Da rocha brota águva viva, da treva nasce o esplendor!
(“Sm 7,1-5.8-16; Sl 88/89; Rm 16,25-27; Lc 1,26-38)
Eis que entramos na derradeira semana da caminhada para o Natal. A expectativa é mais intensa, as atividades se acumulam, as preocupações nos agitam. O que ainda está faltando? Enviar os cartões e powerpoints natalinos os amigos/as? Comprar presentes para os/as afilhados/as, sobrinhos/as, pais, irmãs/os, vovôs ou netos? Renovar o estoque de carnes e doces? Comprar roupa nova para a noite feliz? Fazer o último encontro da novena? Preparar o pinheiro e o presépio na sala?... Precisamos estar atentos/as para não esquecer o essencial! A Visita esperada pode estar já batendo à porta, e nosso envolvimento com os preparativos não devem impedir a escuta, o diálogo, a acolhida e o comprometimento pessoal com Aquele que está sempre chegando. Não esqueçamos que o bem-aventurado Chico Mendes foi morto exatamente enquanto muita gente preparava distraídamente esta festa (+22.12.1998).
“Eu moro num palácio de cedro, enquanto a arca de Deus está alojada numa tenda...”
Prestemos atenção àfigura do rei Davi. Depois de ter deixado o pastoreio e o refúgio no deserto e ter sido coroado rei, ele se emepnhou em ampliar as fronteiras do reino, aumentar e consolidar seu poder, multiplicar e assegurar sua riqueza, construir e decorar seu palácio. Num certo momento, gozando de segurança, honra e poder, se dá conta de que, enquanto ele mora num rico palácio, a Arca de Deus permanece numa pobre tenda. E isso não lhe parece bem.
A vontade imediata de Davi é construir um templo, um lugar seguro e estável para abrigar a Presença de Deus. O poder tem necessidade de acabar com o movimento e eliminar a vulnerabilidade. Imagina que Deus deve permanecer num lugar e ser controlado. Deseja eliminar a itinerrância de um Deus que caminha com seu povo. Pensa que Deus precisa tomar as feições do poder estável e da riqueza fascinante. As tendas e barracas sempre trazem incômodo aos que habitam palácios...
“Porventura és tu que vais construir uma casa para eu morar?”
Num primeiro momento, a boa vontade do rei fascina Natã, o qual aconselha Davi a colocar em prática imediatamente sua piedosa intuição. Mas, depois, o profeta reflete com mais calma e profundidade e percebe que não é isso que agrada a Deus. Deus sempre caminhou com o povo, morou com ele no deserto em simples barracas, suscitou mais pastores que reis, e nunca reclamou a estabilidade e o esplendor um templo de cedro...
Natã percebe que não é necessário construir um templo para que Deus habite no meio do povo. Pelo contrário, é Deus que deseja preparar um lugar para que seu povo viva em paz! “Fixarei um lugar para o meu povo Israel, para que habite no seu lugar próprio. E assim ele não precisará mais andar errante. Os perversos não continuarão a oprimi-lo...” Deus deseja terra para os sem-terra e casa para os sem-casa! Os templos não lhe interessam. Sua morada é nosso corpo, é o seio da comunidade.
Mediante as palavras do profeta, Davi acaba entendendo o que Deus quer realmente. E descobre também que sua honra e sua grandeza não residem na riqueza dos palácios e no poder inabalável, mas em Alguém que virá depois dele. Esse descendente sim construirá no seu próprio corpo uma casa indestrutível para Deus e reinará eternamente pelo dom de sua vida. Como diz o salmista, só o amor é um edifício belo e inabalável no qual Deus e seu povo podem morar tranquilamente.
“Eis aqui a serva do Senhor...”
De Davi e de Natã aprendemos que a pressa é vizinha da superficialidade, e ambas são um perigo para a fé lúcida e operante. O Advento é um convite à escuta despojada e ao diálogo aberto: escuta de Deus que fala inclusive à margem dos livros e canais de TV, no silêncio do recolhimento e na contemplação profunda dos sinais dos tempos; diálogo tecido com os fios de intercâmbio, dos encontros com os diferentes, das ações solidárias, das preces engajadas.
E aqui emerge límpida a figura de Maria. À margem dos grandes acontecimentos, na periferia dos lugares importantes, no anonimato suspeito de Nazaré, ela é capaz de discernir a Palavra de Deus na tenda da sua casa. E Deus começa apreciando e elogiando a beleza daquela que seria sua primeira morada, da arca que abrigaria o sacramento da sua Aliança definitiva com seus filhos e filhas. “Alegre-se, cheia de graça! O senhor está com você!”
No coração do diálogo, uma proposta, um pedido tão exigente quanto irrecusável: “Você vai ficar grávida, terá um filho e dará a ele o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado filho do Altíssimo.” Maria mostra-se pronta ao engajamento de corpo e alma no desejo de Deus e discute apenas o modo como isso poderá ser feito. Sua preocupação não é contruir um templo para que Deus habite no mundo. Ela aceita ser a morada de Deus e coloca-se a seu serviço. E nisso engaja também seu amado José.
“Pois para Deus nada é impossível...”
Os Novos Céus e a Nova Terra, os Homens e Hulheres Novos costumam emergir de onde menos se espera: desertos florescem; estradas tortuosas se fazem caminhos planos; estéreis engravidam; virgens dão à luz; pobres recebem boas notícias; impérios se tornam ruínas e poderosos são destronados; igrejas divididas se reencontram; mortos ressuscitam... Deus não esquece de ser misericordioso e cumpre aquilo que promete. “Para Deus nada é impossível!”
Mas o poder de Deus se mostra nas mediações pobres! Ele cumpre suas promessas através das pessoas que nele confiam e a ele se entregam. É isso que nos mostra Maria, a vida das primeiras comunidades dos/as primeiros/as discípulos/as, e milhões de homens e mulheres pelos séculos a fora. Aqueles/as que crêem nas promessas de Deus se engajam na sua realização. Deus faz sua parte e cumpre o que promete. E espera que façamos a grande parte que nos toca.
E é isso que nos mostra também a vida de Chico Mendes, de cujo martírio fazemos memória no próximo dia 22: ele entendeu que a vontade de Deus era preservar sua ‘casa’ e seu ‘povo’ que vive na floresta amazônica e se propôs a ajudar Deus na realização desse projeto, sem se importar com os riscos. Seu sangue não foi em vão e seu testemunho continua naqueles/as que prosseguem sua luta pelos povos da florestas, inclusive pela demarcação contínua das reservas dos indígenas.
“Agora este mistério foi manifestado e levado ao conhecimento de todos.”
A preparação do Natal é uma tarefa que nos envolve da cabeça aos pés, da pele ao coração. As luzes têm sentido se forem expressão de um coração iluminado. Os presépios adquirem beleza na humana hospitalidade que acolhe indistintamente. Os presentes têm sabor na medida em que fazem de nós mesmos/as um dom, uma presença gratuita e solidária, e se não levam a esquecer Aquele que é o Presente/Presença de Deus na carne humana.
A festa do Natal recorda a Sagrada Família e é uma festa familiar, mas não pode se restringir ao aconchego de quatro paredes, ao cálido clima doméstico, fechada ao mundo, indiferente aos outros. Paulo nos recorda que esse mistério, que estava envolvido no silêncio e na penumbra, foi manifestado, e anunciado a todos os povos, inclusive aos pagãos. Essa consciência moveu os missionários de todos os tempos, entre os quais os primeiros MSF, que partiram da Holanda rumo ao Amapá (23.12.1910).
Não nos preocupemos, pois, em construir templos, palácios ou ricos presépios. Deus prefere morar em nós, mesmo que sejamos poucomais que pobres estábulos. Ele vem como filho vulnerável que desperta em nós o que há de mais belo e grandioso: a ternura, a hospitalidade e a solidariedade. E com ele vem nossa esperança. Deus tira água da rocha dura, acende luz em meio às trevas mais densas, faz brotar a vida mesmo nos ventres estéreis e virgens.
“Anunciarei com minha boca sua fidelidade de geração em geração.”
Deus pai e mãe, que fecundas nossos esforços generosos e fazes surgir água da rocha mais dura: suscita em nós a algre disponibilidade de Maria, a fim de que preparemos em nós mesmos, nossas famílias, comunidades e Igrejas um lugar para teu Filho e um espaço para teu povo; desperta em nós a atitude de José, para que sejamos capazes de acolher o bem que é feito à margem dos nossos planos; e que teu amor e tua fidelidade se renovem nas mil alianças históricas que esperam por nosso sim. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
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