sábado, 8 de setembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (3)


O Papa João Paulo II ensina que a promoção dos Direitos Humanos é um dos novos âmbitos da missio ad gentes (cf. Redemptoris Missio, 37). A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É nessa perspectiva que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008. O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

A civilização da mentira

“A destruição de dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças pela fome, cada ano, é o escândalo do nosso século. A cada cinco segundos uma criança de menos de 10 anos morre de fome. E isso num planeta no qual as riquezas são abundantes. De fato, nas atuais condições, a agricultura mundial poderia alimentar sem porblemas 12 bilhões de seres humanos, ou seja, duas vezes a população mundial. Portanto, não existe nenhuma fatalidade. Uma criança que morre de fome é uma criança assassinada” (p. 13).

É verdade que, no interior das sociedades ocidentais cada vez mais homens e mulheres se mobilizam, lutam e enfrentam a ideologia mentirosa e cínica que afirma a fatalidade das hecatombes, inclusive da fome. Aos poucos se impõe uma evidência: a fome é produzida pelas mãos humanas, e pode ser vencida pelos homens (cf. p. 19-20). É um bom sinal, mas um sinal ainda frágil.

O historiador Jean-Charles Angrand afirma que o homem branco levou a civilização da mentira a uma altura jamais alcançada. E isso foi confirmado pela III Conferência Mundial sobre a Alimentação, promovida pela FAO em Roma, no ano de 2009. Os Estados mais poderosos do planeta simplesmente ignoraram ou menosprezaram um evento mundial que tinha como objetivo discutir o fim da insegurança alimentar que vitima mais de 1 bilhão de pessoas. O representante da Suíça disse que a Conferência não lhe interessava porque no seu país ninguém passa fome!

De vez em quando, os líderes do G-8 e do G-20 se referem ao escândalo da fome no mundo. Na cúpula realizada na Escócia, em 2005, Tony Blair propôs a criação imediata de um Fundo de 50 bilhões de dólares para financiar a luta contra a miséria no continente africano. Em Aquila, Itália, no ano de 2009, Berlusconi propôs um novo plano contra a fome, para o qual foi aprovada a criação imediata de um Fundo de 20 bilhões de dólares. Até dezembro de 2010, dos 50 bilhões propostos por Blayr haviam aparecido apenas 12, e dos 20 bilhões propostos por Berlusconi, apenas 3 haviam sido depositados.

Mas é claro que os chefes de Estado do Ocidente não detém o monopólio da indiferença e do cinismo. Infelizmente! A população da Africa representa 12% da população mundial, mas o percentual de mães e bebês africanas que morrem cada ano por falta de exames pré-natal representa 50% do total mundial. Isso porque, enquanto os países da Europa investem 1.250 euros por pessoa/ano para assegurar os cuidados primários, os países da Africa subsahariana investem apenas 15 a 18 euros. Entretanto, numa das conferências da União Africana, Kadafi se recusava a discutir questões relativas à maternidade e à infância, dizendo que isso era competência da UNICEF!... (p. 85-88).

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