domingo, 13 de maio de 2012

Notícias da Missão em Mecuburi, Moçambique


“Levantamento da Eucaristia”
Em quatro lugares distintos (Mecuburi, Namina, Ratane e Milhana) aconteceu a celebração do “levantamento da eucaristia”. Trata-se de uma celebração eucarística onde os respectivos animadores de zona (sempre masculinos!) buscam a Eucaristia, para redistribuí-la nas diferentes Comunidades para suas celebrações de Páscoa. O objetivo é permitir que as pessoas comunguem no domingo da Páscoa.  Não existe reserva eucarística nas Comunidades, pois as capelas não oferecem segurança.
Comunicação
No interior do interior, (pois Mecuburi já é bem interior) da missão a língua portuguesa é bem escassa, mesmo entre as lideranças. E o idioma português que falam é complicado. Às vezes tenho a nítida impressão de que estou numa colônia alemã, nos idos de 1960, com uma sensível diferença:  habitada por negros. Muda apenas a cor dos interlocutores. Padre é “Batre” e ajuda se escreve “axuda”... As traduções dos anciãos (líderes) me parecem pouco confiáveis, em parte porque tem dificuldade em entender nosso português. É neste mundo que circulamos. Ainda bem que o Espírito Santo veio antes de nós e o principal do trecho depende exclusivamente dele.
Documento de identidade de estrangeiros
Depois de três viagens a Nampula, enfim consegui pagar a taxa e encaminhar meu pedido do documento de identidade de residência de estrangeiros (DIRE). Em todos os departamentos a informação vem em prestações, em velocidade ímpar, ou seja, em ritmo lentérrimo.  O Governo local descobriu uma mina de ouro: a cobrança de taxa de residência dos estrangeiros, cerca de 500 dólares anuais per capita. Só no departamento de assuntos religiosos o número de pastas identificando diferentes congregações e religiões impressiona, é muito grande. Para além deste universo específico, sabemos que são muitos os estrangeiros aqui residentes, ligados ao comércio, construção, mineração...
A obtenção de cidadania moçambicana é possível apenas depois de 10 anos de residência no país, mas apenas por 5 anos. Só depois de 20 anos de residência existe a possibilidade de cidadania definitiva.
Escola Familiar Rural
As atividades seguem. Uma dificuldade significativa é com o quadro de professores. Já houve duas trocas. Os técnicos, em geral, são portadores de diplomas, sem experiência ou prática. Aliás, aqui um tratorista, mesmo sem habilitação, é tratado pelo título de mestre.  A busca por emprego vem bem antes da procura por trabalho. Ademais trabalho físico (manual) é visto como castigo! “Comerás o pão com suor do teu rosto”.
Lembro que em diversas fontenárias (poços semi-artesianos), distribuídas pela região, equipados com bombas manuais, é bastante freqüente você encontrar porcos que aí buscam água e, não raras vezes, fazem suas “banheiras”, misturando-se à população. (Se isto é ecológico, não discuto, mas que atrasa o saneamento e condições rudimentares de higiene, é induscutível). Penso que a escola poderá ser um caminho para interferir num processo de melhoria de vida. Se alguns jovens, de fato, se convencerem de que é possível produzir melhor, isso já será uma conquista.
Em geral, como as famílias não são proprietárias das terras que cultivam, não se interessam por plantar árvores frutíferas. Pensam, costumeiramente, que não vão plantar para outros colherem.  Ademais cultivar pomar, exige água, no longo período de seca, ao menos da fase inicial. A preguiça endêmica, substrato inconsciente de séculos de escravidão (?), é notória.
Além disso, diversos estudiosos (antropólogos) afirmam que o hábito de refletir (usar a razão) é pouco presente ou ativado. Afirmam ainda que na mentalidade popular inexiste futuro. O presente está vinculado ao passado.  Comentam que, em geral, ninguém pensa em plantar para outros colher...
Nosso grau de intervenção, imagino, que seja qualificando algo, como por exemplo, a forma de produzir e lidar com a terra, é uma dimensão da nossa missão. Muitos falam contra o hábito anual das queimadas, mas as mudanças são poucas. Não é possível se conformar com o grau de miséria absoluta que aqui impera. O IDH de Moçambique é o antepenúltimo na estatística da ONU de 2011. O crescimento da economia (renda per capita, por decorrência) não se reflete em transformações sociais significativas.
Progresso?
O celular (telemóvel, como é conhecido aqui) começa a se tornar algo familiar. Há poucos dias levantaram mais uma torre, a 15 km daqui, numa região também sem energia elétrica. Penso que seja um símbolo da penetração do neocapitalismo. Nas escolas, num clima de concorrência entre os adolescentes, o sonho é conseguir um. E em Nampula, à tarde, nas lojas, as TVs transmitem novelas brasileiras. Elas, com certeza, não respeitam nada da cultura local.
