A paz como caminho de esperança:
diálogo, reconciliação e conversão ecológica
2. A paz, caminho de escuta baseado na
memória e na solidariedade
Os sobreviventes
aos bombardeamentos atômicos de Hiroshima e Nagasaki contam-se entre aqueles
que, hoje, mantêm viva a chama da consciência coletiva, testemunhando às
sucessivas gerações o horror daquilo que aconteceu em agosto de 1945 e os
sofrimentos indescritíveis que se seguiram até aos dias de hoje. Assim, o seu
testemunho aviva e preserva a memória das vítimas, para que a consciência
humana se torne cada vez mais forte contra toda a vontade de domínio e
destruição. «Não podemos permitir que as atuais e as novas gerações percam a
memória do que aconteceu, aquela memória que é garantia e estímulo para
construir um futuro mais justo e fraterno.
Como
eles, há muitos, em todas as partes do mundo, que oferecem às gerações futuras
o serviço imprescindível da memória, que deve ser preservada não apenas para
evitar que se voltem a cometer os mesmos erros ou se reproponham os esquemas
ilusórios do passado, mas também para que a memória, fruto da experiência,
constitua a raiz e sugira a vereda para as opções de paz presentes e futuras.
Mais ainda, a memória é o horizonte da
esperança: muitas vezes, na escuridão das guerras e dos conflitos, a lembrança
mesmo dum pequeno gesto de solidariedade recebida pode inspirar opções
corajosas e até heroicas, pode colocar em movimento novas energias e reacender
nova esperança nos indivíduos e nas comunidades.
Abrir e
traçar um caminho de paz é um desafio muito complexo, pois os interesses em
jogo, nas relações entre pessoas, comunidades e nações, são múltiplos e
contraditórios. É preciso, antes de mais nada, apelar à consciência moral e à
vontade pessoal e política. Com efeito, a
paz alcança-se no mais fundo do coração humano, e a vontade política deve ser
incessantemente revigorada para abrir novos processos que reconciliem e unam
pessoas e comunidades.
O mundo
não precisa de palavras vazias, mas de testemunhas convictas, artesãos da paz
abertos ao diálogo sem exclusões nem manipulações. De fato, só se pode chegar verdadeiramente à paz
quando houver um convicto diálogo de homens e mulheres que buscam a verdade
mais além das ideologias e das diferentes opiniões. A paz é uma construção
que deve estar constantemente a ser edificada, um caminho que percorremos
juntos procurando sempre o bem comum e comprometendo-nos a manter a palavra
dada e a respeitar o direito. Na escuta
mútua, podem crescer também o conhecimento e a estima do outro, até ao ponto de
reconhecer no inimigo o rosto dum irmão.
Por
conseguinte, o processo de paz é um
empenho que se prolonga no tempo. É um trabalho paciente de busca da verdade e
da justiça, que honra a memória das vítimas e abre, passo a passo, para uma
esperança comum, mais forte que a vingança. Num Estado de direito, a
democracia pode ser um paradigma significativo deste processo, se estiver
baseada na justiça e no compromisso de tutelar os direitos de cada um,
especialmente se vulnerável ou marginalizado, na busca contínua da verdade. Trata-se duma construção social em contínua
elaboração, para a qual cada um presta responsavelmente a própria contribuição,
a todos os níveis da comunidade local, nacional e mundial.
Como assinalava
o Papa São Paulo VI, a dupla aspiração à igualdade e à participação procura
promover um tipo de sociedade democrática. Isto, de per si, já diz bem qual a
importância de uma educação para a vida em
sociedade, em que, para além da informação sobre os direitos de cada um, seja
recordado também o seu necessário correlativo: o reconhecimento dos deveres de
cada um em relação aos outros. O sentido e a prática do dever são, por sua vez,
condicionados pelo domínio de si mesmo, pela aceitação das responsabilidades e
das limitações impostas ao exercício da liberdade do indivíduo ou do grupo.
Pelo
contrário, a fratura entre os membros
duma sociedade, o aumento das desigualdades sociais e a recusa de empregar os
meios para um desenvolvimento humano integral colocam em perigo a prossecução
do bem comum. Inversamente, o
trabalho paciente, baseado na força da palavra e da verdade, pode despertar nas
pessoas a capacidade de compaixão e solidariedade criativa.
Na nossa experiência
cristã, fazemos constantemente memória de Cristo, que deu a sua vida pela nossa
reconciliação (cf. Rm 5, 6-11). A Igreja participa plenamente na busca duma ordem justa,
continuando a servir o bem comum e a alimentar a esperança da paz, através da
transmissão dos valores cristãos, do ensinamento moral e das obras sociais e
educacionais.
Papa Francisco
Nenhum comentário:
Postar um comentário