Sejamos capazes de ler
os pequenos e eloquentes sinais de Deus!
Na intensa agitação
que envolve a preparação para o Natal, o episódio que envolve o profeta Natã e
o rei Davi nos lembra que a pressa é vizinha da superficialidade, e que ambas
são um perigo para a fé lúcida e operante. O Advento é um convite à escuta
despojada e ao diálogo aberto: escuta de Deus que fala, inclusive à margem dos
livros e canais de TV, no silêncio do recolhimento e na contemplação profunda
dos sinais dos tempos; diálogo tecido com os fios do intercâmbio, dos encontros
com os diferentes, das ações solidárias, das preces engajadas. E é aqui, na
espiritualidade do Advento, que brilham as figuras de José e de Maria.
À margem dos grandes
acontecimentos, na periferia dos lugares importantes, no anonimato suspeito de
Nazaré, Maria e José são capazes de discernir a Palavra de Deus na tenda da sua
casa e na penumbra luminosa dos sonhos. Deus se revela apreciando a beleza
daquela que seria sua desejada morada, da arca que abrigaria o sacramento da
sua Aliança definitiva. “Alegre-se, cheia de graça! O senhor está com você!” E
convida José a não ter medo, a acolher Maria e o mistério que carrega no seu
ventre, a mostrar sua justiça e retidão descumprindo a lei que lhe dava a
possibilidade de abandoná-la e denunciá-la.
Maria e José mostram-se
disponíveis a engajarem-se de corpo e alma no desejo de Deus. Maria discute
apenas o modo como isso poderá ser feito, pois sua preocupação não é construir
um templo para que Deus habite no mundo, ou decorar uma bela árvore de natal.
Ela aceita ser a morada de Deus e coloca-se a serviço dele. José não diz nada,
não discute. Sua palavra é sua atitude. “Fez conforme o anjo do Senhor havia
mandado e aceitou sua esposa”. Deus não esquece de ser misericordioso, e cumpre
aquilo que promete! Em José ele encontra um colaborador ativo e fiel, que abre
as portas para que Deus seja Emanuel, Deus conosco.
Mas o poder de Deus se
mostra em mediações frágeis e pobres. Ele cumpre suas promessas através das
pessoas que nele confiam e a ele se entregam. É isso que nos mostram José e
Maria, a vida das comunidades dos primeiros discípulos e discípulas, e milhões
de homens e mulheres pelos séculos a fora. Deus faz sua parte e cumpre o que
promete, mas espera que façamos a grande parte que nos toca. Não nos
preocupemos em construir templos, palácios e presépios. Deus prefere morar em
nós, mesmo que sejamos pouco mais que pobres estábulos. Ele vem a nós como
criança, e assim desperta em nós a ternura a solidariedade.
A preparação do Natal
é uma tarefa que nos envolve da cabeça aos pés. Mas as luzes só têm sentido se
forem expressão de um coração iluminado. Os presépios adquirem beleza na humana
hospitalidade que acolhe indistintamente. Os presentes significam algo na medida
em que nos transformam em dom, em presença gratuita e solidária, e nos fazem
lembrar Aquele que é a Presença de Deus na carne humana. O Natal é sim uma
festa familiar, mas jamais pode restringir-se ao aconchego de quatro paredes,
ao cálido clima doméstico, fechado ao mundo, indiferente aos outros. Nossos
sonhos, assim como nossos desejos, devem ir muito além!
Que as malhas e
algemas de ideologias nefastas não nos impeçam de ver os sinais da visita de um
Deus que não se apropria de todos os poderes, não tolhe a liberdade e a
iniciativa dos humanos, nem se coloca acima de todos. “Deus acima de todos, e o
Brasil acima de tudo” é um slogan pernicioso que não pode encontrar guarida nos
lares e mentes dos cristãos. Tanto a gruta de Belém como a casa de Nazaré nos
ensinam outras lições. Os direitos de Deus são os direitos dos humanos. Nada de
morrer pela pátria ou viver sem razões!
Com Paulo, demos
glória Àquele que pode nos confirmar na fidelidade ao Evangelho anunciado e
realizado na carne de Jesus Cristo. Aquilo que estava escondido em doutrinas e
ritos complicados, separados da vida ou opostos a ela, se tornou claro no
mistério da encarnação e se tornou acessível a todos os povos e religiões. Deus
é parceiro da humanidade, faz nela sua morada e suscita e sustenta iniciativas
de humanização. Ele não se importa com a pureza moral dos indivíduos ou com os
nacionalismos, mas com as dores e necessidades dos seus filhos. A ele prestamos
serviço e culto, cuidando dos nossos semelhantes.
Deus pai e mãe, tu que fecundas nossa generosidade e
fazes surgir água da rocha mais dura: suscita em nós a alegre disponibilidade
de Maria e de José, a fim de que preparemos em nós mesmos, em nossas famílias,
comunidades e Igrejas, um lugar para teu Filho e um espaço para teu povo.
Livra-nos da doce tentação de construir apenas templos e presépios. Desperta em
nós a atitude de José, para que sejamos capazes de acolher o bem que é feito
mesmo à margem dos nossos planos e fora das nossas Igrejas. E que teu amor e
tua fidelidade se renovem nas mil alianças históricas que esperam por nosso
sim. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário