A
pirralha e o energúmeno
De
acordo com os repetidos impropérios e inverdades do presidente Jair M. Bolsonaro,
a “pirralha” seria a ativista ambiental sueca Greta Tintin Eleonora
EmmanThunberg, mais conhecida como Greta Thunberg.
Com
apenas 16 anos de idade, tornou-se um ícone das lutas ambientalistas ao liderar
o movimento Greve das escolas pelo clima.
Desde então, tem sido uma referência internacional para o cuidado e preservação
do meio ambiente, ameaçado em seu equilíbrio pela aceleração incontrolada das
mudanças climáticas e suas consequências nefastas e irreversíveis. A firmeza e persistência de Greta renderam-lhe
o título de personalidade do ano, com direito a figurar na capa da revista
estadunidense Time.
Ainda
segundo os destemperos truculentos do presidente Bolsonaro, o “energúmeno”
seria o educador e filósofo brasileiro Paulo Reglus Neves Freire, ou
simplesmente Paulo Freire. Falecido em
maio de 1997, é considerado um dos pensadores mais influentes da história da
pedagogia mundial. A partir do contexto do Nordeste brasileiro, criou um
método crítico e interativo de alfabetização, o qual, além de conduzir as
pessoas ao mundo da leitura e da escrita, constituía também uma via para um
processo de conscientização, organização e mobilização popular.
Embora
tenha sido banido pela ditadura militar, segue
considerado, o patrono da educação brasileira. Entre suas numerosas obras
publicadas, podemos destacar Pedagogia do
oprimido (1968), Educação como
prática da liberdade (1965), Os
cristãos e a libertação dos oprimidos(1978), Educação e mudança (1981), Prática
e educação (1985), Por uma pedagogia
da pergunta (1985), A educação na
cidade (1991) – além de Cartas à
Guiné Bissau (registros de uma experiência em processo) e Política e educação (ensaios).
Cabe
um olhar ao dicionário. A palavra “pirralha” significa criança ou jovem, em
geral de pequena estatura. Já o termo “energúmeno”, de acordo com o dicionário
Houaiss, tem três significados: a) no cristianismo
primitivo, indivíduo possuído pelo demônio; possesso, endemoniado; b) pessoa
que age com violência, de forma irracional, brutal; c) indivíduo ignorante;
boçal, imbecil. Outros dicionários acrescentam um desfile de adjetivos
com tonalidades marcadamente pejorativas: idiota, pateta, tonto, inepto, estúpido, tapado, besta, burro,
estulto, abestado, desequilibrado, descontrolado, desatinado, desnorteado,
fanático, furioso, exaltado, louco, arrebatado.
Poucos
brasileiros (e cidadãos de outros países), com um mínimo de bom senso e
escolaridade, ousariam utilizar um dos adjetivos acima para se referir ao
grande educador que foi Paulo Freire. Reconhecido
internacionalmente como um inovador no processo educativo, deixou-nos um legado
que engradece o país e o mundo.
Após o golpe militar de 1964, foi preso durante
70 dias, exilando-se depois no Chile. Nesse país, ajudou em trabalhos de
educação de adultos, bem como no Instituto Chileno para a Reforma Agrária. No
final da década de 1960, lecionou na Universidade de Harvard, situada em Cambridge,
estado de Massachusetts, nos Estados Unidos.
Num período de dez anos, exerceu o cargo de consultor especial
do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra, na
Suíça. Na qualidade de consultor educacional, efetuou várias viagens pelos
países do Terceiro Mundo. Retornou ao Brasil com a anistia de 1980, tendo sido
professor da UNICAMP e da PUC, bem como Secretário de Educação da prefeitura de
São Paulo, no mandato da prefeita Luísa Erundina.
De igual modo, poucos
suecos (e cidadãos de outros países), com um mínimo de bom senso e
escolaridade, ousariam referir-se a Greta Thunberg como pirralha. Não
obstante a tenra idade, ela nos deixa a herança de um cuidado sóbrio e
responsável com “nossa casa comum”, para usar a expressão do Papa Francisco, e
com as futuras gerações.
Lamentavelmente, os
governantes e autoridades das repetidas Conferências sobre mudanças climáticas,
representantes de várias nações do planeta, continuam surdos ao grito da terra
e da vida. Da mesma forma que o governo e as autoridades do Brasil seguem
míopes ou cegos às inovações corajosas e libertadoras da filosofia e pedagogia
de Paulo Freire.
Pe.
Alfredo J. Gonçalves, cs
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