Desde 1967, por sugesto do Papa Paulo VI, o dia 1° de janeiro é celebrado pelas comunidades católicas como Jornada Mundial pela Paz. Para cada ano a Santa Sé escolhe um tema ligado ao eixo-temático da Paz, e o Papa escreve uma mensagem para ser repercutida pelas comunidades cristãs no mundo inteiro.
Sintonizando com as mobilizações por democracia política e econômica que tomaram conta dos países do norte da Africa, do Oriente médio e também de alguns países da Europa ocidental e dos Estados Unidos da América, deflagrados e sustentados especialmente pela juventude, o tema escolhido para a jornada de 2012 é educar os jovens para a justiça e a paz.
Na mensagem que veio a público no último 8 de dezembro, Bento XVI se dirige à juventude com expressões muito significativas e até surpreendentes. Eis algumas fases, a título de exemplo.
“Sois um dom precioso para a sociedade.”
Vivei com confiança a vossa juventude e os anseios profundos que sentis de felicidade, verdade, beleza e amor verdadeiro. Vivei intensamente esta fase da vida, tão rica e cheia de entusiasmo.”
“Vós sois um dom precioso para a sociedade. Diante das dificuldades, não vos deixeis invadir pelo desânimo nem vos abandoneis a falsas soluções, que frequentemente se apresentam como o caminho mais fácil para superar os problemas. Não tenhais medo de vos empenhar, de enfrentar a fadiga e o sacrifício, de optar por caminhos que requerem fidelidade e constância, humildade e dedicação.”
“Sabei que vós mesmos servis de exemplo e estímulo para os adultos, e tanto mais o sereis quanto mais vos esforçardes por superar as injustiças e a corrupção, quanto mais desejardes um futuro melhor e vos comprometerdes a construí-lo.”
Idealismo fermentador
Mesmo quando não se dirige diretamente aos jovens, discorrendo sobre a juventude, o Papa Bento XVI continua ousando e manifesta claro apoio às suas lutas. Vejamos mais alguns exemplos.
“As preocupações manifestadas por muitos jovens nestes últimos tempos, em várias regiões do mundo, exprimem o desejo de poder olhar para o futuro com fundada esperança.”
“É importante que estes fermentos e o idealismo que encerram encontrem a devida atenção em todas as componentes da sociedade. A Igreja olha para os jovens com esperança, tem confiança neles e encoraja-os a procurarem a verdade, a defenderem o bem comum, a possuírem perspectivas abertas sobre o mundo e olhos capazes de ver « coisas novas » (Is 42, 9; 48, 6).”
“Prestar atenção ao mundo juvenil, saber escutá-lo e valorizá-lo para a construção dum futuro de justiça e de paz não é só uma oportunidade mas um dever primário de toda a sociedade.”
“Também os jovens devem ter a coragem de começar, eles mesmos, a viver aquilo que pedem a quantos os rodeiam. Que tenham a força de fazer um uso bom e consciente da liberdade, pois cabe-lhes em tudo isto uma grande responsabilidade: são responsáveis pela sua própria educação e formação para a justiça e a paz.”
O complexo desafio da educação
Em relação propriamente ao tema da Jornada, a mensagem é um pouco mais genérica. Mas algumas frases são particularmente importantes, como podemos ver em seguida.
“Trata-se de comunicar aos jovens o apreço pelo valor positivo da vida, suscitando neles o desejo de consumá-la ao serviço do Bem.”
Para desenvolver um verdadeiro processo educativo “não bastam meros dispensadores de regras e informações; são necessárias testemunhas autênticas, ou seja, testemunhas que saibam ver mais longe do que os outros, porque a sua vida abraça espaços mais amplos.”
“Quero dirigir-me também aos responsáveis das instituições com tarefas educativas: Velem, com grande sentido de responsabilidade, por que seja respeitada e valorizada em todas as circunstâncias a dignidade de cada pessoa.
“Possa cada ambiente educativo ser lugar de abertura ao transcendente e aos outros; lugar de diálogo, coesão e escuta, onde o jovem se sinta valorizado nas suas capacidades e riquezas interiores e aprenda a apreciar os irmãos. Possa ensinar a saborear a alegria que deriva de viver dia após dia a caridade e a compaixão para com o próximo e de participar activamente na construção duma sociedade mais humana e fraterna.”
“É importante ter presente a ligação estreitíssima que existe entre educação e comunicação: de fato, a educação realiza-se por meio da comunicação, que influi positiva ou negativamente na formação da pessoa.”
“Dirijo-me, depois, aos responsáveis políticos, pedindo-lhes que ajudem concretamente as famílias e as instituições educativas a exercerem o seu direito-dever de educar. Proporcionem aos jovens uma imagem transparente da política, como verdadeiro serviço para o bem de todos.”
