sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

DOM ANSELMO MÜLLER MSF: MEMÓRIA DOS SEUS DIFÍCEIS ÚLTIMOS DIAS (2)

 Complicações com a saúde

No final de 2010 Dom Anselmo sofreu complicações de saúde e teve que ser submetido a várias cirurgias em caráter de urgência. Nos e-mails que escreveu a partir de então pode-se perceber uma crescente preocupação com o desfecho da situação. No dia 26 de dezembro, escrevia: “Que a Sagrada Família nos proteja, e a toda a Congregação. Passei o Natal no hospital. Em duas semanas sofri três cirurgias. Ontem recebi alta. Fui operado de pedras na bexiga. Foi tudo com muita urgência. Agradeço as orações. Continem. Só daqui a 10 dias vão tirar a sonda. Espero que tudo dê certo.”
É dolorido acompanhar as preocupações e dificuldades que enfrentou com a saúde e com os recursos para tratá-la. Depois de 25 anos de ministério episcopal, um Pastor se sente na obrigação de pedir ajuda, mesmo sem saber bem como. “Tenho um pedido a fazer. Tenho que pagar tudo, pois mudei de médico. O meu pedido é o seguinte: será que o Generalato teria condições de me ajudar? Da Provincia já pedi; uns amigos em Januária também colaboram. Nescessito ainda de mais ou meno ainda de 7.000 reais. As despesas vão passar de 20.000 reais. Se puderem (me ajudar), me avise... Mais tarde retribuirei. Desde já muito grato.”
Dois dias depois (28/12/10), Dom Anselmo voltou a escrever sobre o mesmo assunto, o que denota o quanto o preocupava tanto o resultado dos exames quanto a questão financeira: “Caro colega, mandei-lhe um e-mail sobre minha saúde. Não sei se recebeu. Mas é o seguinte: já fui submetido a três cirurgias urgentes na bexiga... Os exames atestam que não é câncer. Não tem nada. Agora preciso ainda tirar a sonda, que o médico acha bom deixar até o dia 10. A urina já está bem clara.” Ao escrever em maiúsculo que os exames não identificaram câncer, o coirmão revela o alívio que experimentava.
Mas, na sequência, volta à questão financeira: “Agora vem o pricipal de tudo isto: tive que fazer tudo particular, pois o Plano de Saúde da Diocese não cobre, e eu teria que esperar mais tempo. Tive que fazer tudo particular, e o meu dinheiro acabou. Recebi auxílio de amigos de Januária, da Província e do Bispado de Santa Cruz, mas ainda falta um pouco. Queria ver a possibilidade do Generalato ajudar com uns 7.000,00 reais. Veja o que pode fazer. Obrigado. Recebi alta do hospital no dia do Natal.”
No último dia do ano 2010, o missionário e bispo emérito dava notícias, contando o drama que vivera por causa de uma infecção e da alegria de poder voltar a caminhar: “Ainda estou aqui em casa (da irmã) me recuperando. No começo de fevereiro vai nascer mais uma bisneta e um bisneto dela. Então não haverá mais condições para que eu fique por aqui... O mais grave foi um vírus no pulmão. Foi preciso muito antibiótico para combatê-lo. Foram 7 dias de combate, e  isto me deixou muito fraco. Isso foi curado. Agora já consigo caminhar. Depois mando mais notícias. Muito obrigado.”
A debilidade física transparecia até na dificuldade de escrever, pois, terminou o e-mail assinando “dddddom anselo”. No dia 10 de janeiro, escreveu apenas uma linha. “Amanhã é o dia em que vão tirar a sonda. Peça ao Pe. Fundador que tudo dê certo.” Recomendando-se ao Pe. Berthier, Dom Anselmo volta a revelar a preocupação com a fragilidade da saúde.
Com as complicações que se seguiram, como sabemos, Dom Anselmo foi transferido a Passo Fundo, passando a residir na comunidade do Lar de Nazaré e a receber tratamento no Hospital São Vicente de Paulo. Foi internado várias vezes, mas lutava e resistia heróicamente. Os coirmãos lembram como seu espírito alegre e seu gosto pelos jogos de cartas levaram bons ares à comunidade. No dia 4 de março ele escrevia, claramente animado: “Estou melhorando. Espero que em pouco tempo este problema esteja resolvido.” Mas infelizmente, sucessivos AVCs e uma grave pneumonia terminaram por provocar seu falecimento ainda naquele mês.
Desamparo e acolhida
Quem está há mais tempo na Congregação sabe que, durante seus 25 anos de episcopado, Dom Anselmo se afastou, ao menos praticamente, da vida da Província Brasil Meridional. Um religioso eleito bispo nunca deixa de ser membro de uma Congregação (embora o nome de Dom Anselmo, por um tempo, tenha desaparecido do Esquematismo da Província). Mas de fato, Dom Anselmo estava mais envolvido com a Diocese e mais próximo da Província Brasil Oriental, que por muitos anos praticamente coincidia com sua diocese. Durante este tempo, participou de pouquíssimos encontros e eventos da Província de origem. E mesmo em Januária, tinha-se a impressão de que estava mais acima que dentro da Província.
A impressão geral, que eu também compartilhei, era que Dom Anselmo não se sentia mais Missionário da Sagrada Família. E isso parece ter ficado patente inclusive na decisão de residir em Santa Cruz do Sul, com sua irmã e junto do bispado local, e não em uma das nossas comunidades. Mas isso transparece também no acanhamento com que se dirigiu à Coordenação Provincial e ao Governo Geral para pedir ajuda financeira. Hoje penso que isso fazia parte do seu modo de ser, um pouco tímido e retraído, e não de uma espécie de sentimento de superioridade ou de menosprezo pela Congregação. Nos e-mails que citei acima, ele sempre terminava com expressões como “em Jesus, Maria e José”, “do irmão em JMJ”, “do vosso, em JMJ, Dom Anselmo”. Será que isso era uma simples formalidade? Ou se trata da expressão de algo mais profundo?
É verdade que não podemos caracterizar sem mais o ministério episcopal como um empenho missionário, e não é isso que pretendo fazer aqui. Porém, quem teve oportunidade de conhecer o apostolado de Dom Anselmo em Januária há de fazer jus ao seu empenho na formação do clero local e na busca de subsídios econômicos para os trabalhos e estruturas pastorais numa região de população muito pobre. Algumas das suas iniciativas de promoção humana, apesar das naturais dificuldades de administração e sustentabilidade, continuam vivas.

Catedral de Januaria


Por isso mesmo, foi muito triste perceber os sentimentos de mágoa e o desamparo que marcaram os últimos meses da sua vida. Ele tinha lá suas dificuldades de comunicação e de trabalho colegiado, mas nada justifica que o sucessor tenha pensado até em processá-lo civilmente. E o que dizer da frágil situação econômica que o levou a sair pedindo favores? Em casos como este, não basta que a lei diga que a Diocese deve prover o bem-estar do bispo emérito: é preciso ter canais que o garantam efetivamente. E, por outro lado, é preciso ter presente que um coirmão bispo, em que pesem algumas condições especiais, permanece sempre um coirmão.

Itacir msf

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