sábado, 16 de dezembro de 2023

O Evangelho dominical (Pagola) - 17.12.2023

NO MEIO DO DESERTO

Os grandes movimentos religiosos nasceram quase sempre no deserto. São os homens e as mulheres do silêncio e da solidão que, ao verem a luz, podem tornar-se professores e guias da humanidade. No deserto não é possível dar atenção ao que é supérfluo. No silêncio só se ouvem as questões essenciais. Na solidão só sobrevive quem se alimenta do que tem dentro.

No quarto evangelho, o João Batista é reduzido ao essencial. Não é o Messias, nem Elias regressado à vida, nem o Profeta esperado. É «a voz que clama no deserto». Não tem poder político, não tem título religioso. Não fala a partir do templo ou da sinagoga. A sua voz não nasce da estratégia política nem dos interesses religiosos. Vem do que escuta o ser humano quando se aprofunda no essencial.

O pressentimento do Batista pode ser resumido assim: «Há algo maior, mais digno e esperançoso do que aquilo que estamos vivendo. A nossa vida tem de mudar desde a raiz. Não basta frequentar a sinagoga sábado após sábado, de nada serve ler rotineiramente os textos sagrados, é inútil oferecer regularmente os sacrifícios prescritos pela Lei. Nenhuma religião dá vida. Devemos abrir-nos ao Mistério do Deus vivo.

Na sociedade da abundância e do progresso torna-se cada vez mais difícil ouvir uma voz que venha do deserto. O que se ouve é a publicidade do supérfluo, a divulgação do trivial, o palavreado de políticos prisioneiros da sua estratégia e até discursos religiosos interesseiros.

Alguém poderia pensar que já não é possível encontrar testemunhas que nos falem a partir do silêncio e da verdade de Deus. Mas não é assim. No meio do deserto da vida moderna podemos encontrar-nos com pessoas que irradiam sabedoria e dignidade, pois não vivem do supérfluo. Pessoas simples, carinhosamente humanas. Não pronunciam muitas palavras. É a sua vida que fala.

Eles nos convidam, como o Baptista, a deixar-nos «batizar», a mergulharmos numa vida diferente, a receber um novo nome, a «renascer» para não nos sentirmos produtos desta sociedade nem filhos do meio ambiente, mas sim filhos e filhas amados de Deus.

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

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