quarta-feira, 25 de abril de 2012

Gao, Mali


Um belo testemunho de convivência entre cristãos e mussulmanos
Regiao de Gao (Mali)
Sob a ameaça direta de grupos islâmicos radicais, os cristãos do norte de Mali foram protegidos e socorridos pela solidariedade de vizinhos mussulmanos. “Nós, cristãos do norte, fomos perseguidos pelos grupos islâmicos radicais e salvos pelos mussulmanos”, diz com ênfase Pedro, um católico de Mali, empregado de uma organização humanitária de Gao e refugiado em Bamako.
“Eu vivia em Gao há 7 anos”, diz ele. “As relações entre cristãos e mussulmanos nunca foram conflituosas. Somente uma minoria se deixa guiar por maus sentimentos a nosso respeito. Jogavam pedras quando fazíamos a via-sacra fora da igreja... A polícia tinha que intervir para nos proteger.”
Mas tudo mudou quando os rebeldes tomaram Gao, no dia 31 de março de 2012. Foi o começo do medo para os 300 cristãos que vivem no local. “Em poucas horas, os grupos radicais destruíram nossa paróquia. Jamais havíamos visto isso desde o início da Igreja em nossa cidade, há mais de 100 anos atrás”, diz desolado um outro fiel.

A missão católica sob pressão
O testemunho de pessoas expulsas contam a mesma história: apenas a cidade caiu sob o comando dos grupos radicais rebeldes, um grupo de djihadistas (defensores da guerra santa) ameaçou a missão católica e pediu pelos padres. “Nós viemos para degolá-los...”, diziam eles. Informados disso, os padres e religiosos puderam fugir a tempo.
“Os djihadistas se apossaram de todos os lugares simbólicos católicos, começando pela igreja, mas também da Escola Santa Genoveva, da hospedaria, da crcehe e da biblioteca da missão católica... Eles estavam raivosos...”, diz Pedro, acrescentando: “Chamaram-me para cuidar de 13 mulheres ensanguentadas, acomodadas sobre uma charrete. Todas trabalhavam em bares que vendiam bebidas alcoólicas. Quem se ocupa disso em geral é considerado cristão... Todas haviam sido violentadas. Cuidei delas como pude e as coloquei no primeiro ônibus para Mopti. Depois não entrei mais na minha casa. Tinha medo de ser identificado como cristão....”

Sede da Caritas totalmente destruida
A tensão aumenta com a chegada de islamistas estrangeiros
Os cristãos de Gao tem uma experiência comum: “Como a maior parte de nós, encontrei refúgio junto a um amigo mussulmano. O líder do bairro mandou que nos misturássemos com a população e usássemos o turbante, como o fazem os tamachèques (chefes negros)”, explica Pedro. “Durante o dia eu saía assim, com um amigo. Os barbudos procuravam os militares em trajes civis, os funcionários públicos, os cristãos e os ladrões. E matavam todos os que encontravam. Graças a Deus, nenhum cristão foi preso por ser cristão.”
João, funcionário público em Gao há 10 anos, viveu o mesmo calvário. “Eu circulava em toda a região, entre Gao e Kidal. Minhas relações com os salafistas eram muito boas. Mas começaram a se complicar com a chegada, no fim do ano 2000, dos salafistas árabes, do Iêmem, do Qatar ou do Sudão, não sei exatamente de onde... Em 2010, assim que Iyad Ag Ghaly, líder do grupo radical islâmico Ansar Dine chegou da Arábia Saudita, o movimento salafista cresceu. Tudo se complicou com a chegada de mercenários de Mali, depois da queda de Kadhafi.”
“A partir de 17 de janeiro”, continua João, “os acontecimentos se encadearam com uma rapidez incontrolável. As cidades caíram uma após outra, como peças de dominó: Aguelhock, Ménaka, Léré, Tessalit, Kidal, Gao... Nós ficamos isolados, à mercê de gente louca, que violaram as jovens e as mulheres do nosso guardião e roubaram tudo. Nós batemos à porta de um amigo mussulmano, o qual nos escondeu durante vários dias...”

Igrejas saqueadas na região de Tombouctou
Hoje João vive com sua esposa na casa de um dos filhos, em Tombouctou. Não pensa voltar de modo nenhum a Gao. Pedro, da sua parte, foi assumido, em Bamako, pela organização humanitária para a qual trabalhava no norte.
Em Tombouctou, onde o número de cristãos está entre 300 e 400, cessou a destruição de edifícios religiosos. “Por outro lado”, assegura um Pastor da região, “as igrejas de Dirée, a 80 km de Tombouctou, e de Nianfinké, a 180 km da cidade, foram saqueadas.”
Como as reinvindicações dos grupos rebeldes eram políticas , assim que os touaregs do MNLA assumiram o controle de Tombouctou, os cristãos pensavam que não precisariam temer nada. “Mas quando percebemos que a cidade havia sido ocupada também por gente do Ansar Dine, do Aqmi, por anciãos do FIS algeriano e por mercenários do Chade, começamos a ter medo. Logo que eles estabeleceram a sharia (lei islâmica), continua o Pastor, os salafistas passaram a seguinte mensagem: quem não é de acordo com a sharia deve abandonar a cidade.”

Ajuda fraterna dos habitantes de Bamako
Junto com outros 180 cristãos de Tombouctou e de Gao, o Pastor encontrou refúgio na missão protestante de Bamako. Por enquanto, são sustentados pelas Igrejas protestantes, pela diocese católica de Bamako e por malineses do bairro. “Estes são mussulmanos. Eles nos dão vestes, alimentos, dinheiro... Eles nos sustentam”, destaca este Pastor de Tombouctou.
Asmanifestaçoes se sucedem...
Mais ao norte, em Kidal, onde vive uma comunidade de 20 católicos, ninguém sofreu violência ou foi morto, segundo algumas testemunhas. Uma delas, Théophane, um comerciante de 30 anos, relata: “Assim que os barbudos dominaram a cidade, eles mataram todos os militares e funcionários públicos que encontraram. Espalhou-se a notícia de que eles procuravam também os cristãos. Mas todo mundo me conhece, e ninguém me denunciou. Mas abandonei a cidade assim que me foi possível. Aqui em Bamako, há uma semana, fui acolhido e moro com meu amigo Ibrahim. Sem ele, eu estaria no olho da rua...” Perguntado pela razão pela qual, mesmo sendo pobre, abriu sua casa a Théophane, Ibrahim respondeu: “A amizade não deve durar apenas alguns dias; a amizade é para sempre...”
Laurent Larcher
(traduzido do francês por Itacir Brassiani msf)

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