Jesus Cristo é a perfeita expressão e a medida de
todo amor.
(At 10,25-26.34-35.46-48; Sl 97/98; 1Jo
4,7-10; Jo 15,9-17)
Amor é uma palavra que é usada em sentidos
muito diferentes e com finalidades diversas. A maioria das pessoas coloca o
amor no âmbito dos sentimentos e, com
isso, acaba eliminando sua essência. Se é verdade que o Evangelho segundo João
coloca o amor fraterno num lugar central no anúncio de Jesus, não podemos
esquecer que os evangelhos sinóticos conferem esta mesma centralidade à prática da nova justiça
do Reino de Deus. Por isso, é importante escutar com muita atenção e acolher
com inteligência a proposta que Jesus nos faz na Palavra que a Igreja propõe
neste sexto domingo do tempo pascal. O próprio amor materno, cantado em prosa e
verso, materializado em cartões, mercadorias e anúncios no dia das mães, pode
encontrar em Jesus um paradigma fecundo e renovador.
“Não fomos nos que amamos a Deus, mas foi ele que nos
amou”
Um caminho que pode nos ajudar a
evitar as armadilhas do sentimentalismo é compreender o amor mais como verbo que como substantivo. E quem
conjugou o verbo amar em todos tempos, modos e pessoas foi nosso senhor Jesus
Cristo. “Nisto se tornou visível o amor de Deus entre nós: Deus enviou o seu
Filho único a este mundo para dar-nos a vida por meio dele.” A pessoa concreta
de Jesus de Nazaré, nas palavras que pronunciou e nas ações solidárias que
realizou, é a vitrine do amor de Deus no mundo.
Em que consistiu concretamente esse
amor de Jesus? Ele acolheu pecadores/as e resgatou sua dignidade; compadeceu-se
dos famintos e provocou a multiplicação de pães e peixes; comoveu-se com o
sofrimento das pessoas doentes e lhes
deu condições de plena cidadania; tomou a defesa de mulheres condenadas
violentamente pelos próprios homens que as usavam; atendeu às necessidades de pagãos e
estrangeiros/as, dividindo com eles/as aquilo que era destinado aos judeus;
aproximou-se das pessoas excluídas e sentou-se com elas à mesa; afirmou
profeticamente que os últimos da escala social são os primeiros na perspectiva
de Deus. E selou isso com o dom da própria vida.
Deus não é simplesmente alguém que,
entre outras ações, ama. Deus é amor, e
não pode senão amar. O amor de Deus pelo seu povo não se faz visível em
suspiros e sentimentos profundos, mas em ações que garantem a quem é diverso o
seu direito de ser e atendem suas necessidades sem impor qualquer espécie de
condição. É assim que esse amor vem de geração em geração e chega até nós.
Somos acolhidos/as por ele à sua mesa para partilhar pão, vinho, amizade e
missão, apesar dos nossos doloridos limites e dos nossos pecados nada privados.
“Amem-se uns aos outros assim como eu amei vocês.”
Jesus diz que nos ama na mesma
dinâmica e com a mesma intensidade com que é amado pelo seu Pai e nosso Pai. E
é nessa força e nesse espírito que nos sentimos chamados/as e capacitados/as a
amar. O amor de Deus que se tornou visível em Jesus Cristo se torna
mandamento para os discípulos e discípulas. “O meu mandamento é este: amem-se
uns aos outros assim como eu amei vocês.” O amor é o coração da comunidade
dos/as discípulos/as de Jesus, e onde falta amor, falta o essencial.
Como o próprio Jesus nos revelou, a
ação de amar tem mais a ver com decisão e
vontade que com sentimento. O sentimento é involuntário e se impõe sobre
nossa vontade, enquanto que o amor é uma decisão de fazer-se próximo e servidor/a
de quem é diferente e pode estar precisando de nós. Amar implica no bem-querer, no bem-dizer e no bem-fazer,
desejo, palavra e ação. João interroga: “Se alguém possui os bens deste mundo
e, vendo seu irmão em necessidade, fecha-lhe o coração, como pode o amor de
Deus permanecer nele?” (1Jo 3,17). O amor se mostra nas atitudes e ações, e sua
expressão mais acabada é dar a vida pelos amigos.
A repetição do manadamento de “amar
o próximo como a si mesmo” (cf. Lc
10,27) pode escoder um perigo: colocar a si mesmo como medida e critério do
amor aos outros (do mesmo modo, com a mesma intensidade). No evangelho de hoje
Jesus apresenta a si mesmo como medida e referência: “Amem-se uns aos outros assim como eu amei vocês”. Ele e nenhum
outro é a medida do amor que inspira os cristãos. Com isso, Jesus nos liberta
da tentação de colocar nossos desejos como referência essencial para todas as
relações. Imaginem uma mãe que cedesse a essa tentação...
“O amor vem de Deus.”
O dinamismo do amor se concretiza em
diversas dimensões da vida. O amor é sempre o mesmo em sua origem e em sua
essência, mas se expressa em diferentes esferas. Uma dessas esferas é a relação interpessoal, e nela o amor se
mostra como ternura, simpatia e amizade. É essa expressão do amor que está na
base tanto do vínculo matrimonial que une um casal como da união profunda e
cordial entre os amigos e amigas. O amor intergeracional que une a mãe e o pai
aos filhos/as e estes a eles também é dessa ordem.
No nível interpessoal o amor se
expressa na acolhida incondicional e na doação sem limites; no companheirismo
gratuito; na capacidade de sofrer com o outro e pelo outro; na condescendência
com seus limites e imperfeições; na aposta quase irracional na bondade e na
liberdade de cada pessoa; enfim: na permanente disposição para tomar a
iniciativa e continuar amando mesmo quando escasseiam ou faltam sinais de um
amor capaz de corresponder. Também aqui o amor se mostra mais forte que todas
as falências, inclusive a morte, e, por isso, é sinal de ressurreição.
“Permaneçam no
meu amor.”
Uma segumda esfera na qual o amor se
encarna é a dimensão eclesial, a
comunidade cristã. Se numa comunidade cristã faltar o amor, falta o essencial:
ela não seria nem comunidade e nem cristã. Onde as pessoas que dizem crer em
Jesus Cristo e no seu Evangelho não conseguem conjugar o verbo amar em todas os
tempos, gêneros e pessoas há um vazio e Deus está ausente. “Se alguém me ama,
guarda a minha palavra, e o meu Pai o amará. Eu e meu Pai viremos e faremos
nela a nossa morada” (Jo 14,23).
Mas como se expressa o amor na
comunidade eclesial? Em primeiro lugar, no relacionamento
de igual para igual, de irmão para irmão, irmã para irmã, abolindo
hierarquias, senhorios e servidões. O próprio Jesus insiste em não nos tratar
como servos mas como iguais, pois não reserva nada para si mesmo, e comunicar
tudo significa confiar irrestritamente. Isso está claro no tratamento de amigo
explicitamente dispensado a Lázaro (Jo 11,11), assim como na ação de lavar os
pés de todos os discípulos.
Afirmando a igualdade de todas as
pessoas e acolhendo com afeto cada uma na sua própria vulnerabilidade, o amor
vivido na esfera eclesial se torna caminho para a liberdade. É a união entre o
afeto e a igualdade que nos conduz à liberdade! E essa liberdade, conquistada a
duras penas e sempre ameaçada, desabrocha na abertura solidária e no cuidado
comunitário dispensado às criaturas em situação de vulnerabilidade, pertençam
ou não à comunidade. Torna-se um amor pastoral.
“Eu os destinei para ir e dar fruto.”
E aqui chegamos a uma terceira
esfera na qual o mesmo e único amor se concretiza: a dimensão social, apostólica ou missionária. Está muito claro que o
amor generoso e intenso com que Jesus nos ama não tem como finalidade criar uma
comunidade ou clube de bajuladores ou de publicitários que alardeiam suas
qualidades divinas. O amor maduro frutifica em missão solidária e
transformadora, a amizade com Jesus se mostra na participação na sua
missão, implícita ou explicitamente.
Assim como o amor da mãe não pode
manter os/as filhos/as numa eterna infância, o amor de Jesus Cristo se realiza
quando assumimos em primeira pessoa a missão de gerar pessoas adultas, capazes
de agir orientadas pelas próprias convicções e não pelo medo ou pelo amor
próprio. Pessoas adultas são aquelas que caminham com as próprias pernas, que são
livres a ponto de se colocarem a serviço das demais, que aprofundam a
consciência daquilo que são cuidando dos outros. Somente quem se entrega é
senhor/a de si e só quem é capaz de amar adquire a certeza de que é amado/a por
Deus.
Jesus de Nazaré, filho de Deus e da humanidade, fonte e medida de todo
amor: faz com que teu amor por nós se transforme em amor pelos irmãos e irmãs a
converte tua igreja hierrquica e desigual em comunidade de pessoas amigas e
servidoras. Faz com que, inspirados em Paulo, deixemos de ser defensores
infantis das instituições e sejamos testemunhas de um amor despojado,
crucificado e renovado. Ajuda nossas autoridades a descobrir que permanecem
sempre humanos, como todos. Abençoa nossas mães e mantém nelas um amor que
gera, sustenta, educa e faz crescer. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
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