“Levantamento
da Eucaristia”
Em quatro
lugares distintos (Mecuburi, Namina, Ratane e Milhana) aconteceu a celebração
do “levantamento da eucaristia”. Trata-se de uma celebração eucarística onde os
respectivos animadores de zona (sempre masculinos!) buscam a Eucaristia, para
redistribuí-la nas diferentes Comunidades para suas celebrações de Páscoa. O
objetivo é permitir que as pessoas comunguem no domingo da Páscoa. Não existe reserva eucarística nas
Comunidades, pois as capelas não oferecem segurança.
Comunicação
No interior
do interior, (pois Mecuburi já é bem interior) da missão a língua portuguesa é
bem escassa, mesmo entre as lideranças. E o idioma português que falam é
complicado. Às vezes tenho a nítida impressão de que estou numa colônia alemã,
nos idos de 1960, com uma sensível diferença:
habitada por negros. Muda apenas a cor dos interlocutores. Padre é
“Batre” e ajuda se escreve “axuda”... As traduções dos anciãos (líderes) me
parecem pouco confiáveis, em parte porque tem dificuldade em entender nosso
português. É neste mundo que circulamos. Ainda bem que o Espírito Santo veio
antes de nós e o principal do trecho depende exclusivamente dele.
Documento de identidade de
estrangeiros
Depois de
três viagens a Nampula, enfim consegui pagar a taxa e encaminhar meu pedido do
documento de identidade de residência de estrangeiros (DIRE). Em todos os
departamentos a informação vem em prestações, em velocidade ímpar, ou seja, em
ritmo lentérrimo. O Governo local
descobriu uma mina de ouro: a cobrança de taxa de residência dos estrangeiros,
cerca de 500 dólares anuais per capita.
Só no departamento de assuntos religiosos o número de pastas identificando
diferentes congregações e religiões impressiona, é muito grande. Para além
deste universo específico, sabemos que são muitos os estrangeiros aqui
residentes, ligados ao comércio, construção, mineração...
A obtenção de
cidadania moçambicana é possível apenas depois de 10 anos de residência no país,
mas apenas por 5 anos. Só depois de 20 anos de residência existe a
possibilidade de cidadania definitiva.
Escola Familiar Rural
As atividades
seguem. Uma dificuldade significativa é com o quadro de professores. Já houve
duas trocas. Os técnicos, em geral, são portadores de diplomas, sem experiência
ou prática. Aliás, aqui um tratorista, mesmo sem habilitação, é tratado pelo
título de mestre. A busca por emprego
vem bem antes da procura por trabalho. Ademais trabalho físico (manual) é visto
como castigo! “Comerás o pão com suor do teu rosto”.
Lembro que em
diversas fontenárias (poços
semi-artesianos), distribuídas pela região, equipados com bombas manuais, é
bastante freqüente você encontrar porcos que aí buscam água e, não raras vezes,
fazem suas “banheiras”, misturando-se à população. (Se isto é ecológico, não
discuto, mas que atrasa o saneamento e condições rudimentares de higiene, é
induscutível). Penso que a escola poderá ser um caminho para interferir num processo
de melhoria de vida. Se alguns jovens, de fato, se convencerem de que é
possível produzir melhor, isso já será uma conquista.
Em geral,
como as famílias não são proprietárias das terras que cultivam, não se
interessam por plantar árvores frutíferas. Pensam, costumeiramente, que não vão
plantar para outros colherem. Ademais
cultivar pomar, exige água, no longo período de seca, ao menos da fase inicial.
A preguiça endêmica, substrato inconsciente de séculos de escravidão (?), é
notória.
Além disso,
diversos estudiosos (antropólogos) afirmam que o hábito de refletir (usar a
razão) é pouco presente ou ativado. Afirmam ainda que na mentalidade popular
inexiste futuro. O presente está vinculado ao passado. Comentam que, em geral, ninguém pensa em
plantar para outros colher...
Nosso grau de
intervenção, imagino, que seja qualificando algo, como por exemplo, a forma de
produzir e lidar com a terra, é uma dimensão da nossa missão. Muitos falam
contra o hábito anual das queimadas, mas as mudanças são poucas. Não é possível
se conformar com o grau de miséria absoluta que aqui impera. O IDH de
Moçambique é o antepenúltimo na estatística da ONU de 2011. O crescimento da
economia (renda per capita, por decorrência) não se reflete em transformações
sociais significativas.
Progresso?
O celular (telemóvel, como é conhecido aqui) começa
a se tornar algo familiar. Há poucos dias levantaram mais uma torre, a 15 km
daqui, numa região também sem energia elétrica. Penso que seja um símbolo da
penetração do neocapitalismo. Nas escolas, num clima de concorrência entre os
adolescentes, o sonho é conseguir um. E em Nampula, à tarde, nas lojas, as TVs
transmitem novelas brasileiras. Elas, com certeza, não respeitam nada da
cultura local.
