por ousar retirar o véu dos
olhos do cego e levantar o manto da exclusão que o vitimava, não tardou a ser
carimbado como pecador. Não é novidade que também muitos pastores e profetas de
hoje sejam demonizados e execrados pela mídia comercial.
Jesus, humano e divino profeta de Nazaré, luz
do nosso olhar e razão do nosso caminhar. Tu nos ensinas que abrir os olhos e
ver as coisas na tua perspectiva é um caminho que nunca termina de começar. Ajuda-nos
a reconhecer em ti a Luz que revela a inegociável dignidade das pessoas
transformadas em mercadoria. Guia-nos a uma vida realmente sábia, como a da
mulher da Samaria e a do anônimo mendigo. E ensina-nos a encontrar no barro da
terra a familiaridade que nos une a todos os seres e restitui a vida tanto aos
humanos como às demais crituras. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Primeiro livro de Samuel 16,6-13 * Salmo
22 (23) * Carta aos Efésios 5,8-14 * João 9,1-41)
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