Procuremos a Paz com paciência e tenacidade.
(Nm 6,22-27; Sl 66/67; Gl 4,4-7; Lc 2,16-21)
Na celebração cristã do Novo Ano se entreleçam três temas: o começo de um novo ano civil, a maternidade de Maria e a Jornada Mundial pela Paz. Para começar, lembremos que um ano novo, marcado pela novidade regeneradora da Paz, não costuma chegar da noite para o dia, ao som e luz de fogos de artificio. As novidades promissoras e duradouras costumam ser gestadas muito pacientemente no ventre profundo da história e das pessoas de boa vontade, daquelas que acolhem os dons e convites que vêm dos desertos, das periferias e das fronteiras, dons que desestabilizam e põem a caminho. As novidades promissoras e duradouras vêm do fogo do Espírito, acolhido no íntimo da oração e posto em ação no ardor das lutas. Bento XVI sublinha que a Paz precisa ser buscada com paciência e tenacidade.
“O Senhor te abençoe e te quarde!”
A cada ano o mundo reconhece oficialmente uma pessoa como referência para a construção da Paz e lhe concede o Prêmio Nobel. Normalmente este reconhecimento é correto e dá força a pessoas que lutam com poucos meios, arriscando a própria vida para que os outros vivam e convivam melhor. Graças a Deus, o prêmio do ano 2011 foi para três mulheres admiráveis: Ellen Johnson-Sirleaf, presidente da Libéria; Leymah Gbowee e Tawakul Barman, ativistas dos Direitos Humanos.
Nascido e acolhido também por nós e no meio de nós, Jesus de Nazaré pacifica o mundo estabelecendo relações novas, baseadas na justiça, inclusive na justiça internacional. E ele cumpre a promessa de Deus e a esperança humana através de cada um/a de nós, dos homens e mulheres de boa vontade, dos/as líderes autênticos/as e das organizações que não se resignam à paz aparente, a paz baseada no equilíbrio de forças ou no terrorismo estatal.
Moisés recebeu de Deus, ensinou a Aarão e todos nós aprendemos: somos convidados a abençoar e bendizer (dizer o bem) as pessoas, grupos, comunidades e organizações. Que o nosso desejo em relação a todos/as seja tão belo e tão profundo quanto as palavras que podemos repetir durante todo o dia de hoje: “Deus te abençoe e te guarde! Deus mostre seu rosto brilhante e tenha piedade de ti! Deus mostre seu rosto e te dê a paz!” Assim seremos princípios e príncipes da Paz.
“Os pastores retiraram-se louvando e glorificando a Deus...”
O tempo de Natal continua, e a liturgia também segue convidando a penetrar mais profundamente o mistério da encarnação de Deus. Hoje contemplamos a chegada dos pastores à gruta Belém. Lá eles encontram Jesus no seio de uma família pobre e migrante. Ficam vivamente impressionados com o que vêem, e comparam com tudo aquilo que tinham ouvido. Como pode uma criatura tão frágil ser portadora da Paz a todos os homens e mulheres de boa vontade?
Parece que os pastores conseguiram compreender este mistério de um Deus a quem não apraz a força dos cavalos ou dos tanques, dos cortejos de acólitos, das doutrinas – mesmo as eclesiásticas! – e dos códigos de direito – mesmo os canônicos! –, nem tampouco os kamikazes e homens-bomba. Ele se alegra com o despojamento solidário de quem se faz próximo e peregrino com os deslocados e, por isso, volta louvando e glorificando a Deus por tudo o que vê e ouve.
Jesus recebe o nome proposto pelo Anjo a Maria no anúncio-convite. Ele se chama boa notícia da salvação: Deus salva seu povo do pecado. Ele age libertando, perdoando. Estamos livres do débito que temos conosco mesmos/as e com os outros por não conseguirmos realizar a utopia que realmente sonhamos. Estamos livres da culpa de termos ficado aquém ou de termos errado o alvo. Deus não espera que cheguemos heroicamente a ele. Ele mesmo vem decididamente ao nosso encontro. Ele é nossa Paz!
“O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a Paz!”
Suspiramos por uma Paz que é tão necessária quanto urgente. Uma paz que não venha apaziguar superficialmente as relações humanas passando ao largo das relações desiguais que precisam ser mudadas. Gememos e sofremos por uma Paz geral e profunda que parece atrasada e até impossível. Lutamos por esta Paz em todas as frentes a ponto de quase perdermos a paz.
