O Natal nos introduz na lógica da compaixão e da gratuidade.
Na Carta aos Hebreus,
a comunidade cristã manifesta sua fé amadurecida em meio a dificuldades
internas e questionamentos externos: em Jesus Cristo, na vida que se estende do
presépio à cruz e passa pela Galileia, pela Samaria e pela Judéia, Deus falou à
humanidade de modo claro e eloquente, mostrou o vulto da misericórdia do Pai e
desnudou a força do seu braço aos olhos de todos os povos. Esta palavra Jesus a
aprendeu nos porões da humanidade, é o clamor que ele compartilha com os
sofredores, mãos abertas e braços ágeis na construção de um mundo no qual haja
lugar para todos os seus filhos e filhas.
Por sua vez, na longa
e bela meditação com a qual introduz sua versão da boa notícia de Deus, são
João nos deixa claro que a vida de Jesus nunca foi nem é uma unanimidade, como
pretende ser seu substituto comercial, o Papai Noel. O Verbo de Deus veio como
luz no meio das trevas, e as trevas não o dominam mas também não o reconhecem.
Ele veio ocupar sua própria casa, mas seus parentes não o acolheram. Ele foi
acolhido pelos pastores, mas temido e perseguido por Herodes. O povo cansado e
abatido reconheceu nele o filho de Davi, mas os sacerdotes e doutores da lei o
renegaram, perseguiram e eliminaram.
João diz,
provocativamente, que Jesus nos revela a glória de Deus em sua humana carne. Glória
é a ação libertadora de Deus e o respeito que devemos a ele. Ver a glória de
Deus significa testemunhar e realizar seus atos de compaixão e libertação em favor
das pessoas humilhadas. É exatamente isso que Jesus Cristo nos revela, tanto na
sua encarnação como no desenrolar da sua vida, especialmente no alto da cruz.
Ele nos revela a dignidade do ser humano e o respeito que lhe devemos. E
manifesta também a verdade e a vontade de Deus, que age no ritmo ditado pela
compaixão e não conhece limites nem impõe restrições.
Fazendo-se carne e
armando sua tenda no coração da história, o Filho manifesta a glória do Pai de
uma forma nova, inesperada e inconfundível. Sendo a carne a materialidade e a vulnerabilidade,
experiências próprias do ser humano no mundo, a glória que Deus manifesta
mediante Jesus é a sua inserção solidária em nossa humana condição. Jesus faz
brilhar a glória de Deus esvaziando-se, assumindo a vulnerabilidade da qual
sempre queremos fugir, por vergonha ou por medo. Assim, ele revela aquilo que
somos realmente: criaturas limitadas e necessitadas do outro, abertas a uma
plenitude que nos falta, profundamente amadas por Deus.
Por isso, o mistério
da encarnação que o Natal celebra, não representa uma espécie de acidente ou um
parênteses na revelação de Deus, mas seu desejo mais profundo e a meta à qual
tende. Este é o primeiro ensinamento de Deus e a boa notícia anunciada pelos
passos belos e apressados dos mensageiros visualizados por Isaías. É essa
revelação que faz os guardas cantar de alegria e provoca júbilo até nas ruínas
da cidade. É isso, e não a figura do “bom velhinho”, que faz um povo cansado e
abatido explodir de alegria.
No evento do Natal Deus
mostra também, e de modo eloquente, o quanto estima e ama a humanidade e cada
ser humano, a começar por Maria, humilhada e desprezada. Deus é profundamente
apaixonado pelas suas criaturas, e o que mais deseja é estar com elas. Se por
Moisés nós recebemos uma lei que orienta, mas que também pode nos limitar e
oprimir, em Jesus Cristo, Deus assegura a graça e a fidelidade ao seu amor
gratuito. “De sua plenitude todos nós recebemos, graça por graça.” Nele, a
primazia é dada ao amor; as exigências e mandamentos vêm depois da graça, como
resposta, não como pressuposto.
E o Natal atesta
também que o amor muda a nossa lógica: a lógica matemática, que analisa tudo
como causa ou efeito; a lógica do mérito e da culpa, que interpreta tudo a
partir do prêmio e do castigo; a lógica da competição, que se rege pela vontade
de vencer e eliminar; a lógica do poder, que valoriza e só tem olhos para os
inteligentes, fortes, ricos e virtuosos. Deus ensina que os últimos são os
primeiros, que as pessoas que servem são as mais importantes, que as pessoas
que se esvaziam por amor estão plenas de glória.
Aqui estamos, Deus amável, ajoelhados e maravilhados
diante do que nos dás a conhecer sobre Ti mesmo e sobre nossa dignidade no
mistério do Natal. Te agradecemos imensamente porque transformaste nossa frágil
carne na Tua amada tenda, na meta final de todos os Teus desejos. Obrigado
porque manifestas Tua glória dando-nos dignidade e vida plena! Obrigado porque
nos introduzes numa outra lógica, a lógica da compaixão, da colaboração e da
graça, que supera a maldita lógica da competição e do mérito! Obrigado por este
precioso presente: vieste como visita e decidiste permanecer para sempre
conosco! Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário