Tenho a satisfação de publicar
estas orientações propostas pelo Pontifício Conselho para o Diálogo
Interreligioso, elaborado com a
participação do Conselho Mundial das Igrejas e da Aliança Evangélica Mundial.
A meu ver, é um oportuno, rico, equilibrado e respeitoso documento missionário,
centrado nas orientações práticas. É um roteiro que deveria estar na cabeça, no
coração e na escrivaninha de todos/as aqueles/as que, de alguma forma, estão
empenhados/as em missões de fronteira.
PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO
O
TESTEMUNHO CRISTÃO EM UM MUNDO MULTI-RELIGIOSO:
RECOMENDAÇÕES DE CONDUTA
RECOMENDAÇÕES DE CONDUTA
PREÂMBULO
A missão pertence à essência
da igreja. A proclamação da palavra de Deus e o testemunho de sua palavra são
essenciais para todo Cristão. Ao mesmo tempo, é necessário fazê-lo a partir dos
princípios do evangelho, com respeito e amor pleno para com todos os seres
humanos.
Ciente das tensões entre
pessoas e comunidades de diferentes convicções religiosas e das variadas
interpretações do testemunho Cristão, o Conselho Pontifício para Diálogos
Inter-religiosos (PCID), o Conselho Mundial das Igrejas (WCC) e, a convite do
WCC, a Aliança Evangélica Mundial (WEA), se encontraram durante um período de 5
anos para refletir e para produzir este documento com o objetivo de estabelecer
uma série de recomendações de conduta para o testemunho Cristão ao redor do
mundo. Este documento não tem a intenção de ser uma declaração teológica sobre
missões, mas sim, de abordar problemas práticos associados com o testemunho
Cristão em um mundo multi-religioso.
O propósito deste documento é de encorajar igrejas, conselhos de igrejas e agências
de missões para refletir sobre suas práticas atuais e para usar as
recomendações deste documento para preparar, onde forem apropriadas, as
diretrizes para suas testemunhas e para suas missões entre as diferentes
religiões e entre aqueles que não professam nenhuma religião em particular.
Esperamos que os Cristãos ao redor do mundo estudem este documento à luz de
suas próprias práticas ao testemunharem sua fé em Cristo, tanto em palavras
quanto em ações.
O FUNDAMENTO PARA O TESTEMUNHO
CRISTÃO
1. Para os Cristãos é um
privilégio e uma alegria de responder com mansidão e temor a qualquer que vos
pedir a razão da esperança que há em vós (cf. 1 Pedro 3:15).
2. Jesus Cristo é a testemunha
suprema (cf. João 18:37). O testemunho Cristão é sempre feito através do
compartilhamento, que se transforma em proclamação do reino, serviço ao próximo
e em uma doação total de si mesmo, mesmo que isso culmine na cruz. Assim como o
Pai enviou o Filho no poder do Espírito Santo, da mesma forma os cristãos são
enviados em missões para testemunhar através de palavras e ações sobre o amor
do Deus triúno.
3. O exemplo e os ensinamentos
de Jesus Cristo e da igreja primitiva devem servir de orientação para as
missões Cristãs. Por dois mil anos os Cristãos tem tentado seguir os caminhos
de Cristo através da pregação das boas novas do Reino de Deus (cf. Lucas
4:16-20).
4. Ser uma testemunha Cristã
em um mundo pluralístico inclui o envolvimento em um diálogo com pessoas de
diferentes religiões e culturas (cf. Atos 17:22-28).
5. Em alguns contextos, viver
e proclamar o evangelho é difícil, tem muitos impedimentos ou pode até mesmo
ser proibido, mas ainda assim os Cristãos são comissionados por Cristo para
continuar fielmente em solidariedade uns com os outros ao testemunhar sobre ele
(cf. Mateus 28:19-20; Marcos 16:14-18; Lucas 24:44-48; João 20:21; Atos 1:8).
6. Se os Cristãos se envolvem
em métodos inapropriados no exercício da missão, recorrendo a meios enganosos e
coercivos, eles estão traindo o evangelho e podem causar sofrimento aos outros.
Tais acontecimentos exigem um arrependimento e nos lembram da nossa necessidade
da graça contínua de Deus (cf. Romanos 3:23).
7 Os Cristãos afirmam que enquanto seja responsabilidade deles de
testemunhar sobre Cristo, a conversão é um trabalho essencialmente do Espírito
Santo (cf. João 16:7-9; Atos 10:44-47). Eles reconhecem que o Espírito sopra
aonde quer e de uma forma que o ser humano não pode controlar (cf. João 3:8).
PRINCÍPIOS
Os Cristãos são chamados para
aderir aos seguintes princípios na medida em que eles buscam cumprir o
comissionamento de Cristo de maneira apropriada, particularmente dentro de
contextos inter-religiosos.
1. Agir no amor de Deus. Os Cristãos acreditam que Deus é a fonte de todo
o amor, e consequentemente ao testemunhar sobre Deus eles são chamados a viver
vidas de amor, amando o seu próximo como a si mesmo (cf. Mateus 22:34-40; João
14:15).
