sexta-feira, 25 de outubro de 2013

30° Domingo do Tempo Comum

Façamos resplandecer a boa vida do Evangelho.
(Eclo 31,15-17.20-22; Sl 33/34; 2Tm 4,6-8.16-18; Lc 18,9-14)

Há mais de 80 anos, a Igreja católica do Brasil dedica o mês de outubro à oração pelas missões. Somos convidados/as a celebrar a memória do Senhor e a ouvir sua Palavra sintonizando o bater do coração, o ritmo dos passos e o olhar da fé com a missão. Que nossa oração evite a presunção da superioridade e brote da humilde consciência de que, infelizmente, o coração de nossas comunidades ainda não bate suficientemente forte e alegre ao ritmo da missão. Mas, acima de tudo, confirmemos nosso engajamento para que, como diz o Papa Francisco na sua mensagem para o Dia Mundia das Missões, resplandeça hoje e urgentemente a vida boa do Evangelho, mediante o anúncio e o testemunho, começando no interior da própria Igreja.
“O Senhor é um juiz que não faz discriminação de pessoas.”
Por mais que se queira negar ou maquiar, nosso mundo está estruturalmente dividido. Não é necessário viajar além-fronteiras para perceber que, em termos gerais, os países do hemisfério Norte, outrora denominados Primeiro Mundo, vivem na abundância de bens e oportunidades, enquanto que os países do hemisfério Sul são condenados a digerir a miséria à qual a secular expropriação os condenou. Esta divisão se mantém hoje através das barreiras legais impostas aos migrantes que fogem do Sul, muitos dos quais morrem no próprio caminho que os levaria a uma vida melhor.
Existem também divisões entre pessoas e grupos sociais. Não se trata apenas de diferença – que é um valor e um direito a ser defendido – entre pessoas, etnias e grupos, mas de divisão que hierarquiza e exclui muita gente e muitas culturas e países. Basta lembrar da primazia que a cultura e os meios de comunicação dão às pessoas e grupos ocidentais, brancos, masculinos, cultos e ricos. É evidente que os orientais, os negros e índios, as mulheres, os analfabetos e os pobres são tratados como inferiores.
Quando sublinhamos a evidência desta divisão, vozes se levantam acusando-nos de filo-marxistas, tendenciosos e interesseiros. Mas é preciso lembrar que a Palavra de Deus não põe panos quentes nem faz olho grande frente a esta divisão. Ao contrário, a bíblia inteira, especialmente os escritos proféticos e os evangelhos, mostram que Deus denuncia essa divisão como inaceitável e toma partido em favor das pessoas e grupos mais fracos: os escravos e estrangeiros, as viúvas e os órfãos, os pobres e os excluídos.
“Dois homens subiram ao templo para rezar.”
Será que esta nefasta divisão existe também no interior das nossas igrejas? Infelizmente, devemos responder dizendo que sim. Para confirmar, basta dar uma olhada atenta à primazia conferida às Igrejas européias – à teologia, ao direito e à liturgia por elas elaboradas – no confronto com as Igrejas do (mal dito) Terceiro Mundo. Não obstante a notável ajuda econômica que as primeiras versam nos cofres vazios das segundas, não é raro ouvir ainda hoje de altos hierarcas que todos os cristãos devem assimilar a fé na sua versão européia.
E tem mais. Não podemos esquecer aquela profunda e dolorida divisão – que às vezes se transforma em oposição e em condenação recíproca – entre as próprias comunidades cristãs: ortodoxos e romanos, católicos e protestantes, igrejas clássicas (católicas e evangélicas) e igrejas pentecostais, etc. Como pode ser agradável a Deus um culto no qual membros desta ou daquela igreja se gloriam por não serem como os outros: idólatras, mal-intencionados, interesseiros, exploradores da fé do povo?
A este propósito é impressionante o testemunho do apóstolo Paulo. Ele combate com tenacidade a postura de superioridade dos judeus e dos novos cristãos de origem judaica em relação aos pagãos ou aos cristãos vindos do paganismo. Quando escreve, em forma de testamento, que combateu o bom combate, completou a corrida e guardou a fé, está se referindo à sua convição de que Cristo é nossa paz, pois de dois povos fez um só povo, derrubando o muro da inimizade que os separava (cf. Ef 2,14).
“A prece do humilde atravessa as nuvens...”
