terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O QUE RESTOU DO NATAL?

Hoje é terça-feira, 27 de dezembro. Dois dias se passaram desde a festa do Natal. É verdade que nem tudo passou: sobram alguns doces no cantinho da geladeira; vários parentes e amigos continuam na nossa sua; as vitrines ainda exibem a figura folclórica do “bom velhinho” e nos tentam com falsas ofertas, saldos e liquidações; até algumas luzes que enfeitam fachadas e praças acendem e apagam, oferecendo um brilho artificial que tenta esconder a falta de luz de muitas vidas. E eu, sem remorsos e sem ingenuidade, pergunto aos meus botões: o que restou do Natal?

Para responder a mim mesmo esta pergunta, sinto ser necessário responder a uma outra indagação, mais profunda e substancial: o que é o Natal? A resposta vem fácil, está na ponta da língua: é a comemoração da nascimento de Jesus Cristo. Mas meus neurônios inquietos se desdobram em questionamentos: quem foi Jesus Cristo? Como foi seu nascimento? Que significado teve sua vida para o povo daquele tempo, para humanidade toda e para nós que vivemos mais de 2000 anos depois?

O nascimento de Jesus foi como uma grande luz para quem andava na escuridão da opressão que levava à morte. Os cristãos ligaram o acontecimento do nascimento daquele menino chamado Jesus com uma teimosa e bela esperança do povo judeu: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para aqueles que habitavam um país tenebroso. Multiplicaste o povo, aumentaste o seu prazer. Vão alegrar-se diante de ti como na alegria da colheita... Porque quebraste a canga de suas cargas, a vara que batia em suas costas, o bastão do capataz de trabalhos forçados. Porque toda bota que pisa com barulho e toda farda empapada de sangue serão queimadas, devoradas pelas chamas. Porque nasceu para nós um menino...” (Isaías 9,1-5). Portanto, o nascimento de Jesus significa a afirmação da esperança dos pobres, a quebra da força dos poderosos.

O Natal foi vivido pelos cristãos como uma grande festa de vitória dos pobres. É verdade que uma vila como Belém não era algo assim tão grandioso. E dar à luz em plena viagem imposta não é muito cômodo. Dormir os primeiros cochilos numa cocheira onde são tratados os animais não é uma fantasia muito agradável. Imagine uma estrebaria: animais, moscas, mau cheiro... Mas na fragilidade e na pobreza daquele menino os pastores sentiram firmeza. Na singeleza daquela improvisada maternidade muitos perderam o medo. E viram naquele Menino uma boa notícia capaz de despertar alegria para todo o povo e medo naqueles que se aferram aos podres poderes (cf. Lc 2,1-13). Naquela criança se confirmava uma promessa e nascia uma esperança que transformaria a humanidade: na força aparentemente derrotada dos fracos sobrevive um projeto de vida invencível; no despojamento de uma criança enrolada em tiras de pano os pobres de todos os tempos descobriram um presente precioso: a dignidade de ser humano, a grandeza de ser habitação e imagem de Deus.

E o que restou então do Natal? Do natal brilhoso e sonante das ruas enfeitadas, dos shoppings e cidades turísticas,  quase nada. Ou melhor: o lucro dos comerciantes; os acidentes nas estradas; a conta bancária em vermelho; a lágrima escondida nos olhos dos pobres; enfim, um resto insosso e incolor. Mas do Natal de Jesus, da celebração despojada das comunidades que reúnem homens e mulheres de boa vontade, sobra algo extremamente precioso e impagável. A certeza de que cada criatura humana tem uma dignidade que até Deus aprecia. A convicção de que nosso Deus avaliza as mais profundas e concretas esperanças dos humilhados. A experiência de que a solidariedade e a esperança estão carregadas de imortalidade e, por isso, têm futuro.
Itacir Brassiani msf

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