A cena não saía da cabeça dos discípulos e a
Palavra de Jesus retinia nos ouvidos deles: cinco mil pessoas famintas sendo alimentadas
com os poucos pães e peixes que eles pensavam ser propriedade destinada ao
consumo exclusivo de alguns; e o mandamento, claro e direto, “dai-lhes vós
mesmos de comer...” Mesmo tendo colaborado com Jesus e obedecido à ordem dele naquela
memorável ação no deserto, os discípulos não haviam entendido nada, e isso
fazia a travessia do mar agitado ainda mais difícil. O que era mais forte: o
vento contrário ou o peso de uma tradição que sustenta a privatização dos bens
e a indiferença diante da necessidade e da dignidade dos semelhantes? O que metia
mais medo: a presença discreta de Jesus em oração na montanha e nas
encruzilhadas da vida ou a difícil travessia que leva do eu e do meu ao Outro e
ao nosso? O que causa espanto aos discípulos não é a presença de Jesus no meio
do mar, sua passagem à frente ou sua insistência a não ter medo, mas a
necessidade de partilhar os bens para saciar os famintos, de passar da
indiferença à misericórdia, de passar do saber tudo ao despojamento fecundo da
oração ao Pai. João insiste, na sua carta: o amor maduro exclui o medo, tanto o
medo do próximo, visto como ameaça, como o medo de Deus, visto como punição.
Deus se faz visível, amável e permanentemente acessível quando o amor é a marca
das nossas relações. “Deus é amor: quem permanece no amor permanece com Deus, e
Deus permanece com ele...” Eis o que suscita e sustenta em nós a confiança,
tanto no próximo como em Deus. (Itacir
Brassiani msf)
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