No centro do evangelho deste domingo está a questão da correta atitude de quem reza. Se, no último domingo, Jesus nos pedia para não desistir de rezar, hoje ele nos pede atenção sobre como rezamos. Em forma de parábola, Jesus confronta a postura de dois personagens bem conhecidos: o fariseu, cioso de sua superioridade e perfeição, isolado das pessoas comuns, ostensiva e exteriormente piedoso; o publicano, cobrador de impostos, colaborador do poder estrangeiro, impuro e execrável aos olhos dos judeus nacionalistas, excluído da vida social e religiosa que gira em torno do templo.
Desejoso de ser visto e reconhecido, o fariseu reza de pé e olha os demais de cima para baixo. Sua oração é uma espécie de auto-elogio e, ao mesmo tempo, desprezo e condenação dos demais. É como se o próprio Deus fosse obrigado a agradecê-lo por ser tão bom e correto. O publicano praticamente não entra no templo e, sem coragem mesmo de levantar os olhos, bate no peito reconhecendo sua condição ambivalente e pedindo que Deus se compadeça dele.
É bem possível que estas diferentes posturas na oração não seja um problema somente do judaísmo. Se Lucas nos traz esta questão é porque ela estava presente também nas comunidades cristãs. A ostentação e a pretensão de superioridade, sempre acompanhadas de uma agressiva discriminação, contaminaram também os cristãos e infelizmente resistem, como erva daninha difícil de erradicar, até os nossos dias. E quase sempre vêm revestidas com a atraente roupagem da piedade.
 “O pobre clama a Deus e ele escuta...”
Desde a parábola de Abel e Caim , sentimo-nos incomodados diante da imagem de um Deus que não trata a todas as pessoas do mesmo modo. Imaginamos um Deus com os olhos vedados, como a clássica imagem da justiça. Como diante da lei todos seriam iguais, a justiça não poderia ter preferências... Mas Deus não é assim. “Ele não é parcial em prejuízo do pobres, mas escuta, sim, as súplicas dos oprimidos; jamais despreza a súplica do órfão, nem da viúva, quando desabafa suas mágoas.”
A humanidade que queremos única começa a ser gerada exatamente quando, em nome de Deus, evitamos a parcialidade que relega os fracos a um sofrimento contínuo e assumimos a luta pelos seus direitos não reconhecidos ou não atendidos. A sonhada humanidade chamada a ser única família não será uma realidade enquanto insistirmos numa igualdade apenas formal das pessoas, uma igualdade negada descaradamente pelas escandalosas desigualdades econômicas, sociais, culturais e religiosas.
Voltemos a Abel e Caim (cf. Gn 4,1-16). Abel é pastor, não tem terra, vive como migrante, numa insegurança estruturalmente provocada. Caim é agricultor, administra uma propriedade, goza de estabilidade. Não há porque estranhar quando o texto sagrado diz que “o Senhor olhou para Abel e sua oferta, mas não deu atenção a Caim com sua oferta”. O que Caim era realmente acaba vindo à tona logo em seguida: se mostra absolutamente indiferente e mortalmente violento em relação ao seu irmão.
“Ele fez com que a mensagem fosse anunciada integralmente...”
A humanidade tem como vocação ser uma só família. A interdependência dos povos e nações é já um fato objetivo, mas precisa se tornar um valor assimilado subjetivamente e garantido estruturalmente. Sabemos que um acontecimento econômico relevante nos EUA repercute em todo o globo, e que uma crise política no Oriente Médio agita todas bolsas de valores e, interferindo na cotação do petróleo, penaliza os produtores dos mais remotos rincões do mundo. A interdependência é um fato.
Mas o desafio – e nisso a missão dos cristãos pode contribuir enormemente! – é transformar esta solidariedade objetiva e estrutural num valor a ser positivamente buscado e assegurado em favor de todos. A dignidade da pessoa humana independe de sua origem étnica, pertença religiosa, nacionalidade, convicção política, identidade sexual ou grau de instrução. Estas diferenças não dividem, nem hierarquizam; apenas distinguem, complementam e enriquecem.
 “Combati o bom combate, completei a corrida...”
Deus Pai-Mãe, tu fazes a prece do humilde atravessar as nuvens. Despoja-nos de todo orgulho arrogante e de toda competição infantil. Ajuda-nos a anunciar teu Evangelho integralmente e a fazer resplandecer, pelo anúncio e pelo testemunho, a boa notícia e a boa vida que ele nos traz. E isso até que a humanidade seja de fato uma família, na qual todos os membros são queridos e respeitados. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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