Outros
indicativos de consumo são casas cobertas de zinco (aqui ela se chama chapa) e aquisição de moto (aqui se chama
motorizada). Quem chega a este estágio
tem consciência de se destacar entre os demais. Há quem afirme que os
moçambicanos não moram em casas “estilo branco”, mas diversos, assim que tem
oportunidade ou condição, começam a entrar em estilo híbrido.
A plantação de
algodão tem merecido comentários elogiosos da parte do governo da Província. Até
falam que Muite é capital do algodão. Há poucos dias, contudo, o preço mínimo
sofreu uma redução de 30%. A região produtora de algodão (todo processo é
manual) registra o maior índice de
desnutrição infantil da Província. Por ocasião da venda do produto, o povo
costuma gastar enquanto tem. Deixam de plantar alimentos. A ressaca natural, em
decorrência, é a fome. Tudo está ligado à falta do hábito de planejar e
organizar a vida e a economia. Mais
motos são compradas, mais dinheiro é gasto com coisas que não são de primeira
necessidade. Quando o dinheiro acaba, passa-se a pensar e reclamar.
A luta pelo poder
A luta das
lideranças por espaços nas comunidades é notória. O exercício do poder, via
vigilância e cobrança, também impera. Bem mais que líder, o próprio se torna
fiscal, fazendo o possível para favorecer os seus. O que nós imaginamos ser luta
por espaço e poder, para a população local , é algo bem normal e correto. Nunca
é pensado como problema.
Na escola
secundária, de 10ª a 12ª série, a juventude prima pelo uniforme, com o uso de
gravata. Trata-se de “meia-gravata”, sempre “meia-apertada” ao pescoço. Camisa
branca (ou quase), suada e empoeirada: este perfil é ostentado com orgulho. Os
alunos da escola secundária precisam mostrar que são superiores aos estudantes
da fase anterior: eis a razão do uniforme.
As
repartições públicas estão recheadas de diretores, adjuntos, contínuos, enfim, “picaretas
metidos a facão sem cabo”. A desculpa para a demora no atendimento (e como
sabem demorar!...) é sempre a mesma: o diretor está em reunião. Para quem não
desconfia de que se trata de mera desculpinha esfarrapada, acredita que eles se
reúnem mais que os religiosos e demais dignatários da hierarquia eclesiástica...
Seriam os
séculos de dominação responsáveis pelo comportamento estranho, inconsciente, de
busca por poder? Nas capelas, raras vezes existem bancos, mas há cadeiras para
as “autoridades”, em torno do altar. O Diretório
Pastoral exige a troca do ancião, a cada três anos, mas há casos de
comunidades onde o mesmo ancião está no trono há mais de vinte anos. Há casos
de comunidades onde todas as principais lideranças são da mesma família (clã)
e, quando há troca de animador e ancião, trabalham para garantir a
continuidade, fazendo uma espécie de troca-troca de postos: o animador troca
com o ancião, e assim por diante. Há casos de anciãos demitidos (por tempo de
permanência limite no posto ou serviço) criam novos grupos de oração, que poderão
futuramente se transformam em comunidades, abrindo oportunidade de retomada do
poder.
Animação
vocacional
Domingo (dia
29 de abril), Ir. Edilson coordenou mais um encontro dos vocacionados (as) de
Mecuburi. Estes encontros são mensais. Para o domingo de Ramos estava previsto
um encontro para iniciar a caminhada vocacional em Namina, onde a Ir. Davina (Irmã
Capuchinha) coordenará esta Pastoral. Em função da demora da procissão e
celebração, o referido encontro foi adiado, mas um grupo de 5 jovens se
apresentou naquela ocasião.
Da parte da
nossa comunidade daqui pensamos que ainda não reunimos condições para projetar
formação de vocacionados locais. Podemos participar e estamos participando no
processo de despertar e cultivar vocações para o clero local. Três jovens da
região da missão estão no seminário de Maputo. Um já está na fase final do
curso de Teologia.
Dia da Mulher
Em Moçambique
o Dia Internacional da Mulher (8 de
março) tem menor expressão que o dia 7 de abril, data oficial da celebração do
dia da mulher. Em Maputo, o órgão responsável pela comemoração fez uma reunião
prévia, para discutir com lideranças de diferentes religiões o tema da
violência contra a mulher e abusos contra adolescentes. A primeira dama do país programou uma partida
de futebol feminino, como forma de ampliar o espaço da mulher moçambicana no
esporte.
Efeitos nocivos da presença de
algumas multinacionais
A Semana Social de Tete (23 a 28 de abril
de 21012), abordou entre outros temas: As
empresas Vale (do Rio Doce) e Rio Tinto (mineradora australiana, exportadora de
carvão para a Índia): presenças, projetos, atividades, resultados; impacto
sócio-político das grandes empresas mineiras na Província de Tete. Enfim,
presenças de empresas multinacionais. Há muita reclamação, como aquelas
publicadas na revista Vida Nova, da
arquidiocese de Nampula. O próximo número deverá dedicar ampla reflexão a esta
Semana Social.
Até agora não
ouvi ou li qualquer notícia que desse ciência de contratos celebrados entre
multinacionais e o governo moçambicano. É difícil medir (com que régua?!) ou
avaliar situações sociais, sem ponto de partida. Quem é favorecido? Daquilo que
foi estabelecido, o que está sendo posto em prática? A quem compete fiscalizar?
