sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

ANO C – QUARTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 31.01.2016

Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão!
O Papa São João Paulo II ensinava que a profecia nasce da intimidade com a Palavra de Deus. A pessoa que acolhe e escuta a Palavra sente a voz de Deus queimar como brasa e não consegue ficar indiferente diante das práticas de exploração, opressão e de discriminação. O próprio Jesus confirma isso: depois de ler e acolher a palavra do profeta Isaías, se propõe a cumpri-la fielmente, esquecendo-se dos próprios parentes e compatriotas e priorizando as pessoas mais pobres necessitadas. Rompendo com as expectativas do seu povo e sua família, Jesus terá que enfrentar sua oposição e perseguição.
A vocação profética é essencial na vida cristã. A Igreja é uma comunidade profética, sacerdotal e de serviço. Mas ninguém é instituído profeta, nem aprende este ofício num seminário ou numa escola de teologia... A profecia é dom do Espírito, dom que recebemos com temor e tremor. Ela nasce e se desenvolve no ventre de uma comunidade que se coloca à escuta da Palavra de Deus. Quem não se fecha à voz de um Deus que fala e interpela, sente a Palavra queimar suas entranhas e não consegue viver indiferente frente à causa de Deus, que é a causa dos pobres, das vítimas, dos excluídos.
Uma comunidade que ouve e medita a Palavra acaba também avançando e amadurecendo no serviço à Boa Notícia de Deus. Vemos isto na experiência de Jeremias. Ele tem a sensação de que a Palavra que o chama é anterior ao seu próprio nascimento. “Antes de formar-te no seio de tua mãe, eu já contava contigo. Antes de saíres do ventre, eu te consagrei e fiz de ti profeta para as nações.” É isto que percebemos também no próprio itinerário de Jesus: depois de ler e acolher a palavra do profeta Isaías na sinagoga de Nazaré, ele conecta irreversivelmente a sua vida com a causa dos oprimidos.
Às vezes escutamos falar da solidão que experimentam as pessoas que exercem o poder. Tanto na sociedade como na Igreja, parece que as pessoas estabelecidas em autoridade experimentam um certo distanciamento dos seus semelhantes. Talvez aqui se misturem sentimentos de superioridade quase divina por parte das autoridades e temores um pouco infantis e doentios por parte dos outros. Mas há também uma solidão que nasce da fidelidade ao Evangelho: na medida em que descobre que sua missão não é delimitada pela família ou pela própria raça, o profeta acaba frustrando as expectativas dos próprios compatriotas e familiares e sendo isolado.
Um olhar atento aos evangelhos nos leva a perceber como Jesus foi experimentando esta progressiva marginalização. Houve um momento em que sua fama se espalhava por toda a região e todos o elogiavam (Lc 4,14-15). Enquanto lia as escrituras, todos tinham os olhos fixos nele e testemunhavam a seu favor, maravilhados com as palavras cheias de graça que saíam da sua boca (Lc 4,22). Mas o entusiasmo logo se transformou em fúria e desejo de eliminá-lo (Lc 4,28-30), quando ele questionou a ideologia do privilégio dos judeus frente aos pagãos.  Elias e Eliseu lhe serviram de paradigma...
A profecia tem seu preço, e tanto a pessoa como a instituição que a encarnam devem estar dispostas a pagá-lo. Jesus recorre a um provérbio da sabedoria popular e diz que nenhum profeta bem recebido em sua própria terra. Mas este é apenas um lado da medalha. O outro lado é o seguinte: nenhum profeta que sente a compaixão de Deus queimar suas entranhas consegue permanecer preso aos estreitos muros da raça, da nação, da religião ou de qualquer instituição. O profeta é um incansável transgressor de fronteiras, um incurável construtor de brechas.
É na debilidade que somos fortes, diz Paulo. Escrevendo aos cristãos de Corinto, ele chama a atenção para a centralidade do amor e a relatividade de todas as funções e instituições. Se a profecia deslizar para o discurso enraivecido, incoerente e acusatório, será pouco mais que nada. O que dá consistência e verdade à profecia é o amor, este dinamismo que reconhece a dignidade do outro como outro e o serve em suas necessidades. A profecia que brota do amor, orienta-se pelo amor e conduz a um amor que não reconhece fronteiras. E o amor está acima de todo conhecimento e até acima da fé...
Jesus de Nazaré, profeta de um mundo sem fronteiras nem hierarquias, amigo dos pequenos e oprimidos! Cura nossos ouvidos, e faz que se abram à tua Palavra. Que nossa resposta à Palavra que chama, forma e envia seja breve e envolvente: “Hoje esta palavra se cumprirá em mim!... Eis-me aqui, Senhor!...” Ajuda-nos a acolher a missão profética que nos confiaste ainda no seio materno e que devemos continuar, apesar das nossas fraquezas. Abre nossos olhos e nossas mãos ao amplo e diverso mundo a ser construído, um mundo que desconhece e os estreitos muros das culturas, nações e religiões. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

2 comentários:

Unknown disse...

Obrigado, meu irmão, pela meditação compartilhada com teus irmãos. Que teu ministério continue sendo profícuo e sábio para nos ajudar.

Unknown disse...

Obrigado, meu irmão, pela meditação compartilhada com teus irmãos. Que teu ministério continue sendo profícuo e sábio para nos ajudar.