A compaixão é a base, o impulso e a meta da vida cristã!
Somos filhos do nosso tempo, mas em nossa
memória coletiva pulsam também os ideais dos nossos antepassados. Deles e dos
pensadores ocidentais, aprendemos que é refletindo, dobrando-nos sobre nós
mesmos, que chegamos a saber quem somos. A tradição bíblica, porém, tem uma
perspectiva diferente: descobrimos e revelamos nossa identidade respondendo a
quem nos interpela, tomando uma atitude diante do rosto do Outro que está diante
de nós, assumindo nossa responsabilidade na história. Nós somos a resposta que
damos aos dilemas do mundo e aos múltiplos chamados que nos solicitam!
Mas não podemos esquecer também que um dos aspectos
mais profundos da fé que herdamos dos hebreus é a imagem de um Deus que cuida
de nós como o pastor toma conta das suas ovelhas: Ele nos guia por caminhos
seguros e nos conduz a pastagens abundantes, e nos dá a felicidade e o amor
como companheiros que vão à nossa direita e à nossa esquerda... “O Senhor é meu
pastor, nada me falta”: assim começa uma das mais belas orações do judaísmo. E
essa não é uma afirmação ingênua e piedosa, mas expressão de resistência, a
convicção de um povo que sente falta de quase tudo, mas resiste.
As pessoas que fazem a experiência de serem
amadas e guiadas por Deus se descobrem também intimadas a amar e cuidar dos
outros, sem agenda fixa ou hora marcada. O evangelista nos conta que, depois de
enviar os discípulos para uma experiência de missão, e depois de saber do
assassinato do profeta João Batista, é tanta gente que procura Jesus e os
apóstolos que eles não têm mais tempo nem para comer. O cansaço da missão recém
concluída e a tensão provocada pelo martírio de João pedem descanso, um retiro
mais tranquilo. E isso lhes parece prudente e mais que merecido...
Um verdadeiro pastor, porém, não sabe dar as
costas às suas ovelhas. Jesus não suporta ignorar as necessidades do seu povo,
e ensina seus discípulos a não se contentarem com a contabilização de pequenos
sucessos pastorais. A necessidade fizera o povo apressar o passo, e muita
gente, tendo visto Jesus e os discípulos partirem de barco, correram por terra
e chegaram ao lugar do descanso antes que eles. Diante da multidão que foi ao
seu encontro, Jesus poderia ter atitudes: orgulho pelo sucesso da pregação;
indiferença diante do que poderia ser somente busca de milagres e vantagens
fáceis...
Entretanto, Jesus desce do barco e lê no rosto
da multidão o abandono por parte daqueles que deveriam conduzi-la e defendê-la.
“Quando saiu da barca, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão, porque estavam como ovelhas sem pastor.” Compaixão
é a atitude profunda e quase orgânica de quem assume as dores dos outros como e
fossem suas, de quem reconhece como próprias as lutas daqueles que são mais
vulneráveis. É uma força que destrói os muros que, por medo, comodismo ou
egoísmo, os povos, religiões, Igrejas e indivíduos vão construindo em torno de
si mesmos e seus interesses.
Por isso, a compaixão é
também o dinamismo que comove Jesus e tira os cristãos dos castelos construídos
pelo individualismo para coloca-los na estrada da missão. É isso que Jesus
demonstra ao longo de toda a sua vida, e é isso que ele propõe para aqueles que
seguem seus passos. Sua primeira ação diante do povo abandonado é “ensinar
muitas coisas para eles”: ensinar que eles sofrem porque foram abandonados
pelas autoridades políticas e religiosas; que os muros que separam povos e
classes são invenções humanas e devem acabar; que Deus não é um pastor amigo e
compassivo...
Escrevendo aos efésios,
Paulo sublinha que, a partir de Jesus Cristo, acabaram os privilégios de raça e
de religião que definem quem está mais perto ou mais longe de Deus, quem tem
prioridade e quem deve esperar na fila. Privilégios estabelecem hierarquias,
classes, muros; privilégios perpetuam dominações. Pregado na cruz em meio a
dois criminosos, Jesus derruba os muros que separam, elimina as distâncias e
hierarquias culturais e sociais, assina o tratado de paz que faz de todos os
povos uma única família. Não há mais diferença de dignidade entre homens e
mulheres, cristãos e pagãos, escravos ou livres. Eis a Boa Notícia, o Evangelho
que há dois milênios suscita alegria e compromisso!
Jesus, belo e amado pastor, peregrino no santuário das
dores humanas! Atravessamos hoje os sombrios vales da indiferença, da opressão,
da discriminação e do ódio transformadas em estrutura e em cultura, inclusive
nas redes sociais e comunidades eclesiais. Desperta também hoje na tua Igreja
homens e mulheres que, como tu, diante das dores e misérias humanas, se deixem mover
e guiar pela compaixão. Que ninguém busque boas e piedosas razões para
justificar a indiferença diante do sofrimento humano. Que a simples visão do
teu bastão e do teu cajado nos reanime e oriente. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário