Envia-nos teu Espírito de indignação profética!
(At 2,1-11; Sl 103/104; 1Cor 12,3-7.12-13;
Jo 20,19-23)
Depois de um
percurso de descobertas e encontros com o Senhor ressuscitado, chegamos à
celebração de Pentecostes. É a culminância da experiência pascal. Como a comunidade apostólica, pedimos que o
Espírito realize em nós a obra do Pai e do Filho. Suplicamos que o Sopro de
Deus nos dê respiro e vida, nos ensine a testemunhar e anunciar o Reino de Deus
na língua das diversas culturas, derrube os muros que nossos medos e
prepotências ergueram, desperte a imaginação e a indignação proféticas, abra as
portas das nossas Igrejas e as coloque em ritmo de missão. Pois é o Espírito de
Deus que cria os vínculos que unem todas as criaturas,
suscita e sustenta os processos de libertação e garante a liberdade e a
criatividade, em todas as suas expressões.
Uma primeira e importante
expressão da presença e ação do Espírito Santo no mundo e nas pessoas são os
vínculos de amor, amizade e solidariedade. Onde o Espírito age e é acolhido as pessoas isoladas se reúnem, os
membros formam um corpo, dão-se as mãos e
caminham. É uma comunhão que transcende os indivíduos e se estende às coletividades
humanas, às organizações sociais e a todas as criaturas. Trata-se de uma comunhão que afirma a dignidade e respeita a diversidade de
cada ser.
A força do
Espírito também une pessoas e gerações
diferentes numa unidade familiar, étnica e nacional. Esta comunhão se amplia e
reúne as diversas pessoas e diferentes
culturas numa comunidade eclesial, centrada na memória e na missão de Jesus
de Nazaré. É uma comunhão que vai além das fronteiras de família, etnia e nação,
um tecido costurado pela dignidade afirmada e por uma missão compartilhada.
Aqui a diversidade dos membros não só é tolerada mas também defendida e
celebrada.
O dinamismo de
comunhão suscitado pelo Espírito também aproxima
e articula as diferentes comunidades cristãs e religiões. A diversidade de
religiões e Igrejas cristãs não é apenas fruto dos limites e pecados da
humanidade, mas também expressão plural do único Mistério de Deus que se
autocomunica respeitando a diversidade humana. O mesmo e único Espírito está na
nascente dos diferentes movimentos religiosos e os empurra para o diálogo
ecumênico e inter-religioso.
Este dinamismo de comunhão está na base da
harmonia e da consolação, frutos do Espírito. Mas a busca do “repouso” e da
“consolação” no Espírito tornou-se uma febre, induzida e sustentada por
infindáveis e piedosos programas de rádio e de televisão. É claro que a
consolação e a paz não são experiências alheias à vida cristã. A primeira
palavra que Jesus dirige aos discípulos, que morriam de medo dos judeus e de
vergonha por terem abandonado Jesus, é exatamente “a paz esteja com vocês!”
O problema surge quando uma determinada
espiritualidade leva os fiéis ao quietismo
e à fuga do mundo, a refugiarem-se em
celerações no mínimo questionáveis. Muitos acabam buscando – e os agentes
religiosos oferecem de bom grado! – uma paz induzida, algo como uma droga que
anestesia e oferece uma falsa sensação de paz. E então o pecado do mundo e a
estruturas injustas pouco importam. Tudo se resume em experimentar paz no
coração e na alma. Isso vem do Espírito Santo?
“Então apareceram línguas como
de fogo...”
Nossa profissão de fé diz pouco acerca do
Espírito Santo, mas esse pouco é suficientemente claro. O Espírito enviado a
todas as criaturas “é Senhor e dá vida” e “falou pelos profetas”. Eis aqui algo
frequentemente esquecido pelas pessoas que se entusiasmam por uma certa renovação. Um dos dons do Espírito é a imaginação e indignação proféticas. E
isso está a quilômetros de distância do imobilismo omisso pregado em cultos
frequentados por multidões sedentas de prosperidade e de cura.
Uma das imagens do dom Espírito que ficou
gravada na mente dos apóstolos, descrita na primeira leitura, é de ruído de um vento forte e de línguas de
fogo que repousavam sobre a comunidade reunida. Vento forte e línguas de
fogo são imagens que procuram dar conta de um dinamismo incontrolável, de uma força
que move e leva adiante, de uma palavra
forte e mobilizadora. São imagens que lembram o furacão da profecia, a
eloquência de homens e mulheres que falam, gritam e agem em nome de Deus.