2. Imitando a Jesus
Cristo. Em todos os aspectos da vida,
e especialmente no seu testemunho, o Cristão é chamado para seguir os exemplos
e os ensinamentos de Jesus Cristo, compartilhando o seu amor, dando glória e
honra para Deus o Pai no poder do Espírito Santo (cf. João 20:21-23).
3. Virtudes cristãs. Os Cristãos são chamados para viver uma vida
íntegra, caridosa, cheia de compaixão e humildade, e para superar toda
arrogância, condescendência e desprezo (cf. Gálatas 5:22).
4. Atos de serviço e
justiça. Os Cristãos são chamados para
agir de maneira justa e para amar gentilmente (cf. Miquéias 6:8). Eles ainda
são chamados para servir aos outros e ao fazê-lo devem enxergar Cristo em cada
irmão e irmã (cf. Mateus 25:45). Atos de serviços, tais como o fornecimento de
educação, saúde, serviços de auxílio, atos de justiça e luta pelos direitos são
uma parte integral da pregação do evangelho. A exploração de situações de
pobreza e necessidade não tem lugar nas campanhas Cristãs. Os Cristãos deveriam
denunciar e se afastar de todas as formas de aliciamento financeiro, incentivos
em dinheiro e recompensas em resposta às suas ações de serviço.
5. Discernimento na
ministração de cura. Como parte integral do testemunho do evangelho, os Cristãos praticam a
ministração de curas. Eles são chamados a exercitar o discernimento ao realizar
tais ministrações, respeitando de maneira plena a dignidade humana e
assegurando que a vulnerabilidade das pessoas e suas necessidades de cura não
sejam exploradas.
6. Rejeição da
violência. Os Cristãos são chamados para
rejeitar toda forma de violência, seja ela psicológica ou social, incluindo o
abuso de poder ao testemunhar. Deve-se também rejeitar a violência, a
discriminação injusta ou repressão por parte de qualquer autoridade religiosa
ou secular, incluindo a violação ou destruição de locais de adoração, símbolos
ou textos sagrados.
7. Liberdade de religião e de
crença. A liberdade religiosa
incluindo o direito de professar publicamente, praticar, propagar e de mudar de
religião, parte da própria dignidade do ser humano que está fundamentado na
criação de todos os seres humanos à imagem e semelhança de Deus (cf. Gênesis
1:26). Assim sendo, todos os seres humanos têm direitos e responsabilidades
iguais. Onde a religião é instrumentalizada para fins políticos, ou onde a
perseguição religiosa acontece, os Cristãos são chamados para se envolver como
testemunhas proféticas, denunciando tais ações.
8. Respeito e solidariedade
mútua. Os Cristãos são chamados para
se comprometerem a trabalhar com todas as pessoas em respeito mútuo, promovendo
juntos a justiça, a paz e os bens em comum. A cooperativa inter-religiosa é uma
dimensão essencial de tal compromisso.
9. Respeito por todas as
pessoas. Os Cristãos reconhecem que o
evangelho desafia e enriquece as culturas. Mesmo quando o evangelho desafia
certos aspectos da cultura, os Cristãos são chamados para respeitar todas as
pessoas. Os Cristãos são também chamados para discernir elementos nas suas
próprias culturas que são desafiadas pelo evangelho.
10. Renunciando aos falsos
testemunhos. Os Cristãos devem falar de maneira sincera e respeitosa; eles devem ouvir a
fim de aprender e compreender as outras crenças e práticas, e eles são
encorajados a reconhecer e apreciar aquilo que é verdade e bom neles. Qualquer
comentário ou abordagem crítica deve ser feita de maneira que haja um respeito
mútuo, assegurando-se que não haja falso testemunho com respeito às outras
religiões.
11. Assegurando o discernimento
pessoal. Os Cristãos devem reconhecer
que o ato de mudar a religião de alguém é um passo decisivo e deve ser
acompanhado de tempo suficiente para uma reflexão e preparação adequada,
através de um processo que assegure uma liberdade pessoal plena.
12. Construindo relacionamentos inter-religiosos. Os Cristãos devem continuar a construir
relacionamentos de respeito e confiança com as pessoas de diferentes religiões
para facilitar uma compreensão, reconciliação e cooperação mútua e profunda
para o bem em comum.
RECOMENDAÇÕES
A Terceira Consulta organizada
pelo Conselho Mundial de Igrejas com o apoio da Aliança Evangélica Mundial da
Santa Fé do PCID e com a participação das maiores famílias Cristãs da fé
(Católica, Ortodoxa, Protestante, Evangélica e Pentecostal) e agindo num
espírito de cooperação ecumênica para preparar este documento para a
consideração das igrejas, do corpo confessional regional e nacional e de
organismos de missões, mas principalmente para aqueles que trabalham em
contextos inter-religiosos, recomenda que esses grupos:
1. Estudem os problemas levantados nesse documento e onde
for apropriado, formulemdiretrizes
de conduta com relação ao testemunho Cristão que possa ser aplicado
nos seus contextos específicos. Quando for possível, isso deverá ser feito de
maneira ecumênica e em consulta com os representantes de outras regiões.
