Imaculada Conceição de Maria: a divina formosura de
quem serve!
Em meio à caminhada do Advento, a festa da
Imaculada Conceição de Maria vem nos
lembrar que a humildade, a escuta e a fé na ação misericordiosa de Deus são
atitudes que nos fazem belos e nos levam a uma vida feliz. O segredo da
felicidade não está na posse ou no consumo de bens especiais, na fama ou no
sucesso que podemos alcançar e no poder de atração que exercemos sobre as
pessoas, mas na abertura humilde e profunda aos outros, ao futuro e a Deus. O
fechamento orgulhoso em nós mesmos, e o apego doentio ao presente, não são
caminhos de crescimento, mas sinais de enfermidade.
Lucas nos apresenta Maria como uma mulher
que sabe ouvir a Palavra viva de Deus, uma mulher pronta a dar o melhor de si
para que essa Palavra se realize na história e nela mesma. Isabel proclama que Maria
é alguém que ousou acreditar na força da Palavra e na fidelidade daquele que a
pronuncia. E, no belo poema que brota dos lábios de Maria, a mãe de Jesus e
nossa aparece também como uma pessoa humilde e humilhada, como o foi
historicamente seu povo, mas também portadora de uma lucidez profética que
impressionou e impressiona até hoje os cristãos e a humanidade toda.
Vivemos – ainda, ou novamente? – tempos de
perturbação, medo e nudez. Ouvimos, estupefatos, anúncios provocativos e
idiotas: “Consumir é viver! Não existe racismo no Brasil! As mulheres sofrem
violências porque merecem! As queimadas são culturais, inevitáveis e
necessárias! Os pobres o são porque não poupam! Os direitos humanos são para os
humanos direitos! Se houver balbúrdia, a solução será a ditadura! Os
torturadores são pessoas que merecem ser horadas!” Proclamações como essas não
saem mais apenas da boca de uma pessoa tida como mito, mas são aceitas e
repercutidas por legiões de pessoas idiotizadas.
A repentina consciência da nudez à qual a
ambição, a luta pelo poder e a influência da mídia nos levaram provoca perturbação
e envergonha, como aconteceu com Adão. E, diante disso, a alegre, inocente e
inovadora liberdade do Evangelho nos deixa desconcertados, descrentes e
perturbados, como ocorreu com Maria. Parece-nos difícil crer que essa feia
página da nossa história possa ser virada, que podemos ferir a cabeça dessa
serpente que nos encurrala, que é possível revestir-nos de justiça, que podemos
– nós, nossas Igrejas e nossa sociedade – preparar uma habitação digna para o
Filho que nos devolve a humanidade.
Maria, a jovem mulher de Nazaré, humilde e
humilhada, profetiza e servidora, chegou na frente, e nos precede. Nela, também
a nós Deus abençoou, escolheu, amou e concedeu a graça de ser filhos e
herdeiros de um outro Reino. Para Ele, nada é impossível! Estimulados pelo
exemplo da Mãe de Jesus, deixemo-nos envolver pelo júbilo, pela alegria e pela
exultação, pois Deus jamais esquece o seu povo, e não cessa de agir com
misericórdia, mostrando a força suave e libertadora do seu braço. Saibamos
reconhecer os pequenos sinais que antecipam isso, na casa de Nazaré e de
Isabel, nas casas e lutas dos pobres de Javé.
A humildade, a fé, a profecia e o serviço
estão intrinsecamente relacionados, e são as marcas fundamentais da
personalidade e do itinerário espiritual de Maria e dos cristãos. Se Deus pôde
realizar grandes coisas nela e através dela é porque encontrou a indispensável
base humana já preparada. Não fazemos bem quando idealizamos e espiritualizamos
Maria, pois corremos o risco de desumanizá-la completamente, tirando-a da
história. Para fazer-se humano, o Filho de Deus precisa de pessoas
fundamentalmente humanas, e não de criaturas angélicas! E Maria de Nazaré ‘vai
com as outras’, sente-se bem entre as demais mulheres!
Por fim, a assunção de Maria sublinha de
forma contundente a dignidade do corpo, de todos os corpos. É uma especial
proclamação da dignidade dos corpos humilhados por uma cultura que os
transforma em meios de produção, em objetos que podem ser vendidos e comprados,
em produtos expostos nas vitrines e passarelas, sem brilho e sem beleza. Esta
solenidade é o reconhecimento da formosura dos corpos dinamizados pela fé e
curtidos na solidariedade, o anúncio da formosura e da nobreza dos corpos
doentes e envelhecidos pelo tempo, assim como do corpo eclesial de muitos e
diferentes membros.
Maria de Nazaré, de
Belém e de Jerusalém! Tu és mulher, mãe e companheira em todos os caminhos e
aventuras que geram mulheres, homens e um mundo novos. Acompanha-nos nestes
tempos sombrios. Ensina-nos a sonhar e realizar mudanças realmente profundas.
Ajuda-nos a perceber que mudanças de fachada enganam e prejudicam o dinamismo
de reconciliação que teu filho nos confiou como herança e missão. E protege o
povo brasileiro dos desmandos de gente alucinada. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
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