O corpo de Cristo é a comunidade de irmãos e irmãs!
Cristo
se faz sacramentalmente presente na comunidade dos irmãos e irmãs que se
solidarizam na partilha do pão e no dom de si mesmos, que se reúnem para
celebrar em torno da Palavra e do Pão e que fazem memória da doação maior de
Jesus e da nuvem de testemunhas que o seguiram. Por isso, a Eucaristia não é
algo a ser apenas adorado e exposto publicamente, mas memória do amor de Deus
por nós, de um amor que chega ao seu ápice quando se torna comunhão e amor ao
próximo em nós. A festa de Corpus Christi que hoje celebramos soleniza a beleza
da nossa Eucaristia cotidiana ou dominical.
Voltemos
nossa atenção para o Evangelho que nos é proposto para este dia. Pouco antes
desta cena, Jesus havia convocado e enviado os Doze com “poder e autoridade
sobre todos os demônios e para curar doenças” (Lc 9,1). Quando eles voltam
desta espécie de estágio missionário, Jesus os leva para descansar fora do
território judaico. Então, os apóstolos contam, animados, o sucesso que haviam
experimentado. Mesmo estando num lugar deserto, as multidões necessitadas vão
atrás de Jesus e dos discípulos. Sem se incomodar com isso, Jesus lhes fala do
reino de Deus e cura muitas pessoas doentes.
Mas
parece que o repentino e recente sucesso pastoral havia subido à cabeça dos
apóstolos. Parece que eles se sentem uma elite especial e separada do resto do
povo, um grupo que ocupa um grau hierárquico superior, um grêmio fechado e
dotado de poder e autoridade recebida de Deus. No fim do dia, os Doze se
aproximam de Jesus e ousam dar-lhe uma ordem: “Despede a multidão para que
possam ir aos povoados e sítios vizinhos procurar hospedagem e comida...” Esqueceram
que comunidade cristã existe para dar uma resposta efetiva às angústias e
esperanças das pessoas e grupos humanos concretos...
Jesus
reage sublinhando, sem meias-palavras, que são eles mesmos que devem cuidar do
povo. Jesus não se importa se eles têm ou não provisões suficientes, e pede que
organizem o povo em comunidades. Depois de se apropriar dos poucos pães e dos
peixes dos apóstolos, como um pai de família, Jesus eleva, abençoa, parte e dá
aos discípulos para que distribuam. É possível que aquela multidão necessitada
fosse gente excluída do judaísmo, gente que não era sequer considerada pelas
autoridades religiosas. Essa gente recebe atenção prioritária da parte de
Jesus, e o mesmo deve valer para a Igreja.
Com
Jesus, termina o tempo do “cada um para si” e começa o tempo do convívio, da
partilha e do serviço. Inaugura-se o tempo de comunhão. “Todos comeram e se
saciaram.” Depois que estes forem servidos, a sobra – 12 cestos, 12 tribos de
Israel – vai para os demais! A atenção dos cristãos é inclusiva e universal,
mas dá prioridade aos últimos ou excluídos, e viver a Eucaristia é entrar nesta
lógica do dom, da prioridade dos últimos e mais frágeis. Diante deste
sacramento não se deve dizer “se aproxime quem for digno e estiver preparado”,
mas “Senhor, eu não sou digno de participar da tua mesa...”
Santo
Tomás de Aquino diz que na Eucaristia temos o “documento do imenso amor de
Cristo pela humanidade”, e nela “fazemos memória da altíssima caridade que
Cristo demonstrou na sua paixão”. Quando Jesus ordena a seus discípulos “façam
isso em memória de mim”, não está instituindo um rito a ser repetido com
reverência, mas propondo uma forma de vida a ser assumida com coerência. A Eucaristia
é um sinal sacramental que aponta para algo mais profundo e transcendente: em
Jesus, Deus se faz dom por nós, a fim de que a nossa vida adquira forma de dom
solidário pelo próximo.
A
questão central não é tanto a presença real de Jesus no pão quanto seu caminho
de amor apaixonado e solidário pela humanidade. O mais importante não é a
transubstanciação do pão e do vinho mas a presença real e contínua de Cristo
nos nossos gestos de partilha e solidariedade. “Vos sois o corpo de Cristo e,
individualmente, sois membros deste corpo”, diz Paulo (1Cor 12,27). A nossa vocação é ser o corpo histórico de
Cristo no mundo: um corpo feito dom e comunhão, no qual os membros são iguais,
diferentes e reciprocamente solidários, e onde os membros mais frágeis são
tratados com maior atenção.
Jesus de Nazaré, filho amado do Pai
e pão para a vida do mundo! Também nos queremos hoje sair às ruas, movidos por
tua sede de comunhão e agradecidos pelo teu amor-doação. Mas não cantaremos “hóstia
branca, no altar consagrada...” ou “queremos Deus, homens ingratos”. Cantaremos
com alegria, “entra na roda com a gente também! Você é muito importante! Vem!” E
continuaremos com o convite: “Desempregados, pecadores, desprezados e os
marginalizados... Venham todos se ajuntar à nossa marcha para a nova sociedade.
Quem nos ama de verdade, pode vir que tem lugar!” Afinal, quiseste que teu
corpo fosse o pão partilhado, a comunidade de irmãos e irmãs! Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
(Livro do Genesis 14,18-20 * Salmo 109(110) * 1ª.
Carta aos Corintios 11,23-36 * Evang. de Lucas 9,11-17)
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