2. Construam relacionamentos de respeito e confiança com
pessoas de todas as religiões, particularmente nos níveis institucionais entre
igrejas e outras comunidades religiosas, envolvendo-se em diálogos
inter-religiosos constantes como parte do seu compromisso Cristão. Nos
contextos, onde anos de tensão e conflito possam ter criado suspeitas e quebra
de confiança entre as comunidades, o diálogo inter-religioso pode propiciar
novas oportunidades de resolução de conflitos, restauração da justiça,
cicatrização das memórias, reconciliação e a construção da paz.
3. Encorajem os Cristãos a fortalecer a
sua própria identidade religiosa e fé enquanto vão seaprofundando no
conhecimento e compreensão sobre as diferentes religiões, e façam isso levando
em consideração as perspectivas dos membros dessas religiões. Os cristãos devem
evitar a apresentação inapropriada de crenças e práticas de pessoas de outras
religiões.
4. Cooperem com outras comunidades religiosas envolvendo-se
na luta pelos direitos inter-religiosos em busca da justiça e do bem comum e
quando for possível, estar lado a lado em solidariedade com pessoas que estão
em situações de conflito.
5. Apelar para os seus governos a fim de assegurar que a
liberdade de religião seja devidamente e amplamente respeitada, reconhecendo
que em muitos países as instituições religiosas e as pessoas são impedidas de
exercer sua missão.
6. Orem pelos seus próximos, para o seu bem-estar,
reconhecendo que a oração é parte integral de quem nós somos e o que fazemos,
assim como para a missão Cristã.
APÊNDICE:
O pano de fundo do documento
O pano de fundo do documento
1. No mundo de hoje existe uma colaboração
crescente no meio dos Cristãos assim como entre os Cristãos e os seguidores de
diferentes religiões. O Conselho Pontifício para Diálogos Inter-religiosos
(PCID) da Santa Fé e o Programa do Conselho Mundial de Igrejas sobre o Diálogo
Inter-religioso, assim como a cooperação da (WCC-IRDC) tem um histórico sobre
tal colaboração. Dentre os exemplos dos temas nos quais o PCID/IRDC colaboraram
entre si no passado temos: O Casamento Inter-religioso (1994-1997), a Oração
Inter-religiosa (1997-1998) e a Religiosidade Africana (2000-2004). Este
documento é o resultado do seu trabalho em conjunto.
2. Existe um aumento na tensão inter-religiosa no
mundo de hoje, incluindo violência e perdas de vidas humanas. Fatores
políticos, econômicos e outros fatores, tem um papel importante nessas tensões.
Os Cristãos também estão ocasionalmente envolvidos nesses conflitos, seja de
forma voluntária ou involuntária, às vezes sendo aqueles sofrendo perseguições,
mas em outras como aqueles envolvidos em atos de violência. Em resposta a isso,
o PCID e o IRDC decidiram abordar os problemas que fazem parte de um processo
em comum a fim de produzir recomendações compartilhadas para a conduta do
testemunho Cristão. O WCC-IRDC convidou a Aliança Evangélica Mundial (WEA) para
participar neste processo, e eles o fizeram de bom grado.
3. Inicialmente houve duas consultas: a primeira em
Lariano na Itália em 2006 foi intitulada “Avaliando a Realidade”, onde
representantes de diferentes religiões compartilharam suas visões e
experiências sobre a questão da conversão. Eis uma declaração feita durante a
consulta lida em parte: “Nós afirmamos que, embora cada um tenha o direito de
convidar outros a um entendimento de sua fé, isso não deve ser feito de forma a
violar o direito e as sensibilidades religiosas de outros. A liberdade
religiosa impõe sobre nós uma responsabilidade que não é negociável de
respeitar a fé de outros e não só a nossa, e de nunca denegrir, difamar ou
deturpá-las a fim de demonstrar a superioridade de nossa fé”.
4. A segunda consulta, uma consulta Inter cristã,
aconteceu em Toulouse, na França em 2007, a fim de refletir sobre os mesmos
problemas. Questões sobre Família & Comunidade, Respeito ao
Próximo, Economia, Propaganda & Competição e Violência & Política foram
discutidas a fundo. Os problemas pastorais e missionários que circundam estes
tópicos tornaram-se o pano de fundo de uma reflexão teológica e dos princípios
que foram desenvolvidos neste documento. Cada problema tem sua própria
importância e merece uma atenção ainda maior do que o que podemos oferecer
através dessas recomendações.
5. Os participantes da terceira consulta Inter
cristã se encontraram em Bangkok, na Tailândia do dia 25 ao dia 28 de Janeiro
de 2011 e finalizaram este documento.
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