Um belo testemunho de convivência entre
cristãos e mussulmanos
Regiao de Gao (Mali) |
Sob a ameaça
direta de grupos islâmicos radicais, os cristãos do norte de Mali foram
protegidos e socorridos pela solidariedade de vizinhos mussulmanos. “Nós,
cristãos do norte, fomos perseguidos pelos grupos islâmicos radicais e salvos
pelos mussulmanos”, diz com ênfase Pedro, um católico de Mali, empregado de uma
organização humanitária de Gao e refugiado em Bamako.
“Eu vivia em
Gao há 7 anos”, diz ele. “As relações entre cristãos e mussulmanos nunca foram
conflituosas. Somente uma minoria se deixa guiar por maus sentimentos a nosso
respeito. Jogavam pedras quando fazíamos a via-sacra fora da igreja... A
polícia tinha que intervir para nos proteger.”
Mas tudo
mudou quando os rebeldes tomaram Gao, no dia 31 de março de 2012. Foi o começo
do medo para os 300 cristãos que vivem no local. “Em poucas horas, os grupos
radicais destruíram nossa paróquia. Jamais havíamos visto isso desde o início
da Igreja em nossa cidade, há mais de 100 anos atrás”, diz desolado um outro
fiel.
A missão católica sob pressão
O testemunho
de pessoas expulsas contam a mesma história: apenas a cidade caiu sob o comando
dos grupos radicais rebeldes, um grupo de djihadistas
(defensores da guerra santa) ameaçou a missão católica e pediu pelos padres. “Nós
viemos para degolá-los...”, diziam eles. Informados disso, os padres e
religiosos puderam fugir a tempo.
“Os djihadistas se apossaram de todos os lugares
simbólicos católicos, começando pela igreja, mas também da Escola Santa
Genoveva, da hospedaria, da crcehe e da biblioteca da missão católica... Eles
estavam raivosos...”, diz Pedro, acrescentando: “Chamaram-me para cuidar de 13
mulheres ensanguentadas, acomodadas sobre uma charrete. Todas trabalhavam em
bares que vendiam bebidas alcoólicas. Quem se ocupa disso em geral é
considerado cristão... Todas haviam sido violentadas. Cuidei delas como pude e
as coloquei no primeiro ônibus para Mopti. Depois não entrei mais na minha casa.
Tinha medo de ser identificado como cristão....”
Sede da Caritas totalmente destruida |
A tensão aumenta com a chegada de islamistas estrangeiros
Os cristãos
de Gao tem uma experiência comum: “Como a maior parte de nós, encontrei refúgio
junto a um amigo mussulmano. O líder do bairro mandou que nos misturássemos com
a população e usássemos o turbante, como o fazem os tamachèques (chefes negros)”, explica Pedro. “Durante o dia eu saía
assim, com um amigo. Os barbudos procuravam os militares em trajes civis, os
funcionários públicos, os cristãos e os ladrões. E matavam todos os que
encontravam. Graças a Deus, nenhum cristão foi preso por ser cristão.”
João, funcionário
público em Gao há 10 anos, viveu o mesmo calvário. “Eu circulava em toda a região,
entre Gao e Kidal. Minhas relações com os salafistas
eram muito boas. Mas começaram a se complicar com a chegada, no fim do ano
2000, dos salafistas árabes, do Iêmem,
do Qatar ou do Sudão, não sei exatamente de onde... Em 2010, assim que Iyad Ag
Ghaly, líder do grupo radical islâmico Ansar
Dine chegou da Arábia Saudita, o movimento salafista cresceu. Tudo se complicou com a chegada de mercenários
de Mali, depois da queda de Kadhafi.”
“A partir de
17 de janeiro”, continua João, “os acontecimentos se encadearam com uma rapidez
incontrolável. As cidades caíram uma após outra, como peças de dominó:
Aguelhock, Ménaka, Léré, Tessalit, Kidal, Gao... Nós ficamos isolados, à mercê
de gente louca, que violaram as jovens e as mulheres do nosso guardião e
roubaram tudo. Nós batemos à porta de um amigo mussulmano, o qual nos escondeu
durante vários dias...”
Igrejas saqueadas na região de Tombouctou
Hoje João
vive com sua esposa na casa de um dos filhos, em Tombouctou. Não pensa voltar
de modo nenhum a Gao. Pedro, da sua parte, foi assumido, em Bamako, pela
organização humanitária para a qual trabalhava no norte.
Em Tombouctou,
onde o número de cristãos está entre 300 e 400, cessou a destruição de edifícios
religiosos. “Por outro lado”, assegura um Pastor da região, “as igrejas de
Dirée, a 80 km de Tombouctou, e de Nianfinké, a 180 km da cidade, foram
saqueadas.”
Como as
reinvindicações dos grupos rebeldes eram políticas , assim que os touaregs do MNLA assumiram o controle de
Tombouctou, os cristãos pensavam que não precisariam temer nada. “Mas quando
percebemos que a cidade havia sido ocupada também por gente do Ansar Dine, do Aqmi, por anciãos do FIS algeriano e por mercenários do Chade,
começamos a ter medo. Logo que eles estabeleceram a sharia (lei islâmica), continua o Pastor, os salafistas passaram a
seguinte mensagem: quem não é de acordo com a sharia deve abandonar a cidade.”
Ajuda fraterna dos habitantes de Bamako
Junto com outros
180 cristãos de Tombouctou e de Gao, o Pastor encontrou refúgio na missão
protestante de Bamako. Por enquanto, são sustentados pelas Igrejas
protestantes, pela diocese católica de Bamako e por malineses do bairro. “Estes
são mussulmanos. Eles nos dão vestes, alimentos, dinheiro... Eles nos sustentam”,
destaca este Pastor de Tombouctou.
Asmanifestaçoes se sucedem... |
Mais ao
norte, em Kidal, onde vive uma comunidade de 20 católicos, ninguém sofreu violência
ou foi morto, segundo algumas testemunhas. Uma delas, Théophane, um comerciante
de 30 anos, relata: “Assim que os barbudos dominaram a cidade, eles mataram
todos os militares e funcionários públicos que encontraram. Espalhou-se a notícia
de que eles procuravam também os cristãos. Mas todo mundo me conhece, e ninguém
me denunciou. Mas abandonei a cidade assim que me foi possível. Aqui em Bamako,
há uma semana, fui acolhido e moro com meu amigo Ibrahim. Sem ele, eu estaria
no olho da rua...” Perguntado pela razão pela qual, mesmo sendo pobre, abriu
sua casa a Théophane, Ibrahim respondeu: “A amizade não deve durar apenas
alguns dias; a amizade é para sempre...”
Laurent Larcher
(traduzido do francês por Itacir Brassiani msf)
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