quarta-feira, 26 de maio de 2021

ANO B | TEMPO COMUM | SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE | 30.05.2021

Deus é mistério e força de comunhão, e cria tudo no amor.

A solenidade da Santíssima Trindade nos convida a celebrar e refletir sobre o mistério do ser e do agir de Deus. Todos alimentamos um pretensioso desejo de conhecer Deus e de falar sobre ele, mas será que Deus estaria à nossa disposição, desprotegido frente à nossa ânsia de dizer, manipular e dominar?  Há quem fale de Deus como se soubesse tudo sobre ele, mas que, na verdade, fala sobre seus próprios conceitos. A fala compulsiva sobre Deus geralmente é uma defesa contra a verdadeira experiência de Deus.

Chamamos arquétipos as imagens e valores que mexem com o ser humano em sua profundidade. Essas imagens são uma espécie de filtro pelo qual olhamos tudo e vemos a nós mesmos. Elas ordenam ou confundem, escravizam ou libertam.  E Deus é um dos arquétipos mais profundos e influentes da vida. Se temos uma imagem deformada de Deus, acabamos deformando-nos e adoecendo. Se desconfiamos muito de nós mesmos, acabamos imaginando um Deus observador e desconfiado, pronto a pedir provas e julgar o ser humano.

A solenidade de hoje vem nos recordar que a imagem correta de Deus não é a de um sujeito solitário, absoluto, onipotente e onisciente, mas de comunhão no amor, de ser-para-os-outros, de abertura e acolhida, de compaixão e dom de si. Deus é o arquétipo da perfeita comunhão, uma comunhão na qual cada pessoa recebe tudo da outra e se faz dom radical e incondicional aos outros. Esta comunhão na acolhida do outro e na doação amorosa de si é também o DNA das criaturas. Misericórdia é a palavra que melhor expressa o mistério da Santíssima Trindade, pois, do coração da Trindade, flui uma grande e incessante torrente de misericórdia.

Nossa primeira atitude diante do Mistério de Amor e Comunhão, que é a essência de Deus e das criaturas, mais que o espanto reflexivo, é a adoração agradecida. “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre, pelos séculos dos séculos. Amém!”  Adoração é a resposta própria de quem se reconhece pequeno/a e impotente e, ao mesmo, destinatário/a de um amor que o/a faz capaz, digno/a e grande. O divino mistério de Comunhão e de Bondade nos põe de joelhos e nos leva a exclamar “Glória!” É por isso que, diante de Jesus ressuscitado, os discípulos ajoelham-se reverentes e obedientes.

Glorificar significa honrar e fazer brilhar, e nós glorificamos a Deus porque ele mesmo nos glorifica, dando-nos a condição de filhos e filhas, conferindo-nos um esplendor que nos faz semelhantes a ele. Glorificamos a Deus quando desfazemos as imagens deformadas que o identificam com um ditador onipotente, um juiz implacável, um doutor onisciente ou um ser indiferente e sem coração, quando proclamamos, com a boca e com a vida, sua misericórdia, sua compaixão e seu amor pela justiça e pelo direito. “A glória de Deus é o ser humano vivo, e a vida do ser humano é a comunhão com Deus”, ensina a quase 20 séculos Santo Irineu de Lyon.

A experiência mística do amor de Deus nos compromete necessariamente com a missão de em tudo amar e servir, de cuidar e defender as criaturas de Deus. “Vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês.” É uma missão que se abre a todos os povos e desconhece fronteiras e muros que dividem, uma missão enraizada e focalizada no amor. Fazer discípulos/as significa acolher e congregar no amor aqueles/as que são diferentes, fazer-se próximo daqueles/as que estão longe.

Jesus também nos envia a batizar, pois o batismo sinaliza o discipulado e nele nos introduz, é a assinatura de uma nova lealdade, não mais aos doutores da lei ou ao “capitão”, mas ao Deus Uno e Trino, à Divina Comunhão, da qual a Eucaristia é sacramento e celebração. No batismo, expressamos nossa feliz condição: somos filhos e filhas do universo, irmãos e devedores às estrelas, à luz, ao ar e à terra, ao ar, à luz, pois todos esses elementos habitam e cooperam em nós, e tudo está interligado e relacionado, como ensina o Papa Francisco. Paulo sublinha essa realidade quando diz que somos filhos/as e herdeiros/as de Deus em Jesus Cristo. Não somos fragmentos isolados, mas filhos/as da comunhão que habita todas as coisas!

Deus amável, Mistério de Comunhão sem limites, regaço de onde partimos e pátria para onde caminhamos: envia teu Espírito para que, em nós, ele grite e anuncie que és pai e mãe e nos ajude a proclamar que todas as pessoas e demais criaturas são nossas irmãs. Amor paterno, materno e fraterno, abre o nosso ser à ação do teu Espírito de comunhão, a fim de que ele nos transforme em pessoas livres e solidárias, agentes da liberdade no mundo, anunciadoras e criadoras da comunhão que associa todas as criaturas. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Livro do Deuteronômio 4,32-40 | Salmo 32 (33) | Carta de Paulo aos Romanos 8,14-17 | Evangelho segundo Mateus 28,16-20

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