sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

O Evangelho dominical (Pagola) - 25.12.2023

NÃO FICARMOS DE FORA

Há quem viva a religião como «de fora». Fazem orações, assistem celebrações religiosas, ouvem falar de Deus, mas limitam-se a ser uma espécie de espectadores. Como diz o pensador francês Marcel Légaut, vivenciam tudo a partir de uma representação extrínseca de Deus. Não entram na aventura de encontrar-se com Deus. Ficam sempre a uma certa distância.

No entanto, Deus está no íntimo de cada ser humano. Não é algo separado da nossa vida. Não é uma invenção da nossa mente, uma representação meio intelectual ou meio afetiva, um jogo da nossa imaginação que nos ajuda a viver animados. Deus é uma presença real que está na raiz do nosso ser.

Esta presença não é evidente. Não se capta como se captam outras coisas mais superficiais. É percebido na medida em que um se apercebe de si mesmo de forma profunda. O seu mistério é tão inalcançável como o mistério de cada ser humano. Deus faz-se presente para mim quando me faço presente a mim mesmo com verdade e sinceridade. Não é possível entrar na experiência de Deus vivendo fora de si mesmo.

Sem esta abertura interior a Deus não há fé viva. A voz de Deus começa a ser escutada quando escutamos profundamente a nossa verdade. Deus atua em nós quando deixamos que ele ative o que há de melhor no nosso ser. Toma corpo na nossa existência na medida em que o acolhemos. A sua presença vai-se configurando em cada um de nós, adaptando-se ao que o deixamos ser.

O humano e o divino não são realidades que se excluam mutuamente. Não temos de deixar de ser humanos para sermos de Deus. O humano é a porta que nos permite entrar no divino. De fato, as experiências mais intensas de comunicação, de amor, de dor purificadora, de beleza ou de verdade são o canal que melhor nos abre à experiência de Deus.

Não é de surpreender que o evangelho de João apresente Cristo, Deus feito homem, como a porta pela qual o crente pode entrar e caminhar em direção a Deus. Em Cristo podemos aprender a viver uma vida tão humana, tão verdadeira, tão profunda, que, apesar dos nossos erros e mediocridade, nos pode levar até Deus. Mas devemos ouvir bem a advertência do evangelista. A Palavra de Deus «veio ao mundo», e o mundo «não o conheceu»; «veio à sua casa» e «os seus não a receberam».

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez 

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