Que papel joga o governo local em contratos celebrados?
Nos
noticiosos radiofônicos, o governo passa a idéia de dimensão salvadora das
multinacionais, que geram empregos. Os adversários pintam as mesmas empresas
como instâncias diabólicas. Onde há
bastante fumaça é possível imaginar que há focos de fogo. Sem objetividade
mínima, fica difícil fazer avaliação. Como sempre, fico com a hipótese de que o
povo é um mero detalhe.
Visita do Governador da Província
Dia 25 de
abril aconteceu a visita do governador da Província ao distrito de Mecuburi. Os
preparativos foram intensos e bem visíveis: trator da administração em
circulação, redução expressiva do lixo na “avenida” principal, escolas limpando
seus pátios... (Administração local fingindo que trabalha para o governo
provincial fingir que acredita no trabalho da administração).
O Governador
veio inaugurar o posto de combustível, que é do governo, cedido à administração
particular, em regime de concessão. Fez uma visita à nossa Escola Rural (aliás,
esta foi a notícia mais divulgada nos meios de comunicação, com destaque
especial no noticiário da rádio Moçambique, em Nampula). O governador elogiou a
iniciativa e reconheceu que ensino e prática precisam acontecer de forma
sincronizada.
Comentam
algumas lideranças locais que para julho próximo está agendada (não confirmada
ainda) a visita do Presidente da República. Com isso, de nossa parte, amplia-se
a expectativa do início das obras de eletrificação do distrito. Um depósito de
material, localizado em Rapale (caminho de Nampula para cá) teve movimentação
com o descarregamento de dois conteiners, trazendo cabos e acessórios
diversos... Não podemos descrer de tudo, afinal a FRELIMO está também
festejando 50 anos de existência...
Encontro dos catequistas
De 27 a 29 de
abril, aqui na sede da missão, aconteceu o encontro anual dos catequistas da 3ª
etapa do catecumenato, com a presença de 63 catequistas. Entre eles apenas uma
mulher, de uma das comunidades daqui do distrito... Das 11 zonas em que se
subdivide a o distrito de Mecuburi, apenas uma esteve ausente. Há comunidades
onde não há 3ª etapa de catecumenato neste ano. Algumas também não estão tendo nenhum
grupo de catecúmenos.
É elogiável o
esforço que fazem estes catequistas. Muitos tropeçam feio na leitura da língua macua. Os textos de apoio aos
catequistas são em macua. Penso que
do ponto de vista de conhecimento de doutrina, apreensão de idéias, progresso
intelectual, fica pouco.
No afã de
melhorar, ou talvez melhor, disciplinar mais a pastoral, a Diocese tem uma
preocupação fortemente centrada em multiplicação de regras. Se por um lado, se
fala muito respeito à cultura local; por outro lado, uma visão tradicional de Igreja
é bem notória. Boa parte do que está impresso em diretórios e manuais de
lideranças não passa de sonho ou devaneio. No chão, o mundo da Igreja é bem
distinto...
Às vezes me
lembro do treinador do time de São José do Inhacorá, antes de um jogo contra a
equipe Canto do Rio (1975), orientando seus atletas sobre como conduzir a bola,
matando-a no peito, progredindo com a bola até a entrada da área pequena, para
então chutar com força no ângulo... Os jogadores já se sentiam vitoriosos
quando davam conta de acertar algum chute ou rebater a bola. O resto você pode
imaginar sem maior esforço!
Encontro
diocesano dos missionários/as
Aconteceu no
dia 1º de maio, no seminário dos Combonianos, em Nampula. Cerca de 60
religiosos/as (entre eles alguns padres diocesanos) participaram do encontro.
Diversas Comunidades estiveram ausentes, inclusive os colegas de Moma (do
regional sul III). Pe. Pedro, a vítima da vez, ficou em casa, cuidando da sua
malária. (Esta é a terceira malária em 3 meses... Isso o deixa muito abalado e também
preocupado). O encontro consistiu em celebração eucarítica, avisos e lembrança
da agenda do ano, tempo de integração (brincadeiras), almoço comunitário e
retorno. No grupo é
bastante visível a presença de diversos idosos e de diversos religiosos (em
especial religiosas) negros, cuja maioria obviamente é muito jovem.
Visão pessimista da realidade?
Não! Há muita
coisa boa por aqui. A sobrevivência da população, nas condições precárias de
subsistência, é um verdadeiro milagre, demonstração viva de fé na vida. A
alegria que o povo cultiva e manifesta impressiona. Vivem o dia presente. A forma como celebram (cantorias em especial)
são contagiantes. Indo e voltando de feiras, é bem comum encontrar grupos,
caminhando e cantando. O esforço das lideranças para participar de encontros de
formação também é notável e elogiável. A criatividade para se defender na vida
sem recursos técnicos, faz pensar: construir casa, sem prego, arame...
Elmar Luiz Sauer msf (em nome da Comunidade)
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