O punhado de gente que fez a experiência
pentecostal naquela manhã em Jerusalém – pentecostes que se renova mais vezes e
em diferentes grupos, inclusive de pagãos! – passa a falar intrepidamente e a
enfrentar autoridades e sistemas constituídos. É algo que nos faz lembrar isso
que ficou conhecido como Movimento dos
Indignados, que completou um ano de vida em 15 de maio último, e que
provocou a primavera árabe, e
continua questionando a democracia formal e o império do dinheiro.
“Como
o Pai me enviou, eu também envio vocês.”
Sem deixar de ser uma experiência de
oração, adoração, canto, consolação e alegria, o dom do Espírito Santo não se
resume nisso. Jesus Cristo é o homem do Espírito, e sua vida está longe de ser
a de um monge ou guru do bem-estar individual. Antes, ele é modelo e caminho de
uma vida radicalmente descentrada de si mesmo, de uma atuação absolutamente
voltada às necessidades e à dignidade dos outros, de uma inserção questionadora
e transformadora no palco da história.
O Espírito é o sopro de Deus que faz novas todas as coisas, renovando assim a face
da terra. Mas ele costuma começar por renovar radicalmente as pessoas que
seguem Jesus Cristo, despindo-as da roupagem da indiferença, purificando-as da
impureza da dominação, desautorizando aquela “velha opinião formada sobre
tudo”, dispersando o pó que se acumulou sobre as doutrinas e leis, abrindo as
janelas fechadas pelo medo, fazendo renascer no ventre da liberdade e da
gratuidade.
Assim foi Jesus, assim são chamados/as a
ser aqueles/as que nele acreditam e receberam seu divino Sopro. “Como o Pai me
enviou, eu também envio vocês!” Mas não nos enganemos com soluções que nos
ensinaram velhas e piedosas lições. Ele nos envia a tirar o pecado do mundo e arcar com seu custo, como ele mesmo o fez,
o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo. Tirar o pecado do mundo
(no singular!) significa, hoje, entre outras coisas, cortar pela raiz o vírus
da dominação e da indiferença.
Há um outro vírus, fonte de doenças e
perversidades sociais e até religiosas, que o Espírito de Deus nos leva a
eliminar: trata-se do mal de querer garantir o bem-estar e a dignidade de
alguns à custa da exclusão ou do rebaixamento de muitos. Este vírus
infesta, em graus e modos diferentes, todas as sociedades, ganhou campo
inclusive no cristianismo, e se expressa especialmente no clericalismo e na
ideologia da supremacia ou exclusividade salvífica do cristianismo.
Escrevendo à comunidade cristã de Corinto,
Paulo é claro e insistente: há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo;
diferença de funções mas o Senhor é o mesmo; deferentes ações, mas um só Deus.
“Todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num só Espírito.
Todos nós bebemos de um único Espírito.” Não há como sustentar a supremacia dos
ministérios ordenados sobre os demais fiéis. Não há como rebaixar os
ministérios não-ordenados ou excluir deles as mulheres.
Mas, no bojo da ventania que vem do Espírito
de Jesus, caem também os muros que separam religiões pretensamente verdadeiras
das assim chamadas simples crenças, como também as escadas que elevam as religiões
que se autodefinem verdadeiras e rebaixam as ditas falsas. “Cada um ouvia os
discípulos falar em sua própria língua...” diz o autor dos Atos dos Apóstolos.
E Paulo diz sem rodeios que judeus e pagãos, escravos e livres, homens e
mulheres, (cristãos e mussulmanos), bebem do mesmo Espírito!
“Envia
teu Espírito, Senhor, e renova a face da terra!”
A ti, Deus
pai e mãe, voltamos nossos olhos e nossas mãos, nossa mente e nosso coração, para
pedir, com todas as forças do nosso ser: envia sobre nós e sobre a Igreja teu
divino Sopro! Sem ele, a missão não passa de conquista; a igreja atua como mera
sociedade de classes; o Evangelho se reduz a lei implacável; a moral
infantiliza e aprisiona; o ministério degenera em poder e tirania; a liturgia
vira arqueologia e fuga do compromisso. Sem teu Espírito tudo vira pó, ferro e
concreto... Envia teu Espirito para revitalizar os ossos ressequidos, sacudir
as democracias vazias e questionar os sistemas totalitários, mesmo quando se
apresentam como religião. Que ele nos ajude renascer como filhos/as da
liberdade e da gratuidade, na despojamento e na criatividade, na comunhão e na
solidariedade que não conhece condições nem fronteiras.
Assim seja! Amém!
Pe.
Itacir Brassiani msf
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