Outros indicativos de consumo são casas cobertas de zinco (aqui ela se chama chapa) e aquisição de moto (aqui se chama motorizada). Quem chega a este estágio tem consciência de se destacar entre os demais. Há quem afirme que os moçambicanos não moram em casas “estilo branco”, mas diversos, assim que tem oportunidade ou condição, começam a entrar em estilo híbrido.
A plantação de algodão tem merecido comentários elogiosos da parte do governo da Província. Até falam que Muite é capital do algodão. Há poucos dias, contudo, o preço mínimo sofreu uma redução de 30%. A região produtora de algodão (todo processo é manual)  registra o maior índice de desnutrição infantil da Província. Por ocasião da venda do produto, o povo costuma gastar enquanto tem. Deixam de plantar alimentos. A ressaca natural, em decorrência, é a fome. Tudo está ligado à falta do hábito de planejar e organizar a vida e a economia.  Mais motos são compradas, mais dinheiro é gasto com coisas que não são de primeira necessidade. Quando o dinheiro acaba, passa-se a pensar e reclamar.
 A luta pelo poder
A luta das lideranças por espaços nas comunidades é notória. O exercício do poder, via vigilância e cobrança, também impera. Bem mais que líder, o próprio se torna fiscal, fazendo o possível para favorecer os seus. O que nós imaginamos ser luta por espaço e poder, para a população local , é algo bem normal e correto. Nunca é pensado como problema.
Na escola secundária, de 10ª a 12ª série, a juventude prima pelo uniforme, com o uso de gravata. Trata-se de “meia-gravata”, sempre “meia-apertada” ao pescoço. Camisa branca (ou quase), suada e empoeirada: este perfil é ostentado com orgulho. Os alunos da escola secundária precisam mostrar que são superiores aos estudantes da fase anterior: eis a razão do uniforme.
As repartições públicas estão recheadas de diretores, adjuntos, contínuos, enfim, “picaretas metidos a facão sem cabo”. A desculpa para a demora no atendimento (e como sabem demorar!...) é sempre a mesma: o diretor está em reunião. Para quem não desconfia de que se trata de mera desculpinha esfarrapada, acredita que eles se reúnem mais que os religiosos e demais dignatários da hierarquia eclesiástica...
Seriam os séculos de dominação responsáveis pelo comportamento estranho, inconsciente, de busca por poder? Nas capelas, raras vezes existem bancos, mas há cadeiras para as “autoridades”, em torno do altar. O Diretório Pastoral exige a troca do ancião, a cada três anos, mas há casos de comunidades onde o mesmo ancião está no trono há mais de vinte anos. Há casos de comunidades onde todas as principais lideranças são da mesma família (clã) e, quando há troca de animador e ancião, trabalham para garantir a continuidade, fazendo uma espécie de troca-troca de postos: o animador troca com o ancião, e assim por diante. Há casos de anciãos demitidos (por tempo de permanência limite no posto ou serviço) criam novos grupos de oração, que poderão futuramente se transformam em comunidades, abrindo oportunidade de retomada do poder.
Animação vocacional
Domingo (dia 29 de abril), Ir. Edilson coordenou mais um encontro dos vocacionados (as) de Mecuburi. Estes encontros são mensais. Para o domingo de Ramos estava previsto um encontro para iniciar a caminhada vocacional em Namina, onde a Ir. Davina (Irmã Capuchinha) coordenará esta Pastoral. Em função da demora da procissão e celebração, o referido encontro foi adiado, mas um grupo de 5 jovens se apresentou naquela ocasião.
Da parte da nossa comunidade daqui pensamos que ainda não reunimos condições para projetar formação de vocacionados locais. Podemos participar e estamos participando no processo de despertar e cultivar vocações para o clero local. Três jovens da região da missão estão no seminário de Maputo. Um já está na fase final do curso de Teologia.
Dia da Mulher
Em Moçambique o Dia Internacional da Mulher (8 de março) tem menor expressão que o dia 7 de abril, data oficial da celebração do dia da mulher. Em Maputo, o órgão responsável pela comemoração fez uma reunião prévia, para discutir com lideranças de diferentes religiões o tema da violência contra a mulher e abusos contra adolescentes.  A primeira dama do país programou uma partida de futebol feminino, como forma de ampliar o espaço da mulher moçambicana no esporte.
Efeitos nocivos da presença de algumas multinacionais
A Semana Social de Tete (23 a 28 de abril de 21012), abordou entre outros temas: As empresas Vale (do Rio Doce) e Rio Tinto (mineradora australiana, exportadora de carvão para a Índia): presenças, projetos, atividades, resultados; impacto sócio-político das grandes empresas mineiras na Província de Tete. Enfim, presenças de empresas multinacionais. Há muita reclamação, como aquelas publicadas na revista Vida Nova, da arquidiocese de Nampula. O próximo número deverá dedicar ampla reflexão a esta Semana Social.
