Tu marchas à nossa frente; és força, caminho e luz!
(Is 61,1-2.10-11; Lc 1,46-56; 1Tes 5,16-24; Jo 1,6-8.19-28)
Começamos a caminhada do Advento com a palavra forte e direta: “Vigiem!” Depois fomos convidados/as a abrir estradas a partir da periferia e do deserto, a caminhar como discípulos/as do Senhor. Hoje somos convidados/as à alegria. “Estai sempre alegres”, ordena Paulo. “Transbordo de alegria em Javé”, proclama Isaías. Maria canta: “Meu espírito está em festa pelo meu Deus”. E João mostra o motivo dessa alegria: “Entre vós está alguém que não conheceis...” Nossa caminhada de preparação para o Natal não tem nada a ver com tristeza ou resignação, e tudo a ver com a trabalhosa e profunda alegria de quem prepara uma grande festa. É uma alegria como aquela vivida pelo índio Juan Diego e seu povo diante de manifestação de Maria em Guadalupe (09.12.1531) e pela inteira humanidade com a proclamação universal dos Direitos Humanos (10.12.1948).
“Ele veio para dar testemunho da luz...”
Alguns podem até apreciar momentos e espaços de penumbra, mas são poucos os que gostam da escuridão. Escuridão rima com medo, ignorância, engano, opressão, tristeza, morte. As diversas formas de vida necessitam de luz para se desenvolver. E a luz está relacionada com ousadia, verdade, amor, alegria. Os evangelhos apresentam João Batista como testemunha da Luz. E Jesus, sendo a própria Luz que vence as trevas (cf. Jo 8,12), diz a quem o segue: “Vocês são a luz do mundo” (Mt 5,14).
Nos difíceis tempos de reorganização do povo que voltara do exílio, o profeta Isaías se descobre convocado a chamar a atenção para as pequenas luzes que passam despercebidas a um povo desanimado e a ajudá-lo a olhar mais longe: “Javé me ungiu e me enviou para dar boas notícias aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros, para promulgar o ano da graça de Javé...”
E isso significava que o povo podia passar da tristeza amarga a uma profunda alegria, transformando as cinzas penitenciais em chapéus coloridos, o luto abnegado em perfume atraente, os andrajos miseráveis em roupas festivas, as ruínas desoladas em cidades habitadas. Porque “assim como a terra faz brotar uma nova planta, e o jardim faz germinar suas sementes, assim também o Senhor Javé faz brotar a justiça e o louvor na presença de todas as nações.” Os pobres têm direito de transbordar de alegria!
“Meu espírito está em festa pelo meu Deus...”
É verdade que tudo isso é mais promessa que realidade. Isaías fala como profeta e convida a elevar os olhos para além das escuridões do presente, a fixar o olhar nos pequenos sinais nos quais dependuramos a esperança. Sem a luz de uma Esperança digna desse nome ninguém é capaz de levantar-se do lixo ou se desprender das correntes. A esperança não ignora as males do presente mas, como a gestante, sabe que o filho esperado está a caminho e antevê o gozo do seu nascimento.
É também verdade que, enquanto dura a luta que nos mantém vigilantes, nosso cântico tem tom menor.Contemplando a alma do povo humilde, Vinícius de Morais via “casas simples com cadeiras na calçada” e, na varanda, “flores tristes e baldias, como a alegria que não tem onde encostar”. E confessava que sentia “uma inveja dessa gente que vai em frente, sem ter com quem contar”. Nossa alegria é humilde e pura, mas tem “onde encostar”, pois somos um povo que “tem com quem contar”.
Chegando à casa de Isabel e sendo por ela acolhida com hospitalidade, Maria levanta a cabeça e solta a voz num louvor que atravessa os séculos e ainda hoje ressoa como canto libertário. Sua alegria não tem nada de ingenuidade e muito menos de autocomplacência: Maria olha para o seio de Isabel e para seu próprio seio, vê os pequenos sinais e se alegra com aquilo que Deus está realizando pacientemente mas de modo irreversível através de gente por quem não se dá nada.
