segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Por uma evangelização nova (4)


Evangelizar: anunciar a boa notícia da salvação.

A evangelização voltou à pauta de reflexão da Igreja Católica Apostólica Romana. E o substantivo reapareceu unido ao adjetivo ‘nova’. Isso não deixa de representar uma certa redundância, uma vez que ‘evangelho’ significa literalmente boa notícia, e uma notícia é, por definição, algo novo. Na prática de Jesus de Nazaré, a Boa Notícia tem força de salvação: é a chegada do Reino de Deus como vida abundante para os oprimidos e marginalizados.
Eis aqui uma questão tão essencial quando complexa: o que a Igreja pretende com esta prática particular denominada evangelização? A reflexão deve começar clareando o sentido específico desta expressão. No seu uso eclesiástico, o conceito foi se afastando do seu sentido original e é concebido praticamente como uma estratégia de ensino e doutrinação, às vezes com um viés doentiamente moralista. Na melhor das hipóteses, é identificada com uma catequese mais ou menos profunda.
O texto preparatório ao Sínodo dos Bispos, diz que, em Jesus Cristo, o objetivo da evangelização é a salvação da pessoa humana, ou seja: atrair os homens e mulheres para a íntima relação com o Pai e o Espírito Santo, chamá-los à santidade e à conversão. Disso se deduz que a tarefa da Igreja e o obetivo da nova evangelização seria transmitir a fé, ou ‘transmitir o Evangelho’, agora identificado com a pessoa de Jesus Cristo. Essa identificação não nos leva a um reducionaismo perigoso e mutilador?
Vamos por partes. Evangelizar é, sim, anunciar a salvação operada por Deus em Jesus Cristo, no dinamismo do Espírito Santo. Mas qual é o conteúdo histórico-existencial dessa salvação? Na tradição bíblica, tanto do primeiro como do segundo testamento, a salvação de Deus é experimentada sempre na libertação de limitações concretas que diminuem a vida das pessoas. E isso não apenas como uma espécie de trampolim para anunciar um bem espiritual partindo de uma mudança física e material.
Jesus Cristo traz gravada no próprio nome a missão de salvar os homens e mulheres dos seus pecados. Mas como ele faz isso? Proclamando, mais com gestos e atitudes que com palavras, a dignidade inviolável das pessoas carimbadas como pecadoras e indignas pela ideologia religiosa e imperial. Dizer que as ações de libertação física e social são sinais da salvação espiritual ou do perdão dos pecados é uma perigosa inversão. O verdadeiro é o inverso: declarar que os pecados estão perdoados, curar os doentes, sentar-se à mesa com os excluídos, são afirmações da dignidade das pessoas que são colocadas no último degrau da escala social ou dela excluídas.
Mas é correto identificar sem mais ‘Evangelho’ com a pessoa de ‘Jesus Cristo’? Isso não significaria simplesmente confundir a evangelização com o anúncio de Jesus Cristo como único salvador? E não nos induziria a reduzir perigosamente o mistério da vida e da ação salvífica de Jesus Cristo s uma imagem e a uma doutrina particular que elaboramos sobre ele? Mais ainda: por traz dessa identificação não estaria a negação da dimensão histórico-libertadora do Evangelho do Reino de Deus, assim como Jesus o viveu e propôs? Uma tal concepção seria uma traição do anúncio e da ação de Jesus!
Evangelizar é anunciar, realizar e celebrar a salvação dos homens e mulheres nos seus contextos concretos. Na Conferência de Medellin, os Bispos Latino-Americanos ensinam que, assim como o povo do primeiro testamento experimentou a salvação de Deus na libertação da opressão do Egito e na conquista da terra prometida, também nós sentimos os passos do Deus que salva quando promovemos o verdadeiro desenvolvimento humano, que é a passagem de condições de vida menos humanas para situações mais humanas.
Afirmar a dignidade de toda pessoa humana, anunciar que um outro mundo é possível, ser fator de aliança entre os grupos e povos que vivem desta fé e traçar as estratégias concretas que esta fé pede hoje: eis o rosto de uma evangelização que tem como objetivo anunciar e contribuir para o processo de salvação operado por Deus. E é evidente que não podemos reduzir a nova evangelização ao anúncio de Jesus Cristo, relegando ao esquecimento aquilo que deu sentido e unidade à sua vida: a realização misteriosa mas efetiva e concreta do Reino de Deus, salvação emancipadora da pessoa concreta.
 Itacir Brassiani msf

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