sexta-feira, 20 de julho de 2018

Memórias da missão


AS DORES DA MALÁRIA, O PARTO DA MISSÃO!
A ocorrência de doenças, tanto conosco como com familiares nossos, muito marcante. Não lembro de ter padecido com alguma enfermidade mais relevante, mas presenciei a doença da minha avó e também as frequentes convulsões da minha irmã, e isso marcou me muito a vida. Foram poucas as visitas aos médicos para tratar de alguma enfermidade ou mal-estar pessoal. Não obstante isso, preciso confessar uma coisa: o ambiente do consultório médico ou odontológico, assim como do hospital. sempre me provocaram um certo medo.
Eis que venho para Moçambique, realizar o sonho da missão sempre esteve vivo dentro de meu coração, mas que não imaginava que se realizasse tão rapidamente. Mas aqui estou, feliz e animado para continuar a caminhar. Aqui estou, aprendendo com este povo. E um dos aprendizados que tive por aqui, foi a solidariedade na hora da doença.
Faz cinco meses que pisei nestas terras, e já passei por três malárias e um tratamento odontológico. Embora possa parecer estranho, posso dizer que o tratamento odontológico foi mais cansativo e doloroso que as malárias que enfrentei. “Ricardo, que você está fazendo aí, pegando essas malárias? Volta pro Brasil!”. Ouvi muito esse tipo de apelo espantado quando partilhei com alguns amigos que estava com malária.
O tratamento dura três dias, com duas doses de quatro comprimidos por dia. Este remédio afeta diretamente meu estômago, e a gente passa os dois primeiros dias sentindo-se muito mal, sem poder comer quase nada e vomitando. Esse mal-estar vem acompanhado por calafrios, febre e dores por todo o corpo. Estes são os sintomas e consequências mais comuns da malária.
Quando fiquei sabendo que eu viria para Moçambique, fui muito alertado sobre os riscos da malária. Entretanto, gostaria de dizer que estou suscetível a esta doença como os brasileiros estão suscetíveis à dengue. A malária é uma doença comum nestas terras, e há tratamento eficaz contra ela. Para não contraí-la, é preciso se precaver, usar repelente e roupas compridas, impedindo que o mosquito nos pique. A malária se manifesta quando nossa imunidade está baixa.
É claro, não podemos negar que não são dias bons esses que a gente passa com a malária. Porém, aprendi a conviver e tirar forças desta doença. Passo três dias quase que inteiramente na cama, passando muito mal. Quando os sintomas começam a diminuir e as minhas forças aumentam um pouco, sinto que tenho mais gana e mais sensibilidade para continuar na missão! Partilhei isso com o pessoal que mora aqui comigo, e isso foi motivo de riso, Mas o povo daqui também passa por malárias, e acho que são até um pouco mais resistentes que eu...
Como disse, a malária causa muitas dores e sofrimentos. Mas pergunto: em que lugar deste mundo não estamos suscetíveis a doenças ou quaisquer outros perigos? E uma das qualidades do missionário é aceitar que se está em contato com dores e sofrimentos que antes não eram passíveis de acontecer.
Sentir essas dores faz parte da missão! Me fortaleço a cada malária, pois vim a Moçambique com o objetivo de conhecer as alegrias e sofrimentos deste povo. Ao missionário não pode anunciar as belezas do Evangelho, entregar pão e conforto, mas viver atordoado pelo medo de partilhar das mazelas deste povo.
Por isso, quero dizer a todos que leem estas linhas – truncadas, doídas e, até certo, ponto assustadoras –, principalmente àqueles que desejam entregar a sua vida aos demais, em missão na África ou em qualquer outro lugar, até na rua da sua casa: Não tenha medo de enfrentar se expor às mazelas e perigos da missão!
Repito, com todas as forças: quando nos entregamos de coração e alma à missão, não há dor que impeça o nosso progredir. As dores da malária são uma porção mínima do que a missão tem a nos oferecer, e garanto que as belezas, alegrias, sorrisos, carinhos, abraços são muito maiores em número e em qualidade.
Não deixemos que as dores das diferentes malárias existentes no mundo nos paralisem. Avante! Com fé, esperança, felicidade e amor sempre, e, acima de tudo o amor, como disse São Paulo!
Fr. Ricardo Klock msf

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