Estimada Presidenta Dilma Rousseff,
Nós, participantes do Grupo Emaús abaixo relacionados, queremos parabenizá-la
por seu esforço e desempenho durante a árdua campanha eleitoral, bem como pelas
conquistas de seu primeiro mandato. Somos um grupo de teólogos/as de várias
Igrejas cristãs, sociólogos/as, educadores/as e militantes que nos encontramos
regularmente há quatro décadas. Estamos todos comprometidos na construção de um
Brasil, social e economicamente mais justo, solidário e sustentável.
A maioria batalhou, desde o início, em favor do PT e de seu projeto de
sociedade. Nessas eleições de 2014, muitos de nós expressamos publicamente
nosso apoio à sua candidatura. Discutimos e polemizamos, pois, percebíamos o
risco de que o projeto popular do PT, representado pela Senhora, não pudesse se
reafirmar e consolidar. Para nós cristãos, especialmente nas milhares de
comunidades de base, tínhamos e temos a convicção de que a participação
política, de cunho democrático, popular e libertador, se apresenta como um
instrumento para realizar os bens do Reino de Deus.
Esses valores são a centralidade dos pobres, a conquista da justiça
social, a mútua ajuda, a busca incansável da dignidade e dos direitos dos
oprimidos, a valorização do trabalhador e da trabalhadora, a justa partilha e o
respeito pela Mãe Terra. Por isso, na linha do diálogo que a Senhora propôs à
sociedade, queremos apresentar algumas sugestões para que seu governo continue
implementando o projeto que tanto beneficia a sociedade brasileira, especialmente
os mais vulneráveis.
Estas são as grandes opções que, acreditamos, devem estar presentes na
construção do Brasil que queremos:
1. PROMOVER UMA
REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO
Uma reforma que acabe com o financiamento de campanhas eleitorais e
partidos políticos por empresas privadas, e estabeleça o financiamento público.
Uma reforma que possibilite a participação dos cidadãos e cidadãs no processo
de tomada de decisões sobre a política econômica; sobre todo e qualquer projeto
que tenha forte impacto social e ambiental; sobre a privatização de empresas estatais
e de serviços públicos. Uma reforma que contemple também a democratização do
Poder Judiciário, pois ele é, hoje, o menos controlado dos três poderes. Só assim poderemos dizer que caminhamos para
uma democracia política, econômica, social e cultural, num diálogo efetivo
entre membros da sociedade política e da sociedade civil, que signifique
governo do povo, pelo povo, para o povo.
2. REFORÇAR UM MODELO ECONÔMICO MAIS SOCIAL E
POPULAR
Repensar criteriosamente a privatização de serviços públicos e de nossas
riquezas naturais (entre as quais o petróleo). Orientar um modelo econômico
centrado nas pessoas, na realização de seus direitos e numa relação harmoniosa
com a natureza, no "bem viver", como condição para enfrentar a grave
crise ecológica na qual estamos imersos. Deve ficar claro para todos, assim o
desejamos, que o governo Dilma governa todo o País, mas privilegiando os pobres
e aqueles que não são capazes se manter por sua própria conta.
3.
REALIZAR UMA AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA
Auditoria da dícida externa e interna, conforme exigência de nossa
Constituição (Constituição Federal, Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, art. 26, 1988).
Precisamos saber a quem deve e quanto deve realmente o Brasil, e de que forma
foi feita esta dívida. A única auditoria que o Brasil fez, em 1931, constatou
que 60% da dívida eram irregular, legalmente inexistentes. Em 2000, tivemos um
Plebiscito Popular sobre a Dívida Externa, do qual participaram 6 milhões de
pessoas, e 95% votaram pela realização da auditoria da dívida. O Equador
realizou uma auditoria da dívida pública em 2009, e descobriu que 70% da dívida
eram irregulares. A partir de então, passou a pagar apenas 30%, o restante foi
investido em saúde e educação.
4. REAVALIAR
OS MEGAPROJETOS À LUZ DE CRITÉRIOS ECOLÓGICO-AMBIENTAIS E SOCIAIS
Para que não ameacem o meio ambiente e o habitat de povos indígenas, quilombolas
e populações ribeirinhas. Investir nas energias renováveis, especialmente na
energia solar, visto que somos um dos países mais ensolarados do mundo.
Estabelecer uma estratégia para o gradual fim da utilização de fontes de
energia prejudiciais ao meio ambiente e perigosas à vida, como a energia
nuclear e as termelétricas.
5. PROTEGER O MEIO AMBIENTE
Há anos, cientistas, movimentos sociais, entidades ambientalistas e
muitas ONGs vêm advertindo para os sérios problemas climáticos que o Brasil
teria se mantiver o tipo de desenvolvimento predatório implementado até agora.
O que era uma previsão está ocorrendo diante de nós: a crise mais séria de
falta de água de que já ouvimos falar, com riscos evidentes para a população, e
a ocorrência de chuvas torrenciais, verdadeiras tempestades, em diferentes
lugares do País, que causam destruição e mortes.
A desconsideração para com a Amazônia e o Cerrado, com a continuidade do
desmatamento - mesmo que o ritmo do desmatamento tenha diminuído -, é o
principal fator para as chuvas desmedidas no Norte e a seca no Sudeste. O
Brasil precisa assumir a meta do "desmatamento zero".
A falta d’água é fruto de vários fatores, entre os quais a desatenção
para com as condições de vitalidade dos nossos rios, a realização de megaprojetos,
a destruição das matas ciliares, a poluição das águas e a ausência de
infraestrutura sanitária e tratamento de esgotos. O Brasil tem uma situação
privilegiada no mundo: 13,8% da água doce estão aqui. O maior aquífero, o Alter do Chão, se encontra em nosso
País. E, no entanto, vários de nossos rios estão secando, e começa a faltar
água em muitos lugares. A segunda maior reserva subterrânea de água doce do
mundo, o aquífero Guarani, vem sendo contaminado pela infiltração de
agrotóxicos.
Vemos como urgente uma política que privilegie uma mudança da nossa
matriz energética em direção a energias mais limpas (solar e eólica), com menor
impacto ambiental (grandes hidrelétricas) ou agravamento da contaminação
ambiental e do aquecimento global (térmicas a carvão, petróleo e gás).
6. DEFENDER OS DIREITOS DE POVOS INDÍGENAS E
QUILOMBOLAS
Os primeiros habitantes desta terra foram os povos indígenas. Quando os
portugueses aqui chegaram, calcula-se que havia cerca de cinco milhões,
repartidos em mais de 600 povos, com suas diferentes culturas e línguas. A
colonização provocou um verdadeiro genocídio: povos inteiros desapareceram,
restando, hoje, menos de um milhão e pessoas. Muitos deles não têm mais terra
onde morar - eles que eram os donos milenares destas terras - e estão sendo
dizimados, como é o caso dos Guarani-Kaiowá. Outros estão perdendo suas terras
e, sobretudo, seus rios, para megaprojetos, para o agronegócio, para
mineradoras. O mesmo acontece com comunidades quilombolas.
É urgente garantir os direitos constitucionais desses povos,
restabelecer suas condições de vida, fazendo florescer toda a riqueza de sermos
um País pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico, se é que queremos chamar
a nossa sociedade de civilização: uma civilização que não faz respeitar os
direitos humanos não tem direito a este nome.
7.
REALIZAR A REFORMA AGRÁRIA
Esta é uma reivindicação dos trabalhadores rurais que data da primeira
metade do século XX, e que foi um dos motivos para o golpe militar de 1964. A
ditadura impediu a reforma agrária, mas os governos posteriores também não a
realizaram. É uma reforma estrutural
necessária para acabar com a concentração da propriedade da terra - onde 1% dos
proprietários detém quase metade da terra - para democratizar o seu acesso,
fazendo com que a terra se destine a quem nela queira trabalhar e produzir
alimentos para a população. E garantir condições favoráveis para as pessoas
poderem se manter no campo.
8.
PROMOVER A REFORMA URBANA
Para democratizar o direito à cidade. Que as cidades sejam feitas para
as pessoas e não para os automóveis; investir no transporte público de
qualidade, priorizar o uso dos trilhos (metrô, trens), reduzir o tempo de
deslocamento entre casa e trabalho. No que diz respeito à habitação, conter a
especulação imobiliária e garantir que todos tenham condições de morar
dignamente, com pleno acesso aos serviços públicos.
9. RESTRINGIR TRANSGÊNICOS E AGROTÓXICOS
Até há alguns anos, havia dúvidas sobre se os transgênicos faziam mal à
saúde. Este ano, um manifesto de 815 cientistas de todo o mundo alertou os
governos de que os transgênicos representam um perigo e que se deveriam
estabelecer uma moratória de cinco anos sem transgênicos, até que pesquisas
independentes comprovem que fazem bem ao ser humano. É urgente uma política
para reduzir, controlar e acabar com este tipo de plantio que está prejudicando
a geração atual, mas prejudicará, ainda mais, as gerações futuras. E pior que
isso, permite o controle de nossa agricultura por grandes multinacionais desta
área, cujo único interesse são os lucros cada vez maiores, pondo em risco nossa
soberania alimentar.
O mesmo se pode dizer sobre o uso de agrotóxicos: nós somos o maior
consumidor de agrotóxicos em nível mundial. Nos países desenvolvidos, vários
dos agrotóxicos que aqui ainda são usados foram proibidos há mais de 20 anos.
Como chamou nossa atenção o cineasta Sílvio Tendler, "o veneno está na
mesa". É absolutamente fundamental estabelecer uma política de estrito
controle sobre as substâncias que entram nos nossos alimentos, e reduzir
sistematicamente o seu uso.
10.
REFORMA TRIBUTÁRIA
Reformar o nosso sistema tributário para que ele seja progressivo, isto
é, para que pague mais quem ganha mais, e pague menos (ou nada) quem ganha
menos, o que implica que o imposto sobre a renda tenha mais peso que o imposto
sobre o consumo. Introduzir o imposto
sobre as grandes fortunas, de modo a reduzir a enorme desigualdade social que
caracteriza nosso País. Aumentar o imposto sobre a propriedade territorial
rural, para acabar com o privilégio dos latifundiários. Introduzir a taxação
sobre o capital financeiro (bancos e investimentos): "taxa sobre
transações financeiras" (a famosa Taxa Tobin). Esta reforma é fundamental
para reverter o atual sistema tributário, gerador de desigualdade.