Até agora não ouvi ou li qualquer notícia que desse ciência de contratos celebrados entre multinacionais e o governo moçambicano. É difícil medir (com que régua?!) ou avaliar situações sociais, sem ponto de partida. Quem é favorecido? Daquilo que foi estabelecido, o que está sendo posto em prática? A quem compete fiscalizar? Que papel joga o governo local em contratos celebrados?
Nos noticiosos radiofônicos, o governo passa a idéia de dimensão salvadora das multinacionais, que geram empregos. Os adversários pintam as mesmas empresas como instâncias diabólicas.  Onde há bastante fumaça é possível imaginar que há focos de fogo. Sem objetividade mínima, fica difícil fazer avaliação. Como sempre, fico com a hipótese de que o povo é um mero detalhe.
Visita do Governador da Província
Dia 25 de abril aconteceu a visita do governador da Província ao distrito de Mecuburi. Os preparativos foram intensos e bem visíveis: trator da administração em circulação, redução expressiva do lixo na “avenida” principal, escolas limpando seus pátios... (Administração local fingindo que trabalha para o governo provincial fingir que acredita no trabalho da administração).
O Governador veio inaugurar o posto de combustível, que é do governo, cedido à administração particular, em regime de concessão. Fez uma visita à nossa Escola Rural (aliás,  esta foi a notícia mais divulgada nos meios de comunicação, com destaque especial no noticiário da rádio Moçambique, em Nampula). O governador elogiou a iniciativa e reconheceu que ensino e prática precisam acontecer de forma sincronizada.
Comentam algumas lideranças locais que para julho próximo está agendada (não confirmada ainda) a visita do Presidente da República. Com isso, de nossa parte, amplia-se a expectativa do início das obras de eletrificação do distrito. Um depósito de material, localizado em Rapale (caminho de Nampula para cá) teve movimentação com o descarregamento de dois conteiners, trazendo cabos e acessórios diversos... Não podemos descrer de tudo, afinal a FRELIMO está também festejando 50 anos de existência...
Encontro dos catequistas
De 27 a 29 de abril, aqui na sede da missão, aconteceu o encontro anual dos catequistas da 3ª etapa do catecumenato, com a presença de 63 catequistas. Entre eles apenas uma mulher, de uma das comunidades daqui do distrito... Das 11 zonas em que se subdivide a o distrito de Mecuburi, apenas uma esteve ausente. Há comunidades onde não há 3ª etapa de catecumenato neste ano. Algumas também não estão tendo nenhum grupo de catecúmenos.
É elogiável o esforço que fazem estes catequistas. Muitos tropeçam feio na leitura da língua macua. Os textos de apoio aos catequistas são em macua. Penso que do ponto de vista de conhecimento de doutrina, apreensão de idéias, progresso intelectual, fica pouco.
No afã de melhorar, ou talvez melhor, disciplinar mais a pastoral, a Diocese tem uma preocupação fortemente centrada em multiplicação de regras. Se por um lado, se fala muito respeito à cultura local; por outro lado, uma visão tradicional de Igreja é bem notória. Boa parte do que está impresso em diretórios e manuais de lideranças não passa de sonho ou devaneio. No chão, o mundo da Igreja é bem distinto...
Às vezes me lembro do treinador do time de São José do Inhacorá, antes de um jogo contra a equipe Canto do Rio (1975), orientando seus atletas sobre como conduzir a bola, matando-a no peito, progredindo com a bola até a entrada da área pequena, para então chutar com força no ângulo... Os jogadores já se sentiam vitoriosos quando davam conta de acertar algum chute ou rebater a bola. O resto você pode imaginar sem maior esforço!
Encontro diocesano dos missionários/as
Aconteceu no dia 1º de maio, no seminário dos Combonianos, em Nampula. Cerca de 60 religiosos/as (entre eles alguns padres diocesanos) participaram do encontro. Diversas Comunidades estiveram ausentes, inclusive os colegas de Moma (do regional sul III). Pe. Pedro, a vítima da vez, ficou em casa, cuidando da sua malária. (Esta é a terceira malária em 3 meses... Isso o deixa muito abalado e também preocupado). O encontro consistiu em celebração eucarítica, avisos e lembrança da agenda do ano, tempo de integração (brincadeiras), almoço comunitário e retorno. No grupo é bastante visível a presença de diversos idosos e de diversos religiosos (em especial religiosas) negros, cuja maioria obviamente é muito jovem.
Visão pessimista da realidade?
Não! Há muita coisa boa por aqui. A sobrevivência da população, nas condições precárias de subsistência, é um verdadeiro milagre, demonstração viva de fé na vida. A alegria que o povo cultiva e manifesta impressiona. Vivem o dia presente.  A forma como celebram (cantorias em especial) são contagiantes. Indo e voltando de feiras, é bem comum encontrar grupos, caminhando e cantando. O esforço das lideranças para participar de encontros de formação também é notável e elogiável. A criatividade para se defender na vida sem recursos técnicos, faz pensar: construir casa, sem prego, arame...
Elmar Luiz Sauer msf (em nome da Comunidade)

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