Esta Paz não está unicamente no fim do caminho, na plena confraternização entre lobos e cordeiros, serpentes e crianças. Ela está no caminho, na caminhada, nos/as caminhantes. Está nas pessoas inconformadas que ousam mudar, renovar, começar de novo, e isso a cada dia. Está nos homens e mulheres que adquiriram a sabedoria que vê nas sementes as flores e os frutos que virão depois, que encarnam nas relações cotidianas os sonhos e utopias que, literalmente, parecem não ter um lugar.
Em cada missa o presidente da celebração reza pedindo a Paz a Jesus Cristo, lembrando que ele a ofereceu aos discípulos, na noite da páscoa. E deseja que a Paz de Jesus Cristo, não aquela paz pequena construída sobre o medo do poder do outro, esteja sempre conosco. E nós respondemos que o amor de Cristo nos uniu e, portanto, estamos em paz e dispostos/as a fazer o possível para que esta Paz presida as relações entre pessoas, povos, nações e religiões. É aqui que começa o mundo novo celebrado no Natal.
“E todos recebemos a dignidade de filhos/as...”
Na mensagem para a Jornada Mundial da Paz celebrada hoje em todo o mundo, cujo tema é educar os jovens para a Justiça e a Paz, o Papa Bento XVI lembra que a Paz é bem mais que ausência de guerra ou equilíbrio de forças militares. “A Paz não é possível sem a salvaguarda do bem das pessoas, a livre comunicação entre os seres humanos, o respeito pela plena dignidade das pessoas e dos povos e a prática da fraternidade. A Paz é fruto da justiça e efeito da caridade”.
A Paz não é apenas um dom a ser pedido e recebido na oração, mas uma obra a ser construída com perseverança e abertura de coração. Para que a juventude seja efetivamente artífice da Paz é preciso que tenham acesso a um processo educativo que a exercite na compaixão, na colaboração e na solidariedade. É esse exercício que possibilita o despertar da consciência para as grandes questões nacionais e internacionais, relativizando a busca de um bem-estar egoísta e pouco cristão.
É exatamente neste aspecto que o Papa reconhece nos jovens um precioso dom para a sociedade e a Igreja, e os convida a viver com confiança os anseios profundos por felicidade, verdade, beleza e amor verdadeiros. Assim eles são também exemplo e estímulo para os adultos, especialmente da recusa da injustiça e da corrupção. “Não tenhais medo de vos empenhar, de enfrentar a fadiga e o sacrifício, de optar por caminhos que requerem fidelidade e constância, humildade e dedicação”, interpela Bento XVI.
“Nascido de mulher, nascido sujeito à Lei...”
O último versículo do evangelho de hoje nos faz saber que Jesus foi circuncidado. Com este rito, Jesus é oficialmente acolhido no mundo do judaísmo, tornando-se partícipe de sua história e de suas utopias. Mas, como nos lembra o Pe. Berthier, com esta marca física ele diz também que quer levar no seu corpo a marca do pecado e o peso da dor que faz gemer a terra. E é do ventre desta dor que ele desperta a dignidade de todas as criaturas e o grito em coro: “Abbá, pai querido!”
Para os cristãos, o fundamento da Paz é a relação de Jesus Cristo. Nascido de mulher e sob a Lei, Jesus conduz à liberdade todas as pessoas, começando pelos últimos, pelas pessoas que são colocadas à margem. Ele confirma que Deus reconhece todos/as como filhos/as, convidando a superar relações pautadas pelo medo e pela escravidão. Todos/as estão em paz com Deus! Todos podem proclamar “meu Papai querido!” É aqui que a glória de Deus se espalha na terra e um ano e um mundo novo iniciam.
Na condição de filhos/as, somos também herdeiros/as. Qual é a herança que recebemos? Nada menos que o Reino de Deus, o horizonte que deu sentido e força à prática de Jesus, a “shalom” que proporciona o “tudo de bom” que repetimos nestes dias de passagem, o convívio sadio que descansa em bases de justiça. Somos herdeiros/as do sonho de uma humanidade que se reconheça como família de nações, povos, etnias e religiões, diferentes mas igualmente respeitáveis, dignas e irmãs.
Deus querido, Pai e Mãe! Faz-nos construtores/as de Paz neste ano que inicia. Ensina-nos a contemplar e compreender o anseio de Paz e de comunhão que pulsa no coração do mundo. Suscita em nós o canto que brota da dignidade indestrutível de filhos e filhas. Guia-nos no respeito e no respeito e no apreço pela sede de Paz que inquieta e mobiliza nossos jovens. E dá-nos experimentar, como Maria e os pastores, a alegria de reconhecer a grandeza de Deus na pequenez e na fragilidade humana.
Pe. Itacir Brassiani msf