domingo, 23 de março de 2014

Reflexões do Pe. Ceolin (10)

"Ser sinal entre aqueles que estão longe"
Ou: considerações sobre o carisma dos Missionários da Sagrada Família

Para ser sinal é preciso ter estupenda audácia – inspirada e sustentada pela graça de Deus – para apostar na radicalidade do Evangelho, levando a sério a experiência de Deus e da fraternidade, essencial para a Vida Religiosa. É preciso também abraçar a missão primeira, que consiste em ser no mundo memória do Evangelho, assumindo-a radicalmente acreditando no amor primeiro de Deus, conhecendo o sentido da vida e os valores reais do Reino de Deus, razão primeira do discipulado. Finalmente, é preciso existir para o serviço ao mundo, e a primeira tarefa deste serviço é tornar visível a dimensão teologal da vida humana.
A força do sinal brota de uma tríplice fidelidade: fidelidade pessoal ao Espírito; fidelidade às origens e ao carisma específico da Congregação; fidelidade ao mundo em que vivemos, aos homens e mulheres do nosso tempo. É a realidade humana atual que assinala o lugar concreto “para onde o Senhor quer nos enviar” e quem são concretamente “aqueles que estão longe”.
Sabemos que um sinal fala por si mesmo. O sinal suscita questionamento, mesmo que nem sempre seja imediatamente compreendido e aceito. O profeta Jeremias perambulou nu e edescalço durante três anos, e só mais tarde o povo de Israel entendeu o que aquilo significava...
O sinal existe para ser visto, deve sair de casa, ir à rua, sair ao encontro dos dramas e das misérias humanas, alcançar o palco das decisões que marcam a vida do povo. A Vida Religiosa Inserida é ainda uma tímida (e temida) e minoritária tentativa de levar o sinal à rua.
Quem são “aqueles que estão longe” (cf. Mc 16,7 e At 2,39)? Longe é o lugar onde Jesus nos precede, onde precisamos ir para encontrá-lo. É de lá que ele nos chama! É para lá que ele nos envia! Segundo as escrituras, sabemos que Jesus assumiu e se faz presente prioritariamente em quatro lugares ou realidades da vida do povo: em Belém, na Galiléia, na Samaria e em Jerusalém.
Belém é o lugar da exclusão de Deus. É a sociedade que exlcui a presença de Deus. Belém é para nós um sinal de que Jesus vai nascer migrante, frágil, vulnerável, indefeso. Por isso muita gente tem dificuldades de encontrá-lo, de reconhecê-lo e de segui-lo. Na verdade, ele não cabe nas idéias, imagens e quadros que temos a respeito de Deus. Quem são as pessoas que hoje vivem em Belém?
A Galiléia é símbolo da má fama, da marginalização. É lá que Jesus chama os apóstolos (cf. Mc 3,17-19). É lá que ele inicia a missão (cf. Mt 4,17). Da Galiléia veio o primeiro Papa... Foi na Galiléia que Jesus publicou seu programa, no sermão da montanha (cf. Mt 5 – 7). Nazaré da Galiléia representa a opção de Jesus por todos os desprezados e desvalorizados. É o lugar do escândalo da sua encarnação. “De Nazaré pode vir alguém que presta?” Quem seriam os galileus de hoje, os grupos sociais aos quais o Senhor nos envia?
A Samaria é o lugar da dupla marginalização (cultural e espiritual). Era considerada uma região herética e cismática, odiada e rejeitada pelos cidadãos da Judéia. A Samaria simboliza o mundo não judeu (não católico...). Representa o lugar do amor universal de Deus. Ele é o Deus de todos, e não apenas do povo de Israel. Quem seriam os samaritanos de hoje?
Na vida de Jesus, Jerusalém é o lugar do fracasso, da condenação, da morte “fora dos muros”. É também o lugar da missão cumprida (“Tudo está consumado!... Ninguém tira a minha vida: eu a dou livremente!...”) Por isso, Jerusalém é também o lugar da resposta triunfante de Deus, símbolo da vitória contra todos os poderes do mal. Entre tantas pessoas que “estão longe”, quem vive hoje em Jerusalém?
De tanto viver em Belém na Galiléia, em Nazaré, na Samaria e em Jerusalém, multidões de irmãs e irmãos nossos perderam a esperança no amanhã. Os cristãos, e especialmente os religiosos e religiosas, estão sendo chamados a ajudá-las a encontrar caminhos de superação e esperança.
No caminho do discipulado, do seguimento do Mestre, vendo e compreendendo sempre mais os sinais e o significado da sua opção por determinados lugares, aos poucos vai se definindo para nós, Missionários da Sagrada Família, o lugar e o significado do nosso carisma: o que nós devemos significar para o mundo; qual é mesmo o nosso lugar; o que entendemos por “ir àqueles que estão longe”.
É bem verdade que nem todos podemos inserir-nos missionariamente entre as pessoas que vivem à margem da vida, da sociedade e da própria fé em Jesus Cristo. Mas isso não deve servir de álibi para eximirmo-nos do nosso Carisma! Todos temos o dever de viver o significado do Carisma, a mística e o espírito da inserção! Que repercussões concretas deverá ter isso em cada um de nós e na vida da Província, na formação, na atividade pastoral, em nosso “jeito MSF” de viver e de atuar?
A Ir. Ana Roy, de quem me vali para estas considerações, recentemente dizia aos formadores e formadoras reunidos em Rio do Sul: a primeira preocupação das pessoas consagradas não deve ser o que fazer mas como ser um sinal eloquente pela própria vida. Nas palavras dela: “Somos sinais para o mundo quando gotejamos Deus...” E concluo, parafraseando São Paulo: “Mesmo que eu falasse a língua dos homens e dos anjos e tivesse todo conhecimento... Ainda que... Seria apenas um sino ruidoso... Eu não seria nada... De nada isso adiantaria...”
Pe. Rodolpho Ceolin msf
 (Meditação não publicada, escrita no dia 25 de março de 1995, festa da “encarnação do Senhor entre aqueles que estavam e ainda estão longe”, conforme anotou o próprio Pe. Ceolin)

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