"Ser sinal entre aqueles que estão longe"
Ou: considerações sobre o carisma dos Missionários da Sagrada Família
Para ser
sinal é preciso ter estupenda audácia – inspirada e sustentada pela graça de
Deus – para apostar na radicalidade do
Evangelho, levando a sério a experiência
de Deus e da fraternidade, essencial para a Vida Religiosa. É preciso
também abraçar a missão primeira, que
consiste em ser no mundo memória do
Evangelho, assumindo-a radicalmente acreditando no amor primeiro de Deus, conhecendo o sentido da vida e os valores
reais do Reino de Deus, razão primeira do discipulado. Finalmente, é
preciso existir para o serviço ao mundo, e a primeira tarefa deste serviço é tornar visível a dimensão teologal da vida
humana.
A força do sinal brota de uma tríplice
fidelidade: fidelidade pessoal ao Espírito; fidelidade às origens e ao carisma
específico da Congregação; fidelidade ao mundo em que vivemos, aos homens e
mulheres do nosso tempo. É a realidade humana atual que assinala o lugar
concreto “para onde o Senhor quer nos enviar” e quem são concretamente “aqueles
que estão longe”.
Sabemos
que um sinal fala por si mesmo. O
sinal suscita questionamento, mesmo que nem sempre seja imediatamente compreendido
e aceito. O profeta Jeremias perambulou nu e edescalço durante três anos, e só
mais tarde o povo de Israel entendeu o que aquilo significava...
O sinal existe para ser visto, deve
sair de casa, ir à rua, sair ao encontro dos dramas e das misérias humanas,
alcançar o palco das decisões que marcam a vida do povo. A Vida Religiosa Inserida é ainda uma tímida (e temida) e minoritária
tentativa de levar o sinal à rua.
Quem são “aqueles
que estão longe” (cf. Mc 16,7 e At 2,39)? Longe
é o lugar onde Jesus nos precede, onde precisamos ir para encontrá-lo. É de lá
que ele nos chama! É para lá que ele nos envia! Segundo as escrituras, sabemos
que Jesus assumiu e se faz presente prioritariamente em quatro lugares ou realidades da vida do povo: em Belém, na
Galiléia, na Samaria e em Jerusalém.
Belém é o lugar da exclusão de Deus. É a
sociedade que exlcui a presença de Deus. Belém é para nós um sinal de que Jesus
vai nascer migrante, frágil, vulnerável, indefeso. Por isso muita gente tem
dificuldades de encontrá-lo, de reconhecê-lo e de segui-lo. Na verdade, ele não
cabe nas idéias, imagens e quadros que temos a respeito de Deus. Quem são as
pessoas que hoje vivem em Belém?
A Galiléia é símbolo da má fama, da
marginalização. É lá que Jesus chama os apóstolos (cf. Mc 3,17-19). É lá
que ele inicia a missão (cf. Mt 4,17). Da Galiléia veio o primeiro Papa... Foi
na Galiléia que Jesus publicou seu programa, no sermão da montanha (cf. Mt 5 –
7). Nazaré da Galiléia representa a opção
de Jesus por todos os desprezados e desvalorizados. É o lugar do escândalo
da sua encarnação. “De Nazaré pode vir alguém que presta?” Quem seriam os
galileus de hoje, os grupos sociais aos quais o Senhor nos envia?
A Samaria é o lugar da dupla marginalização
(cultural e espiritual). Era considerada uma região herética e cismática, odiada e rejeitada pelos cidadãos da Judéia. A
Samaria simboliza o mundo não judeu (não católico...). Representa o lugar do amor universal de Deus. Ele é o
Deus de todos, e não apenas do povo de Israel. Quem seriam os samaritanos de
hoje?
Na vida de Jesus, Jerusalém é o lugar do
fracasso, da condenação, da morte “fora
dos muros”. É também o lugar da missão
cumprida (“Tudo está consumado!... Ninguém tira a minha vida: eu a dou
livremente!...”) Por isso, Jerusalém é também o lugar da resposta triunfante de Deus, símbolo da vitória contra
todos os poderes do mal. Entre tantas pessoas que “estão longe”, quem vive hoje
em Jerusalém?
De tanto
viver em Belém na Galiléia, em Nazaré, na Samaria e em Jerusalém, multidões de irmãs e irmãos nossos perderam
a esperança no amanhã. Os cristãos, e especialmente os religiosos e
religiosas, estão sendo chamados a ajudá-las a encontrar caminhos de superação
e esperança.
No
caminho do discipulado, do seguimento do Mestre, vendo e compreendendo sempre
mais os sinais e o significado da sua
opção por determinados lugares, aos poucos vai se definindo para nós,
Missionários da Sagrada Família, o lugar e o significado do nosso carisma: o que nós devemos significar para o mundo;
qual é mesmo o nosso lugar; o que
entendemos por “ir àqueles que estão longe”.
É bem
verdade que nem todos podemos inserir-nos missionariamente entre as pessoas que
vivem à margem da vida, da sociedade e da própria fé em Jesus Cristo. Mas isso
não deve servir de álibi para eximirmo-nos do nosso Carisma! Todos temos o dever de viver o significado
do Carisma, a mística e o espírito da inserção! Que repercussões concretas
deverá ter isso em cada um de nós e na vida da Província, na formação, na
atividade pastoral, em nosso “jeito MSF” de viver e de atuar?
A Ir. Ana
Roy, de quem me vali para estas considerações, recentemente dizia aos
formadores e formadoras reunidos em Rio do Sul: a primeira preocupação das pessoas consagradas não deve ser o que
fazer mas como ser um sinal eloquente pela própria vida. Nas palavras
dela: “Somos sinais para o mundo quando gotejamos Deus...” E concluo, parafraseando
São Paulo: “Mesmo que eu falasse a língua dos homens e dos anjos e tivesse todo
conhecimento... Ainda que... Seria apenas um sino ruidoso... Eu não seria
nada... De nada isso adiantaria...”
Pe. Rodolpho Ceolin msf
(Meditação
não publicada, escrita no dia 25 de março de 1995, festa da “encarnação do
Senhor entre aqueles que estavam e ainda estão longe”, conforme anotou o próprio
Pe. Ceolin)
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