12. POLÍTICA
DE SEGURANÇA PÚBLICA
Precisamos, urgentemente, de uma nova política de segurança pública e de
reforma de nosso sistema prisional, para que se torne regenerativo e não apenas
punitivo. Estão encarcerados/as, hoje, no Brasil, cerca de 550 mil presos/as. A
maior parte destes/as se encontram ali por crimes contra o patrimônio ou por
tráfico de drogas, não por crimes letais. No Brasil, ocorrem cerca de 50 mil
homicídios dolosos por ano. A maioria das vítimas é jovem, pobre, negra, e do
sexo masculino. Este genocídio precisa acabar, e temos meios para isso. Que a
segurança pública seja exercida para proteger a vida e os direitos dos cidadãos,
e não apenas a propriedade.
13. DEMOCRATIZAR
OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
É necessária uma legislação que torne a liberdade de informação e de
expressão uma realidade para todos os brasileiros (e não apenas para a elite
que controla a grande mídia), e que abra o espectro da comunicação, quebrando o
atual oligopólio, que favorece unicamente a um pequeno grupo de grandes proprietários,
em detrimento dos direitos da maioria.
14. UNIVERSALIZAR OS DIREITOS HUMANOS
Universalizar os direitos humanos, políticos, civis, econômicos,
sociais, culturais e ambientais, com respeito à diversidade. Garantir um
sistema de saúde pública de qualidade, assim como de educação, transporte,
saneamento básico. Que se combata, com todo o rigor, a violência policial, o
emprego da tortura contra presos comuns e a situação degradante dos presídios
superlotados.
15. VALORIZAR
O TRABALHADOR E A TRABALHADORA
Garantir trabalho para todos/as. Trabalho digno e não precarizado.
Redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução dos
salários, como repartição dos abusivos ganhos de produtividade do capital.
Reaparelhamento do aparato fiscalizador do Ministério do Trabalho. Combate à terceirização.
16. O CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA
Para garantir um serviço público voltado para os interesses dos
cidadãos. É fundamental que estes possam exercer o controle da atividade
parlamentar, assim como o controle dos governos (municipais, estaduais,
federal). Reapresentar o projeto de Participação Social. Criar Observatórios de
Controle Social (OCS) em todos os municípios brasileiros, formados por representantes
da sociedade civil.
17. A
ÉTICA NA POLÍTICA E DA POLÍTICA
O comportamento ético é essencial para a vida do cidadão e,
especialmente, para aquele/a que pretende se dedicar ao serviço da sociedade,
do bem comum, ao serviço público. Nenhuma política baseada na corrupção levará
a uma sociedade justa, democrática, solidária e equitativa. Uma outra política
é possível, com punições exemplares e reforma de nossas instituições, de modo a
coibir a impunidade.
Aproveitamos para afirmar que nos empenharemos em colaborar, através dos
meios de que dispomos, para que essas sugestões se tornem possíveis e façam
avançar o projeto de sociedade que todos almejamos. Desejamos sucesso em sua
nova gestão, invocamos sobre a Senhora a lucidez e coragem do Espírito Criador
e, sobre seu governo, todas as bênçãos divinas de luz, paz e amor solidário.
Seus irmãos e irmãs do Grupo Emaús,
AFONSO MURAD, ALESSANDRO MOLON, ANDRÉA RODRIGUES MARQUES GUIMARÃES,
ANTONIO CECCHIN, BENEDITO FERRARO, CARLOS MESTERS, CLÁUDIO DE OLIVEIRA RIBEIRO,
EDSON FERNANDO DE ALMEIDA, EDWARD NEVES MONTEIRO DE BARROS GUIMARÃES,
EKKE BINGEMER, FRANCISCO DE AQUINO PAULINO JUNIOR, FREI BETTO, FREI SINIVALDO
SILVA TAVARES, JETHER RAMALHO, JOSE OSCAR BEOZZO, LEONARDO BOFF, LÚCIA RIBEIRO,
LUCILIA RAMALHO, LUIZ ALBERTO GÓMEZ DE SOUZA, LUIZ CARLOS SUSIN, LUIZ EDUARDO
W. WANDERLEY, MAGALI CUNHA, MANFREDO ARAÚJO DE OLIVEIRA, MARCELO BARROS, MARCIA
MARIA MONTEIRO DE MIRANDA, MARIANGELA
BELFIORE WANDERLEY, MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER, MARIA HELENA ARROCHELLAS, MARIA
TEREZA BUSTAMANTE TEIXEIRA,
MARIA TEREZA SARTORIO, OLINTO PEGORARO, ROSEMARY FERNANDES DA COSTA, ROSILENY
SCHWANTES, TEREZA MARIA POMPEIA CAVALCANTI