Que alegria receber em minha casa a
Mãe do meu Senhor!
(Sof 3,14-18; Is 12,2-6; Lc 1,39-56)
Maria é, antes de tudo e sempre,
discípula, aprendiz, servidora, mãe e mestra no caminho do seguimento de Jesus
Cristo e na aventura da resposta a Deus. No último dia deste mês dedicado à sua
memória temos a oportunidade de contemplar
sua visita a Isabel e acolher as lições que este gesto nos propõe. Esta
visita de Nossa Senhora sublinha um aspecto frequentemente lembrado pelos
evangelhos: através de personagens concretos, Deus visita e liberta seu povo. No cântico que elevou quando, após
o nascimento de João Batista, seus lábios se abriram, Zacarias proclama:
“Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque
visitou e redimiu seu povo!” (Lc 1,68). Depois de testemunhar a ação de
Jesus em benefício de um filho e uma filha de pais pagãos, o povo glorifica a
Deus dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós, e Deus veio visitar o seu povo” (Lc 7,16).
“Javé
está no meio de vocês!”
São simplesmente comoventes as
palavras do profeta Sofonias. Num contexto de ameaça de dominação externa, de
sedução exercida pelo poder e pela riqueza sobre os líderes oficiais e de
profunda divisão interna do povo de Israel, falando em nome de Deus Sofonias
joga todas as cartas no protagonismo renovador de um pequeno “resto de gente”
pobre e fiel a Javé. Esta é uma regra fundamental da gramática de Deus: ele
sempre fala e age através das pessoas e grupos mais humildes.
É a este pequeno resto, atordoado
pela política dos grandes e ameaçado pela expectativa de um “dia de vingança de
Deus”, que o profeta se dirige: “Grite de contentamento!... Fique alegre e
exulte de todo o coração! Javé está no meio de você! Não tenha medo, Sião! Não
se acovarde! Por causa de você, ele está contente e alegre e renova o seu amor
por você! Está dançando de alegria por sua causa, como em dias de festa!”
Podemos imaginar palavras mais alentadoras?
Os sinais de que Deus está presente
no meio de nós não são evidentes nem potentosos, não se impõem por si mesmos. O
que o profeta faz é um convite a olhar mais longe e mais fundo; a perceber as
grandes coisas que estão sendo gestadas nos pequenos sinais; a levantar o manto
do medo que cobre os pobres; a superar a imagem de um Deus punidor ou
indiferente à sorte dos sofredores; a reconhecer a ação libertadora de Deus que
está em curso mediante as ações de pessoas humanas como Maria.
“Como posso merecer que a mãe do meu Senhor
venha me visitar?”
As visitas são momentos cheios de
colorido e de graça que rompem com o – às vezes! – cinzento e monótono
cotidiano. E são mais significativas ainda quando ocorrem de forma inesperada e
gratuita. “Você aqui?.. Que alegre surpresa!...” Visitas são oportunidades ímpares para recordar o passado,
compartilhar o presente, traçar rumos futuros, reforçar laços e celebrar
alianças. Por isso, no final de cada visita, repetimos com sincero desejo o
refrão: “Vai com Deus! Volte sempre!”
Hoje contemplemos Maria percorrendo
apressada a estrada que leva à casa de Isabel. “Como são belos teus pés, ó
Maria: descendo os montes, paz anuncias!” Ela entra na casa sem bater e, quando
saúda Isabel, seu corpo estremece e até João participa a seu modo desta
alegria. É uma alegria que brota do reconhecimento de Maria como a “Arca da
Aliança”, como a mulher que traz no seu corpo Aquele que é em pessoa e ação a
visita de Deus à humanidade. “É bendito o fruto do seu ventre!...”
Numa visita, a alegria não é
privilégio de quem acolhe. Também a pessoa que é acolhida tem sua quota de
satisfação. Maria ouve dos lábios de Isabel o elogio que ressoa até hoje no
mundo inteiro: “Você é bendita entre as mulheres!... Bem-aventurada aquela que
acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu”. E a alegria é
tanta que a bela e discreta Maria irrompe num cântico no qual ressoam as mais
belas utopias dos pobres de Javé.
“Ele
olhou para nossa humilhação...”
Visitas inesperadas provocam
surpresa e alegria, mas também rebuliço e mudança. A visita de Deus,
possibilitada e realizada na vida de Maria de Nazaré e tantas outras marias,
não é coisa superficial e passageira. De acordo com o próprio hino cantado por
ela ao ritmo do coração, onde e quando Deus chega começa um processo de
reversão no qual o que parecia impossível se torna realidade: o deserto se
transfigura em jardim, a estirilidade é transformada em fertilidade...
