Reviver as memórias e celebrar as tradições
A tarefa de tornar concreto, audível, visível e palpável esse convite
não compete a nós, mas certamente ocupou a coordenação geral e as diversas
equipes. A nós, cristãos, compete iluminar e compreender este evento festivo,
turístico e comercial à luz da fé em Jesus Cristo. 
A Palavra do profeta Jeremias (31, 15-21)
Jeremias dirige sua mensagem, em nome de Deus, a um povo que vive a amarga experiência do exílio, longe da
sua terra e sob pressão de uma cultura diferente. Ele entende que Deus quer que
ele reanime a esperança desse povo disperso com a sua Palavra e a sua Promessa.
Jeremias parte da dura realidade dos exilados, da desolação das mães
diante da morte dos filhos e da dominação política, cultural e religiosa que
vivem. Em nome de Deus, Jeremias pede que enxuguem as lágrimas, porque existe
esperança de um futuro, de um retorno à pátria amada. 
Da parte de Deus, estão asseguradas a compaixão e o socorro, mas a
condição para o retorno é a autocrítica em relação às práticas e opções dos
dirigentes e de todo o povo. Por isso, Jeremias pede que sejam colocados marcos
e estacas na estrada percorrida, a fim de que não percam o caminho da volta.
Essa é a função da memória e das tradições: ajudar a não esquecer o caminho percorrido, a não
apagar a história, por mais dura que seja; a tomar consciência da própria
responsabilidade pelas crises e fracassos; a identificar os valores que podem
ajudar no retorno e na reconstrução.
Nesse aspecto, talvez seja importante avaliar o próprio caráter da festa
que estamos celebrando. Sem menosprezar o valor da diversão e dos negócios, da
comida e da bebida, dos shows e dos
desfiles, seria importante prever eventos que ajudem a resgatar a memória do
nosso povo, e não apenas a epopeia dos imigrantes alemães.
Convocação à memória
e à gratidão (Salmo 136)
O Salmo 136 é um hino de louvor ao amor infinito de Deus. Os motivos
concretos deste cântico agradecido são a bondade criadora de Deus, sua presença
libertadora na história do povo hebreu e a promessa realizada da conquista da
terra. A cada louvor o povo proclama que o amor de Deus não tem fim. E termina
pedindo a Deus que não falte pão e forças para todo o seu povo.
A tradição da oktoberfest
nasce em Munique em 1810, celebração popular concomitante ao casamento do
príncipe Luís e da princesa Teresa. Uma inculturação da festa em Santa Cruz poderia,
sim, ter comida, bebida, música e dança. Mas poderia, talvez, celebrar as
tradições alemãs, valorizar os produtos regionais e o “casamento” das tradições
alemães com as tradições portuguesas, africanas, italianas e dos diversos
migrantes que nos chegam hoje. E isso sem falar da união das diversas Igrejas e
tradições cristãs. Disso poderia brotar um vivo e autêntico louvor a Deus.
Uma advertência
séria de Jesus (Mateus 15,1-9)
Longe de mim estragar a alegria contagiante desta festa, como uma mosca
que pousa na sopa alheia! Também não estou entre aqueles que desprezam as
tradições em nome das inovações e das ondas culturais do momento. O próprio
Jesus não é alheio à alegria contagiosa das festas, como demonstrou
transformando água em vinho nas bodas de Caná. Ele se insere na tradição viva e
vivificante do seu povo. O próprio cristianismo assumiu como parte da sua vida
as mais caras tradições de Israel.
Mas, no texto do evangelho que foi proclamado há pouco, Jesus nos
adverte sobre o risco de manipular e
selecionar as tradições para justificar interesses de alguns e ambições
mesquinhas. Criticado pelos fariseus e doutores da lei por não seguir alguns
costumes e tradições, Jesus questiona fortemente os valores que estes costumes
guardam.
As autoridades defensoras das “tradições” criticam e denunciam Jesus e
seus discípulos por não seguirem o costume de lavar as mãos antes das
refeições, um preceito com função sanitária que se tornou absoluto e até motivo
de exclusão por impureza. Eles defendem essa tradição mas esquecem os valores
mais fundamentais e tradicionais, como a compaixão e a solidariedade.
No caso em questão, Jesus afirma sem rodeios que algumas tradições são permeadas de hipocrisia e podem acabar anulando a
Palavra de Deus, que é chamado ao cuidado, à proteção e à promoção de vida
abundante para todos. Voltando à passagem das bodas de Caná, precisamos
perceber quando as tradições se esgotaram e não asseguram mais a vida e a boa
convivência entre as diferentes pessoas e povos. 
Será que são ainda aceitáveis as tradições
que celebram a supremacia dos brancos sobre os negros, dos nativos sobre os
imigrantes, dos empreendedores sobre os trabalhadores, dos doutores sobre os
analfabetos, dos desbravadores sobre os povos originários, dos patrões sobre os
peões, dos homens sobre as mulheres, do cristianismo sobre as outras religiões,
do ser humano sobre as demais criaturas? A memória de Jesus e a Tradição cristã
não tornou caducas essas tradições e costumes?
Reviver
memórias, celebrar tradições
Voltemos à divisa que dá caráter à nossa festa: reviver memórias, celebrar tradições. Cantemos e dancemos,
mostremos as vestes e costumes que nossos antepassados nos entregaram. Mas não
esqueçamos que essa tradição nos ensina que a vida também é feita de buscas e
encontros, de lutas e reivindicações, de construção de pontes e de cooperação,
de acolhida e valorização dos diferentes.
Revivamos a memória das gerações que nos precederam, que migraram da
Alemanha trazendo nas malas mais dores que valores; das sucessivas gerações que
cultivaram estas terras e ergueram promissoras cidades e imponentes catedrais;
do sentido do trabalho, do valor do encontro e da cooperação, da importância da
escola. Mas não nos ocorra excluir dessas memórias as diversas violências que
eles sofreram e aquelas que eles mesmos praticaram contra os antigos habitantes
dessas terras e contra a própria terra e as formas de vida que nela encontravam
guarida. 
Dom Itacir
Brassiani msf
 
 
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