quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Celebração ecumênica na 40ª Oktoberfest de Santa Cruz do Sul

Reviver as memórias e celebrar as tradições

 O leitmotiv dessa quadragésima festa nos convida a reviver memórias e celebrar tradições. Certamente o que se tem em mente é reavivar a memória dos imigrantes alemães e seus descendentes e celebrar a cultura e as tradições que marcaram a vida das gerações subsequentes.

A tarefa de tornar concreto, audível, visível e palpável esse convite não compete a nós, mas certamente ocupou a coordenação geral e as diversas equipes. A nós, cristãos, compete iluminar e compreender este evento festivo, turístico e comercial à luz da fé em Jesus Cristo.

A Palavra do profeta Jeremias (31, 15-21)

Jeremias dirige sua mensagem, em nome de Deus, a um povo que vive a amarga experiência do exílio, longe da sua terra e sob pressão de uma cultura diferente. Ele entende que Deus quer que ele reanime a esperança desse povo disperso com a sua Palavra e a sua Promessa.

Jeremias parte da dura realidade dos exilados, da desolação das mães diante da morte dos filhos e da dominação política, cultural e religiosa que vivem. Em nome de Deus, Jeremias pede que enxuguem as lágrimas, porque existe esperança de um futuro, de um retorno à pátria amada.

Da parte de Deus, estão asseguradas a compaixão e o socorro, mas a condição para o retorno é a autocrítica em relação às práticas e opções dos dirigentes e de todo o povo. Por isso, Jeremias pede que sejam colocados marcos e estacas na estrada percorrida, a fim de que não percam o caminho da volta.

Essa é a função da memória e das tradições: ajudar a não esquecer o caminho percorrido, a não apagar a história, por mais dura que seja; a tomar consciência da própria responsabilidade pelas crises e fracassos; a identificar os valores que podem ajudar no retorno e na reconstrução.

Nesse aspecto, talvez seja importante avaliar o próprio caráter da festa que estamos celebrando. Sem menosprezar o valor da diversão e dos negócios, da comida e da bebida, dos shows e dos desfiles, seria importante prever eventos que ajudem a resgatar a memória do nosso povo, e não apenas a epopeia dos imigrantes alemães.

Convocação à memória e à gratidão (Salmo 136)

O Salmo 136 é um hino de louvor ao amor infinito de Deus. Os motivos concretos deste cântico agradecido são a bondade criadora de Deus, sua presença libertadora na história do povo hebreu e a promessa realizada da conquista da terra. A cada louvor o povo proclama que o amor de Deus não tem fim. E termina pedindo a Deus que não falte pão e forças para todo o seu povo.

A tradição da oktoberfest nasce em Munique em 1810, celebração popular concomitante ao casamento do príncipe Luís e da princesa Teresa. Uma inculturação da festa em Santa Cruz poderia, sim, ter comida, bebida, música e dança. Mas poderia, talvez, celebrar as tradições alemãs, valorizar os produtos regionais e o “casamento” das tradições alemães com as tradições portuguesas, africanas, italianas e dos diversos migrantes que nos chegam hoje. E isso sem falar da união das diversas Igrejas e tradições cristãs. Disso poderia brotar um vivo e autêntico louvor a Deus.

Uma advertência séria de Jesus (Mateus 15,1-9)

Longe de mim estragar a alegria contagiante desta festa, como uma mosca que pousa na sopa alheia! Também não estou entre aqueles que desprezam as tradições em nome das inovações e das ondas culturais do momento. O próprio Jesus não é alheio à alegria contagiosa das festas, como demonstrou transformando água em vinho nas bodas de Caná. Ele se insere na tradição viva e vivificante do seu povo. O próprio cristianismo assumiu como parte da sua vida as mais caras tradições de Israel.

Mas, no texto do evangelho que foi proclamado há pouco, Jesus nos adverte sobre o risco de manipular e selecionar as tradições para justificar interesses de alguns e ambições mesquinhas. Criticado pelos fariseus e doutores da lei por não seguir alguns costumes e tradições, Jesus questiona fortemente os valores que estes costumes guardam.

As autoridades defensoras das “tradições” criticam e denunciam Jesus e seus discípulos por não seguirem o costume de lavar as mãos antes das refeições, um preceito com função sanitária que se tornou absoluto e até motivo de exclusão por impureza. Eles defendem essa tradição mas esquecem os valores mais fundamentais e tradicionais, como a compaixão e a solidariedade.

No caso em questão, Jesus afirma sem rodeios que algumas tradições são permeadas de hipocrisia e podem acabar anulando a Palavra de Deus, que é chamado ao cuidado, à proteção e à promoção de vida abundante para todos. Voltando à passagem das bodas de Caná, precisamos perceber quando as tradições se esgotaram e não asseguram mais a vida e a boa convivência entre as diferentes pessoas e povos.

Será que são ainda aceitáveis as tradições que celebram a supremacia dos brancos sobre os negros, dos nativos sobre os imigrantes, dos empreendedores sobre os trabalhadores, dos doutores sobre os analfabetos, dos desbravadores sobre os povos originários, dos patrões sobre os peões, dos homens sobre as mulheres, do cristianismo sobre as outras religiões, do ser humano sobre as demais criaturas? A memória de Jesus e a Tradição cristã não tornou caducas essas tradições e costumes?

Reviver memórias, celebrar tradições

Voltemos à divisa que dá caráter à nossa festa: reviver memórias, celebrar tradições. Cantemos e dancemos, mostremos as vestes e costumes que nossos antepassados nos entregaram. Mas não esqueçamos que essa tradição nos ensina que a vida também é feita de buscas e encontros, de lutas e reivindicações, de construção de pontes e de cooperação, de acolhida e valorização dos diferentes.

Revivamos a memória das gerações que nos precederam, que migraram da Alemanha trazendo nas malas mais dores que valores; das sucessivas gerações que cultivaram estas terras e ergueram promissoras cidades e imponentes catedrais; do sentido do trabalho, do valor do encontro e da cooperação, da importância da escola. Mas não nos ocorra excluir dessas memórias as diversas violências que eles sofreram e aquelas que eles mesmos praticaram contra os antigos habitantes dessas terras e contra a própria terra e as formas de vida que nela encontravam guarida.

Dom Itacir Brassiani msf

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