Maria descobre em sua própria
história e anuncia aos quatro ventos que Deus não dá as costas à humilhação dos
seus filhos e filhas e age derrubando os poderosos e orgulhosos e promovendo e
empoderando os pobres. Vendo a fome de muitos, acolhe-os na mesa preparada para
todos e coloca os ricos na fila de espera. Os que normalmente são os últimos da
fila passam a ocupar os primeiros lugares, e os primeiros são convidados a esperar
um pouco.
Na verdade, em Jesus Cristo , Deus
age mostrando que o mundo não é uma casa que nos pertence com exclusividade e
na qual ele é uma simples visita. Ele é Senhor desta casa, e sua visita
representa a retomada dos seus direitos de senhor e o restabelecimento das
normas originais, ou seja: que os ‘últimos’
sejam tratados com absoluta prioridade. De acordo com Maria, Jesus Cristo é
uma visita que provoca mudanças profundas e que devem durar para sempre. E põe
mudança nisso!
“Lembrando-se de sua misericórdia...”
Isabel vivia escondida e resignada,
destilando o amargo sabor de uma esterilidade interpretada como castigo. A
gravidez inesperada – presente consolador numa idade já avançada – ressuscitara
sua alegria e sua jovialidade, mas a visita gratuita e surpreendente de Maria
faz com que ela descubra com júbilo que Deus nunca esquece da misericórdia que
prometeu aos nossos pais. De fato, seu amor se estende de geração em geração
sobre aqueles/as que o temem.
As boas visitas frequentemente
produzem estes pequenos milagres. Na conversa que corre solta a gente se dá
conta de que nem tudo é tão pesado e que, como dizia Luís Carlos Borges,
vergado sob o peso da cegueira e da velhice, não há um só dia da vida em que
não experimentamos o paraíso, mesmo que por um breve instante. Visitas são como
o sol que nasce vitorioso e animador depois de uma noite escura e nebulosa,
como a chuva que vem quando pensávamos não mais existir...
A visita de Maria faz com que Isabel
lembre que Deus não se esquece de nós. Ele tem um rosto materno e feminino, com
tantas faces e tantos nomes: das dores e dos prazeres; da vitória e dos
aflitos; do socorro perpétuo e dos desvalidos; da boa viagem e do bom parto; da
reconciliação e das graças; negra e indígena, branca e asiática... Maria da
Visitação e de todas as manifestações nos lembra que Deus, como uma mãe, não
esquece dos filhos que gerou.
“A criança saltou de alegria no meu ventre...”
Assim como na visita, no cântico de
Maria ressoa o clamor e a esperança dos pequenos. Uma mudança misteriosa está
em curso e é levada adiante por visitadores/as que, como Maria, acreditam na
Palavra de Deus e ajudam-na a fazer-se carne. Como descrever, por exemplo, a
alegria e os frutos de vida produzidos pela humilde e discreta visita mensal
das milhares de líderes da Pastoral da
Criança às famílias pobres deste imenso país?
Alegremo-nos com Isabel e, com João
Batista, saltemos de alegria no ventre da história, pois o Santo de Israel é
grande em nosso meio. Sejamos dóceis ao Espírito Santo, a fim de que possamos
conceber e gerar vida e amor ao nosso redor. Tenhamos livres os pés, a fim de
vencermos as distâncias que nos separam. Deixemos de ser escravos/as da agenda
e possibilitemos visitas que, por mais inúteis que pareçam, são sempre portadoras
de uma presença que nada pode pagar, nem apagar.
Deus peregrino,
visita esperada, força feminina portadora de vida e graça: entra em nossa casa,
senta ao redor do fogo, entra na roda do chimarrão, ocupa teu lugar na mesa
decorada com a amizade e farta da santa partilha. Tua chegada nos faz recordar
os muitos sinais de misericórdia que espalhaste em nossa vida. Queremos renovar
a aliança contigo, pois, nas noites escuras e nos becos sem saída, és nossa força e nosso canto. Em Jesus e sua
mãe nos visitas e vens para ficar, selando uma Aliança nova, terna e eterna.
Chegas pedindo hospedagem e acabas senhor do nosso destino. Como à mulher da
Samaria, começas pedindo água e espaço. Como no episódio de Emaús, aceitas nosso
convite e te revelas no partir ao pão. Como no Apocalipse, nos asseguras. “Sim,
eu venho em breve!” Seja envindo!
Pe.
Itacir Brassiani msf
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