Mas seu olhar não se detém no pequeno mundo das relações interpessoais. Maria lança um olhar sobre a história do seu povo e de todos os povos, e percebe que Deus age rebaixando os poderosos e elvando os humildes, socorrendo apressadamente os pobres e pedindo que os ricos esperem um pouco. Sua alegria brota da contemplação da ação de Deus no passado e no presente, e também da fé na sua ação nos séculos futuros. A alegria do Advento é uma alegria com jeito mariano.
“Entre vós está alguém que não conheceis...”
Interrogado sobre sua identidade e sua missão, João Batista se apresenta como testemunha Luz, como sinal de algo que está chegando para vencer as trevas e os obstáculos interpostos pelas elites religiosas e políticas. “Eu sou a voz de quem girta no deserto. Endireitai o caminho do Senhor!” Apresenta-se como voz que vem do deserto, da periferia, da margem. E não teme as inquietações políticas que suas palavras e gestos possam provocar.
João batizava, e isso inquietava as autoridades encasteladas no poder pllítico-religioso de Jerusalém. O batismo com água era um rito cívico-religioso que expressava uma passagem de estado, uma mudança de senhor e de lealdade. O arrependimento dos pecados era apenas um dos lados desse rito. Quem era batizado se sentia livre diante do templo e de suas imposições e se proclamava servidor de uma nova realidade, servo de um novo Senhor que estaria chegando.
“Como o noivo com jóia no turbante...”
João Batista anuncia que no meio de nós já está presente Alguém que não conhecemos, que vem antes dele e o supera e ultrapassa. Esse Alguém é penhor e início daquela mudança anunciada pelos profetas e simbolizada no batismo cristão. Diante dele, sua pregação e seu batismo se mostram relativos, transitórios, caducos, insuficientes. Mesmo sendo o maior entre os profetas, diante dele João não se atreve a desatar as correias das sua sandálias...
O que isso significa? Para a tradição judaica, desamarrar as sandálias de um homem era um gesto que simbolizava o protesto de uma viúva diante do cunhado que se recusasse a desposá-la e dar-lhe descendência, como mandava a lei do levirato (cf. Dt 25,5-10). Tal pessoa era considerada “um homem que não edifica a casa/família do seu irmão” e sua família era conhecida como “a família do descalçado”. Jesus mantém as sandálias nos pés, ele é a aliança de Deus conosco.
Jesus não despreza a nossa pobre humanidade. Ele a ama profundamente e sela conosco uma aliança duradoura “na justiça e no direito, no amor e na ternura” (cf. Os 2,16-25). Ninguém desamarra a correia de suas sandálias! O Messias que esperamos é o Esposo amado e esperado há séculos, e a celebração do Natal é uma espécie de bodas de Deus conosco. E a preparação de uma festa de casamento, por mais trabalhosa que seja, é sempre marcada pela ternura e pela alegria.
E a Sagrada Família, tinha ela consciência deste mistério que a envolvia e fecundava? Certamente, embora tenham caminhado na penumbra da fé e só aos poucos os contornos do desenho deste mistério fossem se clareando. O tumultuado tempo da gravidez de Maria e a paradoxal noite do Natal foram apenas o começo. Maria viu a falta de vinho e acreditou no vinho novo que selava a nova aliança de Deus com seu povo. Jesus descobriu sua identidade de noivo e esposo da humanidade.
O Natal se aproxima e ainda há tempo para preparar bem esse grande momento. Caminhemos na alegria, dando graças em todas as circunstâncias. Temos tazões para sermos alegres, pois, como diz Paulo, Aquele que nos chamou é fiel e nos ajuda a caminhar na integridade. Prossigamos na estrada que nos leva ao encontro da família pobre, migrante e crente que nos regala o Menino Deus, caminhando e cantando: “Tu marchas à nossa frente; és força, caminho e luz!”
Deus, pai e mãe, luz que brilha na fragilidade humana e planta nas criaturas a semente de uma alegria inocente e teimosa: cobre-nos com o manto da justiça que só pode vir de ti e enfeita nossos andrajos com as jóias de uma fé que dá as mãos à esperança e ao amor. Faz com que nossas comunidades anunciem com a vida a boa notícia que tens desde sempre para os últimos e pobres, os que carecem de autonomia e de alegria. Ajuda-nos a abrir caminhos de solidariedade em meio às montanhas de lixos comerciais que abarrotam nossos mercados e a permanecer na escola de Nazaré. Amém! Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
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