No início do
mês de março o Pe. Elmar Sauer deixou Ipameri (GO), onde havia trabalhado por
mais de 10 anos, e partiu para a missão em Moçambique. Eis aqui a primeira
partilha que nos enviou, com informações e impressões.
O Pe. Elmar
havia visitado a missão logo nos inicios, em 2008. É graças ao seu entusiasmo e
empenho que hoje temos uma pequena comunidade em Mecuburi. Naquela
oportunidade, ele recebeu seu “batismo” de malária que, por questão de horas,
não o levou à morte.
Poucas
semanas depois da sua recente chegada a Mecuburi, ainda em março, o Pe. Elmar
recebeu sua “crisma” de malária. Os demais coirmãos já estão habituados à uma
malária por mês... Mas infelizmente, os tratamentos e remédios não estão
conseguindo debelar o vírus que se abrigou no corpo do Elmar. Estão fazendo a
última tentativa... Enquanto lemos sua partilha, rezemos para que ele não seja
obrigado a retornar definitivamente ao Brasil.
Vista da Casa da Missao (2008) |
Cheguei bem. Fui acolhido pelos colegas Edilson
e Pedro, no aeroporto de Nampula. De lá, após algumas paradas técnicas para
abastecer, comprar pão, colchões e outros, tomar um cafezinho na casa das Irmãs
Servas de Nossa Senhora de Fátima (que tem casa em Mecuburi) seguimos a
Mecuburi. A estrada, no período de chuvas, se encontra com trechos ruins e
outros em razoáveis condições de trafego. Os veículos sofrem, sentem as
conseqüências das péssimas condições das rodovias.
Chegamos a Mecuburi, onde o Neiri nos
aguardava. Logo a seguir, chegava outra comitiva: Dom Jaime (bispo de Osório,
responsável pela animação missionária do Sul III) e os padres Rodrigo e João
Carlos (Joca). O primeiro já está trabalhando na Missão de Micane, na paróquia
de Noma. O último, como eu, estava chegando a Nampula, para ajudar em
Noma. Vieram fazer uma visita à nossa
missão. No dia seguinte retornaram a Nampula. Depois seguiriam viagem a
Lichinga.
Encontrei os companheiros bem animados, mas
também com sinais visíveis de cansaço. A jornada é árdua e os recursos bem
escassos. O distrito de Mecuburi apresenta vestígios fortes de mudanças. Um
posto de abastecimento (movido à energia solar) está em construção. O número de
chapas (vans ou paus-de-arara) em
circulação cresceu significativamente. O numero de motos também aumentou
consideravelmente. A promessa de energia elétrica continua em pé, já há algum
material (por exemplo, cabos estocados na rodovia de saída para cá, em Rapalle).
Em nossa casa de missão, temos energia solar,
com iluminação em todas as dependências, uma melhora de expressão. O fogão a
gás, a geladeira a gás completam o cenário de “modernidade”. Muitas reformas e
melhorias nas dependências (boa parte eram meras ruínas em 2008, quando fiz uma
visita aqui) garantem um visual bem melhor. Do outro lado da estrada de acesso
ao distrito, diversas novas construções começam a definir o cenário da escola rural, já em plena atividade, com
25 alunos. As construções continuam e ocupam bastante tempo dos colegas.
Diversos passos foram dados, mas há um longo caminho a percorrer: garantir
tecnologia de produção às famílias locais é um desafio hercúleo em terras
africanas-moçambicanas. Como garantir
recursos de recuperação de solo tão maltratado? A presença de cupinzeiros
gigantes é uma amostra óbvia da alta acidez do solo. E o povo vive apenas com
duas ferramentas: enxada e facão. Se há algum supérfluo por aqui, só pode ser a
miséria.
O povo daqui nos vê como brancos e ricos. Se comparados
a partir deles isso é visceralmente verdadeiro. Os questionamentos maiores que
nos acompanham são ainda os mesmos: o que significa nossa presença e ação aqui?
Quais são, de fato, os reais objetivos que perseguimos?
As condições de circulação, como já me referi
anteriormente, são precárias. Sábado passado, Neiri e Pedro se dirigiam a
Milhama, mas retornaram antes do meio dia, pois dois caminhões atolados impediram
a continuação da viagem.
Pe. Elmar Sauer em Mecuburi (2008) |
A realidade da língua, começo a senti-lo mais
fortemente, é um enorme desafio. Os documentos ou textos que a direção da
igreja local produz, em língua macua, revelam que ela continua o instrumento
básico de comunicação. Há poucos textos em português para animadores e
catequistas. É notório e perceptível que o proposto nas cartilhas anda distante
do que se vê por aqui. Dois círculos mantêm este povo “refugiado” em sua
autonomia: língua e religião (chamada, muitas vezes, de religião tradicional).
Se no Brasil a missa de 7º dia é uma das ocupações ordinárias da agenda
pastoral, aqui as exéquias são assunto exclusivo dos nativos. Tenho a impressão
que vivemos algo semelhante aos espíritas também católicos, em escala e
intensidade pequenas, no Brasil.
Moçambique assiste uma verdadeira corrida de
congregações para cá. Seria esse fenômeno um sinal do Reino de Deus ou uma
tentativa de sobrevida das respectivas instituições religiosas? É inequívoco
que há trabalhos sociais significativos em diversas partes. O real motor da
missão, não na retórica, não me parece tão cristalino. Há dioceses que apelam
para a maior presença de religiosos na zona rural. A cidade de Nampula e seu entrono já
experimenta uma espécie de “poluição” de congregações religiosas. Em geral, a justificativa
se relaciona com a preocupação formativa de vocacionados (as). Em Namina,
região pastoral da missão local, está uma comunidade de Irmãs Capuchinhas,
oriundas do Nordeste brasileiro. Abriram aquela casa, por indicação do bispo de
Nampula, a fim de que pudessem abrir lá uma casa de formação. O assunto
vocacional, aliás, merece uma abordagem bem complexa (tema para o futuro
próximo).
A revista “Vida
Nova”, da arquidiocese de Nampula, faz diversos apontamentos (nos números
de 2012) sobre os impactos da presença de empresas multinacionais. Um texto
fala especificamente sobre os malfeitos oriundos da ação da Vale do Rio Doce, na região de Tete.
Aborda a questão do deslocamento de populações para regiões de terras fracas e
com sérios problemas de abastecimento de água. O governo faz propaganda
intensiva da vinda de capitais estrangeiros e da criação de empregos.
Ir. Edilson conversa com o lider de comunidade |
Os textos aos quais me referi não chegam a
analisar os contratos de concessão de direito de mineração ou as cláusulas para
ocupação de solo nas plantações de eucalipto. Não vislumbrei qualquer vestígio
de política agrícola para os pequenos (melhor seria chamá-los simplesmente de micro) agricultores. Todos vivem como
posseiros, sem direto algum de propriedade, portanto, sujeitos a mudanças, sem
chance de reação, ao menos legal. Diversos produtores brasileiros estão sendo
aliciados para plantar soja em Moçambique.
Também não soube nada sobre a preocupação social do governo local.
Nosso fraterno abraço a todos!
Mecuburi,
19 de março, dia do nosso glorioso justo São José.
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