Liberdade e relativismo
Como sempre, Bento XVI não deixa de tocar num dos temas que se tornaram axiais nas suas intervenções públicas: a questão do relativismo. É em contraposição ao relativismo que o Papa aborda a questão da liberdade, tão própria do mundo dos jovens.
“Dentro de um horizonte relativista como este, não é possível uma verdadeira educação: sem a luz da verdade, mais cedo ou mais tarde cada pessoa está, de fato, condenada a duvidar da bondade da sua própria vida e das relações que a constituem, da validez do seu compromisso para construir com os outros algo em comum.”
“Por conseguinte o homem, para exercer a sua liberdade, deve superar o horizonte relativista e conhecer a verdade sobre si próprio e a verdade acerca do que é bem e do que é mal.”
“Quando o homem se crê um ser absoluto, que não depende de nada nem de ninguém e pode fazer tudo o que lhe apetece, acaba por contradizer a verdade do seu ser e perder a sua liberdade. De fato, o homem é precisamente o contrário: um ser relacional, que vive em relação com os outros e sobretudo com Deus. A liberdade autêntica não pode jamais ser alcançada, afastando-se d’Ele.”
“Assim o reto uso da liberdade é um ponto central na promoção da justiça e da paz, que exigem a cada um o respeito por si próprio e pelo outro, mesmo possuindo um modo de ser e viver distante do seu. Desta atitude derivam os elementos sem os quais paz e justiça permanecem palavras desprovidas de conteúdo: a confiança recíproca, a capacidade de encetar um diálogo construtivo, a possibilidade do perdão, que muitas vezes se quereria obter mas sente-se dificuldade em conceder, a caridade mútua, a compaixão para com os mais frágeis, e também a prontidão ao sacrifício.”
Educar para a Justiça e a Paz
Afastando-se um pouco do núcleo mobilizador dos jovens no ano 2011 (democracia politica efetiva e democracia econômica livre da ditadura do mercado financeiro), porém sem ignorá-los, Bento XVI focaliza a questão da Justiça e da Paz, terreno no qual a doutrina católica já fez caminho. O tema da democracia ainda não tem plena cidadania nos discursos e na doutrina eclesiástica.
“No nosso mundo, onde o valor da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, não obstante as proclamações de intentos, está seriamente ameaçado pela tendência generalizada de recorrer exclusivamente aos critérios da utilidade, do lucro e do ter, é importante não separar das suas raízes transcendentes o conceito de justiça.”
“Não podemos ignorar que certas correntes da cultura moderna, apoiadas em princípios econômicos racionalistas e individualistas, alienaram das suas raízes transcendentes o conceito de justiça, separando-o da caridade e da solidariedade.”
“A paz não é só ausência de guerra, nem se limita a assegurar o equilíbrio das forças adversas. A paz não é possível na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, a livre comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos e a prática assídua da fraternidade.”
“A paz, porém, não é apenas dom a ser recebido, mas obra a ser construída. Para sermos verdadeiramente artífices de paz, devemos educar-nos para a compaixão, a solidariedade, a colaboração, a fraternidade, ser activos dentro da comunidade e solícitos em despertar as consciências para as questões nacionais e internacionais e para a importância de procurar adequadas modalidades de redistribuição da riqueza, de promoção do crescimento, de cooperação para o desenvolvimento e de resolução dos conflitos.”
“A paz para todos nasce da justiça de cada um, e ninguém pode subtrair-se a este compromisso essencial de promover a justiça segundo as respectivas competências e responsabilidades.”
Olhar o futuro com confiança
A mensagem do Papa não se reduz a uma análise crítica da cultura e do mundo atual, nem a recomendações piedosas para os diversos responsáveis pela sociedade e pela educação dos jovens. Bento XVI, apesar de tudo, nos convida a olhar para o futuro com confiança e responsabilidade.
“De forma particular convido os jovens, que conservam viva a tensão pelos ideais, a procurarem com paciência e tenacidade a justiça e a paz e a cultivarem o gosto pelo que é justo e verdadeiro, mesmo quando isso lhes possa exigir sacrifícios e obrigue a caminhar contracorrente.”
“A Paz não é um bem já alcançado mas uma meta, à qual todos e cada um deve aspirar. Olhemos, pois, o futuro com maior esperança, encorajemo-nos mutuamente ao longo do nosso caminho, trabalhemos para dar ao nosso mundo um rosto mais humano e fraterno e sintamo-nos unidos na responsabilidade que temos para com as jovens gerações, presentes e futuras, nomeadamente quanto à sua educação para se tornarem pacíficas e pacificadoras!”
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