Tempos houve em que os/as religiosos/as compreendiam sua opção de vida prioritariamente como estado de vida, elevação, superioridade, ponto de chegada. Os votos sinalizavam, ritualizavam e organizavam a passagem e a entrada em um novo e superior patamar ou ordem sócio-religiosa. O que importava então era preservar a posição adquirida, seus símbolos, ritos e diferenciações.
Com o advento do Concílio Vaticano II, os/as religiosos/as foram insistentemente desafiados/as a viver e se auto-compreender mais como peregrinos de uma caminhada humana e espiritual, como chamados/as a ser um sinal eloqüente, uma palavra iluminadora, animadora e provocadora de Deus para a Igreja e para o mundo. Os votos passaram a ser vistos e vividos como sinais do amor de Deus pela humanidade e da dedicação dos homens e mulheres ao projeto de Deus para o mundo.
Na exortação Vita Consecrata, João Paulo II faz da metáfora lingüística “sinal” uma imagem central na reflexão sobre a vida consagrada. Para ele, a Vida Religiosa é colocada como “sinal e profecia para a comunidade dos irmãos e para o mundo” (VC 15c). Na verdade, o caráter de sinal não é propriamente um dado, um fato, mas um chamado ou uma vocação que se realizará na medida em que os/as religiosos/as assimilarem ou se con-formarem com o jeito de ser de Jesus Cristo.
Os três votos, que expressam o desejo de se conformar a Jesus Cristo e se fundamentam na experiência da beleza e da compaixão de Deus, possibilitam e pedem que os religiosos e religiosas se tornem um reflexo do amor, da doação e do serviço solidário de Deus aos homens e mulheres que mais sofrem. E, na medida em que vivem a fraternidade comunitariamente, os religiosos e religiosas se tornam “sinal eloqüente da comunhão eclesial”, força de atração e sinal interpelador para um mundo dividido e dilacerado. Testemunham “o sentido da comunhão entre os povos, as raças, as culturas” (VC 51c).
Sabemos que um sinal não pode ser vazio nem incompreensível. Um sinal de trânsito que indica o limite máximo de 80 km de velocidade numa estrada instransitável não faz sentido. Uma cruz apresentada a um grupo humano que nunca teve nenhum contato com a história do cristianismo não passa de dois pedaços de madeira sem nenhum significado. No caso da Vida Religiosa, ser sinal do Reino ou de Deus implica na capacidade de demonstrar espontânea e serenamente pelo modo de se relacionar, pelas opções e compromissos, pelos projetos e práticas que Deus está ativamente presente neste mundo como irmão, defensor e servidor dos sofredores e pobres.
A Vida Religiosa perde sua relevância e sua eloqüência de sinal quando se distancia das angústias e tristezas, alegrias e esperanças dos homens e mulheres de hoje. E se toma distância dos homens e mulheres concretos é porque já deu as costas ao Deus vivo que ama, chama, converte e envia. Assim, a Vida Religiosa talvez corra o risco de testemunhar um deus pouco ou nada evangélico: indiferente, distante, alheio às dores e lutas humanas em geral e dos pobres, oprimidos e marginalizados em particular. A falta de vitalidade e de paixão evangélica de boa parte dos religiosos e religiosas, sua notável funcionalidade eclesiástica e social, acaba por revelar um deus sem ternura, sem projeto histórico, afeiçoado apenas aos odores, louvores e poderes. Um deus calculista, frio, sem coração. Um deus que pouco tem a ver com Aquele que se mostrou em Jesus Cristo.
Não se trata de opor a dedicação e o cultivo da relação com Deus à dedicação despojada e solidária aos filhos e filhas de Deus. Sobre isso, João Paulo II é claro e incisivo: “O olhar fixo no rosto do Senhor não diminui no apóstolo o empenho em favor do homem; pelo contrário, reforça-o, dotando-o de uma nova capacidade de influir na história, para a libertar de tudo quanto a deforma. A busca da beleza divina impele as pessoas consagradas a cuidarem da imagem divina deformada nos rostos de irmãos e irmãs.” (VC 75c). A pessoa de Jesus Cristo que encontrada na contemplação “é o mesmo que vive e sofre nos pobres” e, para os consagrados, “nada pode ser preferido ao amor pessoal por Cristo e pelos pobres nos quais vive” (VC 82c; 84a).
Quando a Vida Religiosa é vivida e compreendida como sinal e testemunho, a missão passa a ser essencial. Basicamente, a missão dos religiosos consiste em “tornar presente o próprio Cristo no mundo, através do testemunho pessoal” (VC 72b), ou seja: vivendo um projeto de humanização, reconciliação e libertação. Sua tarefa é mostrar eloqüentemente em cada pessoa consagrada, nas opções que faz, nos compromissos que assume, nas práticas comunitárias e sociais que realiza, “que quanto mais alguém vive de Cristo, mais livre e ousado se torna no servi-lo nos outros” (VC 77a).
A Vida Religiosa é hoje colocada diante do desafio de ser um testemunho eloqüente e fascinante para os homens e mulheres que vivem imersos na cultura pós-moderna. Cumprirá este papel se souber sintonizar com a cultura e com a história. Se for capaz de assumir os valores fundamentais da humanidade de hoje, como a democracia, a participação, a liberdade, a individualidade, a subjetividade, a sexualidade, a solidariedade, a itinerância, a gratuidade, etc. Se não tiver medo e não for covarde diante da dor e do desespero de dois terços da humanidade que vive na pobreza e na marginalização. Se não for fechada e resistente à aventura de se deixar seduzir e conduzir por um Deus que só se dá a conhecer àqueles que abandonam a segurança de seus conceitos e projetos.
Sem esta louca ousadia a Vida Religiosa corre o risco de se tornar algo como as construções antigas, tão abundantes aqui em Roma: bonitas para visitar, olhar e apreciar, mas nada atraentes e confortáveis para habitar; coisas de um tempo que não existe mais; sinais daquilo que já deu o que tinha que dar, de algo incapaz de dar sentido aos sonhos e inquietudes das pessoas de hoje. E de nada vai adiantar exercitar e modernizar o marketing vocacoional, uma vez que o produto não tem mais sabor nem qualidade.
Pe. Itacir msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário