Um dos traços fundamentais ou dos caminhos referenciais de uma espiritualidade inspirada na Sagrada Família de Nazaré é a comunhão fraterna, a familiaridade. Na Sagrada Família de Nazaré visualizamos um chamado especial para viver a hospitalidade e a fraternidade, assim como um apelo para conduzir todas as pessoas à única família sonhada pelo Pai e pedida por Jesus em seu testamento (cf. Jo 17,1-26).
Jesus não aceitou a condição de filho único!
Nascemos e crescemos na fé proclamando que Jesus Cristo é o Filho único de Deus. E a bíblia parece nos dar razão. “Ninguém jamais viu a Deus; quem nos revelou Deus foi o Filho único, que está junto do Pai” (Jo 1,18). “Pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo aquele que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,18). “Nisto se tornou visível o amor de Deus entre nós: Deus enviou o seu Filho único a este mundo, para dar-nos vida por meio dele” (1Jo 4,9).
Longe de mim negar esse dado basilar da nossa fé. Mas Jesus, em sua existência e sua ação na história, não fez nada para defender essa sua condição privilegiada. Antes, ele fez o contrário: quis ter irmãos e irmãs, e efetivamente os teve! “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus, e a põem em prática” (Lc 8,21). “Vai dizer aos meus irmãos: subo para junto do meu Pai, que é o Pai de vocês...” (Jo 20,17). “Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25,40).
Essa é uma verdade que merece ser proclamada com alegria: Jesus Cristo não se envergonha de ser nosso irmão (cf. Hb 2,11)! Ele não quer ser filho único, o único herdeiro, o único protagonista. Jesus quis ter irmãos e irmãs! Ele nos trata e nos constitui irmãos dele e irmãos entre nós, inclusive irmãos dos mais pobres e necessitados. Oxalá vivêssemos intensamente, nas comunidades e no apostolado, o título que ostentamos como religiosos: Irmão e Irmã...
Ele renunciou também a ser o primogênito!
Embora com ênfase menor, também aprendemos e anunciamos que Jesus Cristo é o filho primogênito dos humanos e de todas as demais criaturas. “Aqueles que Deus antecipadamente conheceu, também os predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho, o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8,29). “Ele é a imagem do deus invisível, o Primogênito, anterior a qualquer criatura” (Cl 1,15).
É muito significativo aceitar e anunciar Jesus Cristo como primogênito dos seres humanos e de todas as criaturas. Ele não é indiferente aos homens e mulheres comuns, nem às diversas formas de vida ou à natureza “inanimada”. Mas Jesus Cristo vai além e renuncia aos direitos inerentes à condição de filho mais velho. Ele abdica de ser o primeiro para se apresentar como último, como servo de todos. “O Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e dar a sua vida... (Mc 10,45). “Afinal, quem é o maior: aquele que está sentado à mesa ou aquele que está servindo? Não é aquele que está sentado á mesa? Eu, porém, estou no meio de vocês como quem está servindo” (Lc 22,27). “Esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo...” (Fl 2,7).
Também essa é uma boa notícia com sabor de Evangelho. Jesus Cristo se reveste com a toalha, se ajoelha diante de nós e lava nossos pés, sem se importar muito com nossas inconstâncias e traições. Somos sim consagrados a Ele e até ordenados ministros do seu povo. Mas seu lugar preferido não é acima de nós, à direita ou à esquerda, nem à nossa frente. Ele se situa abaixo de nós e se revela nosso irmão menor e nosso servo. “Servo” é o título que melhor expressa a identidade cristã!
Como herança, um caminho
Desejamos formar comunidades fraternas. E mais: somos chamados/as a formar comunidades de irmãos e irmâs que se estima e ajudam, que se põem a caminho para servir os “últimos”. Jesus nos deixa como herança um testemunho, um caminho: para construir comunidades de amigos/as e uma sociedade solidária precisamos deixar de lado nossas ambições de “filhos/as únicos/as” e de “melhores” e estabelecer relações igualitárias e que respeitem as diferenças; precisamos renunciar aos nossos “méritos” e “precedências” e nos converter em servidores dos/as demais. E isso não é pouco!
Pe. Itacir Brassiani msf
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