José Comblin, três anos depois
da partida
Meu querido amigo: como sentimos falta de
você! Há três anos você completava a sua jornada terrestre. A vida prosseguiu e
tanta coisa aconteceu. Quantas vezes desejamos saber o que você diria sobre os
fatos que foram se sucedendo, dentro e fora da Igreja. A renúncia do papa Bento
XVI? A eleição de Bergoglio, o papa Francisco tão amado e conhecido em apenas
um ano? As mobilizações e manifestações que atravessam o mundo. Será que
estamos vivenciando um novo amanhecer da Igreja como você tanto sonhava?
Sim, José Comblin sonhava e buscava
construir dentro do seu âmbito a Igreja com a qual sonhava: a Igreja Povo de
Deus, uma igreja mais humana, mais presente, mais próxima. Uma Igreja mais
evangélica. Quem sabe, mais do que construir, tratava-se de restaurar a Igreja
dos primeiros cristãos, fundada nos exemplos e nas exortações do mestre Jesus. Uma
igreja que sai, que vai ao encontro, que busca os afastados. Uma igreja
missionária. Essa foi sempre a sua insistência e nesse sentido organizou
diversas formações missionárias. Uma igreja presente: nas viagens terrestres
através das vastas extensões nordestinas, Comblin observava tudo: o campo, os
assentamentos de terra que surgiam aqui e acolá, as periferias se estendendo
sempre mais. E sempre voltava a perguntar: será
que a igreja católica já chegou aqui? Os crentes não perdem tempo, nós
católicos precisamos ser mais ágeis.
Sonhava com uma Igreja mais dedicada ao povo do que ao culto. Dedicada ao cuidado
das pessoas, conselheira dos aflitos, animadora das comunidades, capaz de
atrair a juventude ao Evangelho de Jesus. O culto vem depois, é resultado e consequência
de uma presença viva e atuante. Ele constatava que se dedica mais tempo ao
culto e tudo que o envolve (preparação, organização, utensílios, vestes) do que
ao cuidado do povo de Deus: atendimento pessoal, visitas, formação de pessoas. Uma
Igreja humana, compassiva, pautada pela misericórdia. Sempre afirmava que o Amor é a única realidade da pessoa humana
que nunca desaparece. Assim ele vivia: seu amor imenso a cada pessoa -
amigos, alunos, companheiros, vizinhos - se expressava pelo tempo que sempre
encontrava para atender um e outro, para animar, aconselhar, ouvir, servir,
abraçar, olhar simplesmente...
Abraçava uma Igreja capaz de tomar posição
na defesa dos pequenos, dos pobres, da justiça. Como ele disse em artigo
intitulado Os sinais dos tempos - Vaticano
II: um futuro esquecido? (Em Concilium 312, 2005/4): “O reino de Deus não é uma situação nem uma instituição, é um movimento.
Mais exatamente o reino de Deus é o movimento de libertação da dominação na
qual seres humanos submetem outros seres humanos por meio de violência, engano,
mentiras, etc. O advento do reino de Deus é uma luta contra forças humanas,
instituições humanas que são opressoras. O que importa para Jesus não são os
progressos científicos ou tecnológicos, as mudanças econômicas e sociais. O que
o preocupa é a libertação dos oprimidos. Este assunto é hoje em dia mais atual
do que nunca.”
Colocou-se ao lado daqueles que
publicamente tomaram posição em defesa da VIDA e da vida em abundancia para
todos. De bispos a leigos contava os exemplos em seus cursos: são os testemunhos de vida que marcam e
atraem seguidores.
Será que estamos de fato vivenciando o novo
amanhecer da Igreja como você tanto sonhava? Certamente ainda falta muito.
Temos sim, uma oportunidade histórica: o Papa Francisco deseja de fato uma
Igreja mais Evangélica, seguidora de Jesus, portadora da Boa Nova,
particularmente aos pobres e sofredores. Como o Papa exclama na sua Exortação: “É uma mensagem tão clara, tão direta, tão
simples e eloquente que nenhuma hermenêutica eclesial tem o direito de
relativizar... Para quê complicar o que é tão simples? As elaborações
conceptuais hão de favorecer o contato com a realidade que pretendem explicar,
e não afastar-nos dela. Isto vale, sobretudo para as exortações bíblicas que
convidam, com tanta determinação, ao amor fraterno, ao serviço humilde e
generoso, à justiça, à misericórdia para com o pobre. Jesus ensinou-nos este
caminho de reconhecimento do outro, com as suas palavras e com os seus gestos.
Para quê ofuscar o que é tão claro?” (A
Alegria do Evangelho n. 194).
A grande novidade não é o conteúdo, mas é a
maneira de viver o que já foi tão falado, estudado, refletido. É o testemunho
do papa Francisco que vem revigorando tantos que estavam caídos pelo caminho.
Como Comblin afirma: “O Evangelho para os
dias de hoje é o anuncio, a proclamação da vida de Jesus. O que nos ensinou
pela sua vida, pela sua atitude neste mundo com os poderosos, com os pobres,
com os doentes. Porque somente o seguimento de Jesus pode convencer. A teologia
não convence ninguém e nunca converteu ninguém. O que converte é o testemunho
de pessoas que vivem de acordo com o Evangelho.”
Não bastam intenções nem exortações. Para
chegar a isso é preciso formação. A mudança de mentalidade e de atitude se dá
por uma formação sólida, consistente. É preciso espiritualidade, pois como José
Comblin dizia, “para mergulhar no mundo
dos pobres, dos excluídos, dos necessitados é preciso ter uma grande força
espiritual”. É urgente repensar a formação em todos os níveis, a começar
pelos agentes eclesiais. O mundo se deixará convencer pelo ser cristão, não pelo falar de cristianismo nem de Cristo. Na sua
obra póstuma afirma: “Todos os cristãos
precisam de uma formação evangélica profunda, de diversos níveis. Os ministros
permanentes da Igreja serão formadores. Hoje em dia com Internet existem muitas
maneiras de dar formação. Sem uma formação equivalente à formação na sociedade
civil, comunidades cristãs serão impossíveis. A formação é o desafio
prioritário.”
Assim prestamos a nossa homenagem às
Escolas de Formação Missionária idealizadas por José Comblin. Neste ano de 2014
a primeira Escola iniciada em Juazeiro, Bahia completa 25 anos. Ela cresceu, floresceu e frutificou: além de
lideranças firmes atuantes neste chão nordestino, hoje temos seis escolas
espalhadas pelo Nordeste e são poucas as iniciativas de formação de leigos que
se mantem por tanto tempo. Uma proposta que segue dando certo, é atual e
criativa, lapida mentes e corações, contagiando o ardor do Evangelho de Jesus.
Interceda por nós, querido amigo José Comblin, para
que o Espírito Santo venha em socorro de nossa fraqueza e sejamos fiéis ao
Caminho de Jesus!
Monica Maria Muggler
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